Roger Schmidt apelidou-os de “dois bons jogos”, foram sobretudo dois bons resultados entre o contexto que estava em causa. Na sequência da derrocada no País Basco com a Real Sociedad que culminou na eliminação da Liga dos Campeões, o Benfica fez uma espécie de reset em termos táticos sem por isso deixar de manter as experiências em busca de uma estabilidade coletiva que devolvesse à equipa o melhor de cada um em termos individuais. Apesar das dificuldades sentidas frente ao Sporting no Campeonato e ao Famalicão na Taça de Portugal por motivos distintos entre incapacidade e falta de eficácia, trouxe frutos. Era nessa base que surgia agora o novo mas nem por isso desejado objetivo de cumprir os mínimos dos mínimos no plano europeu com a passagem à Liga Europa. O rombo financeiro estava feito, a ambição de prosseguir o mesmo caminho desportivo dos últimos dois anos também, sobrava apenas a questão do prestígio que era um teste à equipa.

Benfica-Inter. O mesmo onze com Tengstedt de início (0-0, 1′)

“Estamos eliminados, é um facto, mas é um jogo de Liga dos Campeões. Estamos focados no jogo, em jogar bem e em ganhar. O Inter é uma das equipas top da Europa, mostraram esta época e na última isso mesmo, mantiveram os jogadores chave, reforçaram-se bem e têm a equipa em condições. Não estamos felizes com a forma como jogámos até aqui na Liga dos Campeões e queremos mudar isso. Foi bom para nós mostrar uma boa reação em Portugal, jogámos dois jogos bons em casa e mostrámos o futebol que esperamos de nós. Frente aos melhores temos de jogar ao nosso melhor nível e dar um passo em frente”, frisara o técnico alemão antes da reedição dos quartos da Liga dos Campeões da última época frente a uma equipa transalpina que lidera a Serie A com o melhor ataque e defesa e surgia já apurado para os oitavos da Champions.

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“Não sabemos qual será a abordagem do Inter. Eles estão qualificados mas sabemos que é diferente ser primeiro ou segundo. Têm de ganhar, são uma equipa com ambição na Champions, mas vamos tentar focar-nos em nós mesmos. Não estamos felizes com a situação do grupo e temos a chance para ganhar um jogo em casa contra o Inter, que para mim é uma das melhores equipas da Europa. Mostraram o mesmo rendimento este ano, com um futebol físico. São uma das melhores equipas este ano na Champions, que pode ir longe na competição. É uma boa oportunidade para continuar o que fizemos nos últimos dois encontros. Conseguimos ganhar confiança e queremos reforçá-la com mais uma vitória”, voltou a salientar Schmidt.

Era nesse ponto que o treinador germânico colocava o principal enfoque, quase fazendo da receção ao Inter uma rampa de lançamento para aproveitar o balanço dos últimos dois triunfos e continuar a aumentar os índices de confiança coletivos em busca do momento atravessado em 2022/23 onde os encarnados chegaram a abril com apenas uma derrota em encontros oficiais (Sp. Braga para a Liga, em dezembro), numa fase em que alguns dos lesionados como Kökçü começavam a voltar às opções e que as caras novas teriam de saltar para um outro patamar capaz de justificar o porquê da aposta feita pelos encarnados no verão, algo que também foi abordado por Roger Schmidt na antecâmara da partida à luz daquilo que falhara na Champions.

“Perdemos o Grimaldo, o Gonçalo Ramos e também o Enzo [em janeiro], não nos podemos esquecer. Os novos jogadores precisaram de tempo para se integrar. Tivemos lesões, começámos com um cartão vermelho ao oitavo minuto e um penálti. Não foi um início perfeito. Todas as partidas tiveram a sua história, não temos de pensar mais nisso. Às vezes, neste nível os pequenos erros são decisivos. Em seis jogos não podes ter uma situação destas. Não temos de pensar muito na situação, queremos agora a Liga Europa. Quando não podes jogar a Champions, o segundo melhor é a Liga Europa. As quatro partidas já feitas são história. Com o Morato a lateral, este sistema deu-nos estabilidade nos jogos mais difíceis. O comportamento tático da equipa no total foi bom, confiável. Já mostrámos muitas coisas que tínhamos mostrado na última época e agora temos de continuar”, argumentou naquela que seria a despedida da Luz nesta edição da Champions.

Sem surpresa, Schmidt voltou a apostar em Tengstedt de início e o dinamarquês, mesmo sem ter aquela preponderância a nível de golos que os avançados costumam conseguir, voltou a ser determinante para esse resgate da melhor versão do Benfica. Pelos movimentos, pela frieza na decisão ao primeiro toque, por todo o desgaste que provoca na defesa contrária. No entanto, esta devia ser a noite histórica de João Mário. Histórica por ter marcado o primeiro hat-trick da carreira, histórica por ter sido o primeiro jogador do Benfica a marcar um hat-trick na atual versão da Champions, histórica por ter marcado tantos golos em 34 minutos do que em toda a temporada. Três vezes histórica para uma tripla “vingança” contra um Inter onde foi sempre mal-amado por estrutura e adeptos após a saída do Sporting, contra as críticas de que vinha a ser alvo pelas últimas exibições e contra a malapata em 2023/24 na hora de visar a baliza. Com um problema: o Benfica “esqueceu-se” que o jogo tinha 90 minutos. Deixou-se enredar pelas correções do Inter, não mexeu quando ainda podia agarrar a vitória e acabou a levar uma bola no poste que podia dar derrota…

Ficha de jogo

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Benfica-Inter, 3-3

5.ª jornada do grupo D da Liga dos Campeões

Estádio da Luz, em Lisboa

Árbitro: Andris Treimanis (Letónia)

Benfica: Trubin; Aursnes, António Silva, Otamendi, Morato; Florentino Luís (Kökçü, 79′), João Neves; Di María (Tomás Araújo, 89′), Rafa (Tiago Gouveia, 90+9′), João Mário (Chiquinho, 90+9′) e Tengstedt (Musa, 79′)

Suplentes não utilizados: Samuel Soares, Leo Kokubo, Jurásek, João Victor e Arthur Cabral

Treinador: Roger Schmidt

Inter: Audero; Bisseck, De Vrij (Dimarco, 77′), Acerbi; Darmián (Cuadrado, 67′), Frattesi, Asllani, Klaassen (Barella, 67′), Carlos Augusto; Alexis Sánchez (Lautaro Martínez, 79′) e Arnautovic (Marcus Thuram, 67′)

Suplentes não utilizados: Sommer, Di Gennaro, Stabile, Çalhanoglu, Mkhitaryan, Kamate e Stankovic

Treinador: Simone Inzaghi

Golos: João Mário (5′, 13′ e 34′), Arnautovic (51′), Frattesi (58′) e Alexis Sánchez (72′, g.p.)

Ação disciplinar: cartão amarelo a João Mário (72′), Cuadrado (76′), Morato (78′) e Roger Schmidt (90′); cartão vermelho direto a António Silva (84′)

O Benfica não demorou a mostrar saber bem a importância que teria o controlo do meio-campo contrário e a capacidade de pressionar em zonas mais altas para condicionar essa primeira fase de construção onde o Inter é mais forte, tendo ainda o mérito de levar as linhas transalpinas a recuarem mais do que é normal sem bola. Estavam reunidos os condimentos para os encarnados explorarem da melhor forma as muitas alterações feitas por Simone Inzaghi (oito, tendo em conta o jogo feito com a Juventus e o jogo por fazer com o Nápoles) e as descoordenações de posicionamento entre os médios mais centrais e a linha de três defesas. Foi assim que, logo aos cinco minutos, João Mário inaugurou o marcador num remate de pé esquerdo após assistência de Tengstedt numa jogada iniciada por Aursnes que foi inicialmente mal invalidado por fora de jogo do dinamarquês. Foi assim que, pouco depois, Rafa ganhou uma bola à entrada da área, Tengstedt cruzou para zona de finalização na área e o mesmo João Mário aproveitou um corte defeituoso para bisar (13′).

Nem por isso havia sinais de retoma do Inter, que mesmo assumindo que poderia sempre decidir a questão do primeiro lugar do grupo com a Real Sociedad em Milão teria de mostrar algo mais como Inzaghi tentava pedir a partir do banco. Pelo Benfica, isso não iria acontecer. E até foram os encarnados a beneficiarem de mais uma boa oportunidade para dilatarem a vantagem, com João Mário a vestir agora o papel de intérprete do último passe de cabeça para Di María rematar com muito efeito perto do poste da baliza de Audero (22′). Só mais perto da meia hora de jogo houve um sinal dos italianos, com Arnautovic a surgir nas costas de Otamendi após um passe de rutura para remate defendido por Trubin (26′), mas Florentino Luís e João Neves continuavam a dominar por completo o meio-campo e as quatro unidades da frente mantinham o seu ascendente face aos seus adversários diretos com e sem bola. O Benfica ganhava, jogava bem e controlava.

Se a o meio-campo não carburava e o ataque não tinha gente com idade para andar perdida na frente, era no setor recuado que os italianos tinham o seu principal calcanhar de Aquiles aproveitado com quase 100% de eficácia pelo Benfica: Tengstedt voltou a receber na área descaído sobre a direita, insistiu depois de ver uma primeira tentativa de cruzamento cortada e colocou de forma perfeita na pequena área onde Rafa não chegou mas João Mário surgiu de trás para fazer o primeiro hat-trick da carreira logo nas competições europeias e os mesmos três golos em 34 minutos de jogo que tinha feito em toda a temporada até ao momento. Era quase como se o médio tivesse desencantado um qualquer toque de Midas que transformava em ouro todos os toques que dava na bola em direção da baliza sem que o Inter tivesse sequer capacidade de esboçar uma reação digna desse nome entre um remate de Carlos Augusto com o pior pé que saiu por cima (43′).

Ao contrário do que se poderia esperar, Inzaghi optou por corrigir posicionamentos e dinâmicas em vez de trocar jogadores, conseguindo com isso que o Inter tivesse uma entrada para a segunda parte mais assertiva do que em todos os 45 minutos iniciais. Carlos Augusto, num remate de pé esquerdo na área já com pouco ângulo, deixou um primeiro aviso para defesa de Trubin para canto (48′), antes de Alexis Sánchez bater um livre direto em boa posição com demasiado jeito mas pouca força para outra intervenção do ucraniano (50′). À terceira foi mesmo de vez, de novo na sequência de bola parada e de novo num lance que começou por ser anulado pelo árbitro assistente antes da validação do VAR: canto na direita do ataque, primeiro desvio a deixar por terra a defesa à zona dos encarnados e toque final ao segundo poste de Arnautovic (51′). E a resposta não ficaria por aí, com Acerbi a subir sem qualquer pressão pela esquerda mesmo sendo central, a ter todo o espaço para cruzar e a encontrar Frattesi para um grande desvio que fez o 3-2 (58′).

Sem necessidade, o Benfica colocara-se a jeito de perder uma vantagem demasiado grande e valiosa num contexto de Liga dos Campeões. Os jogadores encarnados pareceram muitas vezes perdidos em campo sem bola com as mudanças feitas pelo Inter, Roger Schmidt não mexeu no encontro quando podia ainda gerir o que lhe restava do avanço e acabou mesmo por consentir o empate numa grande penalidade de Otamendi sobre Marcus Thuram convertida por Alexis Sánchez que nasceu de um lance onde João Neves foi carregado perto da entrada da área contrária (72′). A partir daí, imperou o coração e houve pouca cabeça. O jogo partiu de vez, Audero ainda tirou o golo a Di María num remate de fora da área (83′), António Silva voltou a ser expulso na Liga dos Campeões por uma entrada sobre Barella (85′), Rafa ainda tentou também visar a baliza em cima do minuto 90 mas seriam os italianos a beneficiar da melhor oportunidade para a reviravolta total, com Di Marco a cruzar atrasado e Barella a acertar na passada no poste (90+4′). Caso essa bola tivesse entrado, o Benfica estava fora da Europa. Assim, vai precisar de ganhar por dois ou mais golos na deslocação à Áustria para defrontar o Salzburgo. Tudo num jogo em que esteve a ganhar por três golos…