Os brasileiros já sabiam que o fim de 2022 era também o fim de um ciclo na seleção. A saída de Tite, após seis anos e na sequência da eliminação nos quartos de final do Mundial do Qatar, obrigava a uma reformulação profunda de uma equipa que continua a prometer tudo e a não conquistar nada — mas, a pouco mais de um mês do fim de 2023, os brasileiros já perceberam que não existiu qualquer início de ciclo a substituir o que terminou.

Ramon Menezes foi o eleito para substituir Tite de forma interina, há cerca de um ano e até ser escolhido um novo selecionador, e acabou por somar derrotas históricas contra Marrocos e Senegal. Com Carlo Ancelotti plenamente identificado e apalavrado enquanto próximo selecionador do Brasil, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) aceitou esperar até junho do próximo ano pelo ainda treinador do Real Madrid — e virou-se para Fernando Diniz, que acumulou as funções com o comando técnico do Fluminense que acabou de conquistar a Taça Libertadores.

Violência nas bancadas, atraso de meia hora, muita tensão e novo tango no Maracanã: Argentina vence Brasil com golo de Otamendi

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A noite desta terça-feira, porém, trouxe o derradeiro carimbo num annus horribilis para a seleção brasileira. A derrota com a Argentina no Maracanã, graças a um único golo de Otamendi, significa que o Brasil leva agora cinco desaires num único ano civil — igualando um registo que já não acontecia desde 1968. Adicionalmente, esta foi a primeira vez que os brasileiros perderam em casa numa qualificação para o Campeonato do Mundo, acrescentando-se ainda o facto de os argentinos terem agora vantagem no confronto direto (40 vitórias contra 39).

O Brasil tem apenas sete pontos na qualificação para o Mundial 2026, estando no 6.º lugar e com três derrotas consecutivas, e atravessa uma autêntica crise de liderança numa fase em que Neymar, Casemiro e Danilo estão todos lesionados e falharam os últimos jogos. O Maracanã não teve grandes contemplações para a seleção e acabou o jogo a gritar “olé” durante os períodos em que a Argentina tinha a posse de bola durante algum tempo, algo que Fernando Diniz considerou ser “demasiado”.

“Os adeptos estão no direito de fazer o que quiserem. Temos de dar o nosso melhor. O adepto é passional e quer vencer, está no direito de vaiar. Acho que gritar ‘olé’ para a Argentina é demasiado. Tanto que o pessoal que falou foi vaiado pelo público que estava. Mas vaiar, ficar insatisfeito com a equipa porque não está a ganhar, é extremamente compreensível. De resto, temos de saber conviver com as vaias e com a pressão. Os adeptos querem vencer e jogar bem. Acho que a equipa jogou bem, mas não venceu”, explicou o selecionador interino depois do jogo.

Já Gabriel Jesus, avançado do Arsenal que é a referência ofensiva da seleção após a lesão grave sofrida por Vinícius, lembrou que existem “coisas que os jogadores não controlam”. “Entramos em campo e tentamos jogar. São ciclos que terminam. Este é o meu terceiro apuramento para o Mundial aqui e acho que posso falar um pouco sobre isto. Está a ser bem diferente dos outros, como é óbvio. Um início que foi meio turbulento, com contratação ou não de selecionador. Não é fácil. Muitos jogadores a vir pela primeira vez. Não é desculpa, mas tantas modificações na seleção, pouco tempo de treino… Todo o mundo vê a evolução da equipa. Mas quando a vitória não vem fica mais difícil enaltecer a atuação”, atirou, sublinhando uma convocatória que assistiu às estreias de Endrick, Pepê, Paulinho e João Pedro.

A derrota contra a Argentina, a terceira consecutiva perante o eterno rival, foi um óbvio ponto negativo para o Brasil. Ainda assim, as críticas não surgiram apenas esta madrugada — e já nos últimos dias, numa intervenção em que garantia que os argentinos eram “favoritos”, a jornalista Milly Lacombe defendia que a seleção brasileira é “um projeto de fracasso muito bem elaborado há décadas”.

“Ignorámos o 7-1, mas o 7-1 não foi obra do acaso [goleada sofrida contra a Alemanha no Mundial 2014]. A seleção tem uma auto-estima que não se explica, de onde vem essa auto-estima? Só perde, só ganha nas qualificações, mas do que é que serve? Nem joga bem, só tem os resultados. Acho que este projeto de fracasso bem elaborado não está na conta do Diniz, do Mano [Menezes], do Dunga, do Tite, não está. A CBF não liga para o futebol, liga para o negócio e o negócio vai muito bem. É brincadeira da CBF, estão brincando com a gente”, considerou.