Um ano depois das cheias em Campo Maior, no distrito de Portalegre, as marcas da enxurrada persistem nas paredes das casas e nas memórias dos moradores, algumas ainda sem ‘solução à vista’.

Um total de oito famílias, com prejuízos causados pelas cheias de há um ano em Campo Maior, já foi apoiado pelo fundo criado pela câmara municipal, revelou, esta segunda-feira, o presidente do município.

Em declarações à agência Lusa, o autarca de Campo Maior, Luís Rosinha, indicou que “grande parte dos particulares apoiados” vive na zona do Largo do Barata e da Rua da Lagoa, uma das mais afetadas pela forte chuvada que caiu no dia 13 de dezembro de 2022, com várias casas a ficarem inundadas, com água e lama, algumas quase até ao teto.

“Tivemos famílias com grandes perdas e decidimos avançar com a criação de um regulamento de apoio, com uma verba estimada, porque tínhamos os prejuízos mais ou menos levantados de 85 mil euros”, salientou.

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Câmara de Campo Maior atribui apoio de 85 mil euros a vítimas das cheias

Segundo Luís Rosinha, uma das casas que sofreu mais danos está agora a ser reabilitada com apoio deste fundo municipal, encontrando-se o proprietário, desde o temporal, alojado temporariamente numa habitação do município.

“O proprietário foi apoiado nas obras porque a casa estava completamente destruída”, frisou, sublinhando que o fundo, além de obras de construção civil, também ajudou na reposição de mobílias e eletrodomésticos.

Assinalando que as cheias provocaram “enormes prejuízos, vidas mudadas e casas completamente destruídas”, o autarca revelou que pretende alterar o regulamento do fundo municipal para “apoiar mais sete famílias”.

É uma pequena alteração, para podermos abranger mais e tentarmos disponibilizar quase a totalidade dos 85 mil euros a estes particulares, que bem precisam”, sublinhou.

O autarca justificou a criação deste mecanismo de apoio municipal pelo facto de as ajudas do Estado, anunciadas pela ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, serem dirigidas “única e exclusivamente para os empresários”.

Passados “cinco ou seis meses” das cheias, a autarquia percebeu “que continuava a faltar o apoio aos particulares”, vincou Luís Rosinha.

Quanto às empresas e agricultores afetados, o autarca referiu que o município incentivou e ajudou na elaboração das candidaturas aos apoios financeiros e admitiu que lhe foi transmitido que os empresários ainda não receberam os apoios.

“Era de esperar que fosse mais rápido”, lamentou, adiantando que já manifestou à ministra, Ana Abrunhosa, as preocupações sobre este atraso no processo.

O presidente do município realçou ainda que a linha de apoio disponibilizada pelo Estado à câmara municipal permitiu que a autarquia fosse “ressarcida em praticamente 220 mil euros” para reposição e reparação de equipamentos e infraestruturas municipais, como estradas.

Para tentar evitar que as cheias se repitam, o autarca revelou que estão em curso obras para “duplicar a capacidade de escoamento” da água.

Este ano, já tivemos um dia de relativa carga pluvial e correu relativamente bem, porque fizemos intervenções no sistema de drenagem para tentar diminuir a vinda da água para esta localização”, acrescentou.

Marcas perduram e apoios tardam a chegar e são poucos, dizem moradores

Passado um ano, constatou a agência Lusa, numa visita agora efetuada, nas paredes de uma das casas que está em obras ainda são visíveis os sinais da altura a que a água chegou. E, no largo, mantém-se estacionado um carro então submerso, que continua com sinais de lama no interior.

Lisboa não é o único distrito afetado pelo mau tempo. Também há cheias em Portalegre, Santarém e Évora

“A água chegou aqui à parte debaixo destes focos”, recorda José Varela, enquanto aponta para equipamentos de iluminação da empresa que tem juntamente com o pai, numa garagem onde guarda material, na Rua da Lagoa.

Com um prejuízo avaliado em cerca 36 mil euros, este empresário que aluga sistemas de luz e som relata que, com a ajuda do município, elaborou uma candidatura aos apoios da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo.

“Já passou quase um ano e estamos à espera de respostas. As coisas estão caminhadas, mas ainda não há o ‘ok’ para a transferência do dinheiro”, lamenta, lembrando que foi concedido às empresas lesadas um apoio de 70% a fundo perdido.

José Varela diz que alguns dos equipamentos que tinha na garagem foram ou estão a ser reparados, mas outros ficaram inutilizados. Já teve, pois, que recorrer a alugados ou de amigos para a empresa poder continuar a trabalhar.

Fizemos o verão passado com o apoio de algumas empresas amigas, subalugámos material, outras pessoas também que nos emprestaram e conseguimos safar o ano de alguma maneira. Não podíamos parar e continuámos da maneira que pudemos”, salienta.

Agora, nesta garagem, só estão equipamentos que estão a ser reparados ou que já não têm recuperação, já que, por precaução, o material que funciona foi mudado para outro armazém do empresário na zona norte da vila.

Ao contrário desta empresa, Vanda Coelho e a família, que vivem no número 8 da Rua da Lagoa, já se recompuseram da desgraça que lhes aconteceu há um ano, quando a água da chuva e a lama entraram pela casa a dentro e destruíram tudo o que estava no rés-do-chão.

Conseguiram-no com o seu esforço e a ajuda da família, vizinhos, amigos, colegas de trabalho, que fizeram tudo para que não lhe faltasse nada, numa ’empreitada’ feita “a pouco e pouco” e que só terminou no dia 2 de novembro passado.

“Agora, há pouco tempo, tivemos 2.750 euros de ajuda” da câmara municipal, salienta à Lusa Vanda Coelho, considerando que este valor, “nos dias que correm, não é nada” e, “para quem perdeu tudo”, não foi suficiente, ainda que o agradeça.

Esta família gastou 6.000 euros para refazer a vida e, nestas contas, não entram as ajudas que tiveram da família e amigos, nem a parte das obras na estrutura da casa, pagas pela seguradora.

“Não perdemos só a casa, perdemos também dois carros”, destaca Vanda, ao que Quirino, o marido, acrescenta que um dos carros, o mais antigo, foi recuperado e outro, mais recente, com “tudo eletrónico, não liga, não faz nada e há um ano que está parado”.

Para os carros danificados, conta Quirino, foram avisados de que não haveria apoios, pelo que têm que pagar o empréstimo que fizeram para comprar a viatura, sem a poderem utilizar.

Nesta zona da vila, algumas das casas inundadas estão agora vazias. Quem lá vivia saiu e já não voltou. Vanda diz que os vizinhos, sobretudo os mais velhos, ficaram com medo e, agora, têm receio de que as cheias voltem a acontecer outra vez.

Quando começa a chover, vamos à rua para ver como é que está a água, porque já temos medo de perder tudo outra vez”, relata.

Numa das ruas que dá acesso ao largo, a câmara já repôs a calçada que foi arrancada e reconstruiu um muro derrubado pela força da água da enxurrada de há um ano.

O mau tempo que afetou a região no dia 13 de dezembro de 2022 causou inundações, estragos e desalojados em Campo Maior, um dos concelhos mais atingidos do distrito de Portalegre.