A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) estima que o impacto das medidas para mitigar os efeitos da inflação tenha atingido, até outubro, e com base na informação a que tem acesso, 2,7 mil milhões de euros, o que representa cerca de metade daquilo que o Ministério das Finanças previa para o total do ano.

“Apesar de faltarem apenas dois meses para o final do ano, este impacto [dos 2,7 mil milhões] representa pouco mais de metade (53%) da estimativa atualizada do MF [Ministério das Finanças] para 2023″ (5,1 mil milhões de euros)”, refere a UTAO. A conclusão consta numa análise publicada na segunda-feira pela UTAO que exclui medidas para as quais não encontrou informação sobre a respetiva execução “nas bases de dados do MF a que a UTAO tem acesso”, explica, ao Observador, o coordenador da unidade que presta apoio técnico aos deputados.

Para outras medidas ainda se espera o cumprimento do previsto até ao final do ano e noutras há já a expectativa de que venham a ficar abaixo do orçamentado. Em termos de impactos na receita, as medidas para o ISP (imposto sobre produtos petrolíferos) estão entre aquelas em que a divergência entre o executado e o estimado é maior. Em relação à redução do imposto, até outubro, o impacto na receita foi de 732 milhões de euros, quando a expectativa do Governo era de 1.227 milhões.

O Ministério das Finanças não respondeu às perguntas do Observador para explicar as divergências, mas este caso poderá ser explicado com o facto de o preço dos combustíveis não ter subido tanto quanto o previsto. O mecanismo criado pelo Governo para devolver parte do aumento da receita com IVA através do ISP estabelece que quando os combustíveis descem essa devolução também será menor.

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No caso da taxa de carbono, a UTAO também sinaliza uma diferença ao que indica ser o executado (169 milhões) e o previsto (836 milhões). Esta taxa estava suspensa, mas o Governo optou por descongelá-la progressivamente a partir de maio argumentando que o preço de referência do gasóleo e da gasolina estava “abaixo do preço que justificou as medidas iniciais de mitigação ao nível do ISP” e que “o consumo de combustíveis no primeiro trimestre de 2023 atingiu o recorde da última década”.

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Com impacto na receita está também a medida do IVA Zero, que vai vigorar até ao final do ano e que até outubro tinha significado perdas de receita de 401 milhões de um total de 550 milhões previstos no total do ano.

Fonte: UTAO

Do lado da despesa estão medidas como o complemento excecional aos pensionistas da banca, que tinham ficado excluídos do apoio generalizado aos pensionistas do ano passado; ou o apoio para a alimentação das famílias mais carenciadas. Já o apoio extraordinário para mitigar os efeitos da inflação nas famílias mais vulneráveis ascendeu, até outubro, a 264 milhões de euros, mas em novembro foi paga uma nova, e última, tranche pelo que o valor registado ainda não será o final. A expectativa do Governo era que a medida custasse 423 milhões de euros no total do ano.

Também o apoio destinado a ajudar as empresas a lidar com a escalada do gás natural está aquém do previsto, o que, como o Observador já tinha escrito, pode explicar-se com o alívio sentido desde o início do ano nos preços grossistas.

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Por outro lado, o aumento extra de 1% pago à função pública e o novo valor do subsídio de refeição — que tinham uma previsão de despesa de 150 milhões e 306 milhões de euros, respetivamente no total do ano — começaram a ser pagos em maio, mas aparecem nas contas da UTAO com uma execução nula até outubro.

Questionado pelo Observador, o coordenador da unidade técnica, Rui Baleiras, explica que há várias rubricas para as quais a UTAO não encontrou informação sobre a respetiva execução nas bases de dados do Ministério das Finanças a que teve acesso. Além dos aumentos de 1% e no subsídio de refeição (assim como os respetivos impactos no IRS, na TSU e nas quotas da ADSE), é o caso da majoração em IRS dos gastos com energia e fertilizantes (orçamentação de 60 milhões); gasóleo e gás profissional para transportes públicos de passageiros (25 milhões); fim gradual das isenções de ISP (5 milhões); redução do IVA da eletricidade (90 milhões); e transição para o mercado regulado de gás (60 milhões). Mesmo admitindo que estas rubricas já foram totalmente executadas, haveria ainda mais de 1,7 mil milhões por executar até ao final do ano.

Há, também, medidas que o Ministério das Finanças “não incluiu na estimativa para 2023 publicada em outubro” na proposta de OE2024, “mas para as quais a UTAO encontrou valores de execução nas bases de dados a que tem acesso”, como os efeitos do diferimento da receita de IVA e respetivo incumprimento, que “penaliza a receita até ao final de outubro em 422 milhões de euros, mas é suposto terminar até ao final do ano (convergindo para o efeito nulo da estimativa anual)”. “A estimativa de incumprimento nestes planos prestacionais também não foi incluída na estimativa pelo MF, nem corrigida por nós”, explica Rui Baleiras.

O coordenador da UTAO diz mesmo que, a partir de 2024, as publicações da unidade que dá apoio técnico aos deputados vão remover dos pacotes sobre a Covid-19 e a inflação aquelas medidas cuja implementação foi justificada com a pandemia ou com a crise inflacionista, mas que se tornaram permanentes. Por exemplo, a aquisição de vacinas contra a Covid-19 (“hoje é claro que o Estado irá continuar a adquirir e ministrar estas vacinas fora desse contexto de saúde pública”) ou o adicional de solidariedade sobre o setor bancário, lançado durante a pandemia mas que “deixou de cumprir a razão” para o qual foi criado. “A sua receita está afeta ao financiamento de pensões de velhice futuras e não há planos do Governo para acabar com ele”, indica Rui Baleiras.

O mesmo para o aumento extraordinário de 1% na função pública, que “deixará de ser contabilizado pela UTAO como medida do pacote inflação porque o seu impacto no salto em 2023 irá permanecer para todo o sempre”.

Fonte: UTAO

Execução do PRR a metade do previsto para o total do ano

A UTAO calcula que a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) tenha melhorado o saldo global em 396 milhões de euros, “uma vez que, até outubro, a receita comunitária cobrada foi superior à despesa realizada”. A implementação do plano de investimento acelerou para 1.123 milhões de euros, o que representa mais 471 milhões de euros acima do registado no mesmo período do ano passado.

Porém, a UTAO salienta que “mesmo após a revisão em baixa da estimativa para 2023” (em menos 1.613 milhões de euros), “este nível representa apenas metade (51%) do objetivo anual atualizado do PRR“.

A Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, num relatório divulgado em novembro que teve por base a execução até à reprogramação de outubro, já tinha indicado que cerca de um quarto dos investimentos e das medidas do PRR estava com um ritmo de execução e progresso “preocupante e crítico” face ao início do ano.

No relatório agora publicado, a UTAO aponta uma “escassez de informação sobre a implementação do PRR na execução orçamental”. “Existe muita informação dispersa, mas reduzida sistematização“, critica, o que justifica a atenção dada pela unidade à execução do PRR, lê-se no documento.

No final de outubro, as administrações públicas registaram um excedente de 9.234 mil milhões de euros em contabilidade pública, que inclui o efeito direto conhecido das medidas contra a Covid-19, que estão em queda, das medidas de mitigação dos efeitos da inflação e da implementação de medidas do PRR. “No seu conjunto, estas três tipologias de medidas agravaram a posição orçamental em 2,6 mil milhões de euros.”

Receitas com contribuições voltam a ficar acima do estimado

A Segurança Social continua a acumular receitas com contribuições acima do que se previa. Segundo a UTAO, a receita efetiva ajustada cresceu 7,4% (mais 2.088 milhões de euros) até outubro face ao período homólogo. “É uma cifra acima da variação positiva de 2,3% prevista no referencial que consta do OE/2023”, escreve a UTAO. Está, porém, abaixo do referencial de 9,7% que consta na estimativa de execução para o ano que consta no OE 2024.

Para esta subida contribuíram o “crescimento bastante expressivo” da receita com contribuições e quotizações (10,8% em termos mensais e 12,9% em termos acumulados), acima do previsto na estimativa de execução 11,9%. A UTAO aponta o aumento homólogo do número e valor das remunerações declaradas à Segurança Social pelas entidades empregadoras (3,6% e 5,2%, respetivamente) e o decréscimo, ao longo do primeiro semestre do ano, do número de desempregados registados (a tendência viria a inverter-se a partir de julho, com uma subida do número de beneficiárias das prestações de desemprego).  Quanto ao valor dos salários declarados, o aumento (5,2%) está em linha com o previsto no acordo de rendimentos (5,1%) assinado no ano passado na concertação social sem a CGTP.

Mas a despesa acumulada também subiu, 4,2% em termos homólogos, abaixo dos 9,5% previstos na estimativa de execução. Especificamente, os gastos com pensões cresceram 3,1%, um ritmo superior ao estimado inicialmente para o total do ano (1,6%), mas inferior ao revisto na estimativa de outubro do Governo (4,7%).