Marcelo Rebelo de Sousa abriu o ano sem colocar linhas vermelhas a futuras soluções governativas, o que o deixa mais livre para as decisões que terá de tomar após as legislativas de 10 de março. Na Mensagem de Ano Novo, o Presidente da República nem falou das bandeiras que sempre teve em Belém (como garantir a “estabilidade” governativa), optando por dizer que “2024 irá ser, largamente, aquilo que os votantes, em democracia, quiserem.” O Presidente quis também voltar a deixar claro que na base de novas eleições está uma decisão “pessoal” de António Costa.

Sobre as legislativas, o chefe de Estado faz questão de responsabilizar os eleitores por aquilo que for o futuro da governação do país — o que lhe retira, ao mesmo tempo, responsabilidade sobre as soluções aritméticas que tiver de encaixar. Põe-se num papel de quase mero executante, em que o que conta é, apenas, o voto. Marcelo opta então por fazer um claro apelo ao voto quando diz que “o voto não é tudo, mas sem voto não há nem liberdade nem democracia”. E acrecenta: “A democracia nunca tem medo de dar a palavra ao povo e nisso se distingue da ditadura”.

O Presidente aproveitou ainda os 50 anos do 25 de Abril para lançar um novo ciclo, sempre numa lógica de apelo à consciência cívica dos eleitores: “O começo desses mais 50 anos é hoje, é agora, é já, na vossa decisão sobre o rumo que quereis para os Açores, para Portugal, para a Europa. Desde 1974, entre nós, é o povo e só o povo quem mais ordena, quem mais decide, a pensar no seu futuro, no futuro de Portugal”.

Já antes, quando se referia à longevidade de António Costa no cargo, tinha deixado um apelo semelhante: “Deveríamos estar todos atentos e motivados para as eleições de março. Para percebermos como vai ser o tempo imediato em Portugal. Na avaliação, como na escolha.”

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Marcelo deixa aviso ao novo Governo que “contas certas são essenciais”

Para Marcelo “2024 vai ser ainda mais decisivo que 2023″, deixando o desejo “que possa ser diferente de 2020 e 2021, com a pandemia, de 2022 e 2023 com as guerras” e que “possa ser finalmente de maior esperança”. Sobre a situação em Portugal, o Presidente deixa um aviso ao próximo Governo ao dizer que “ficou claro que contas certas, maior crescimento e emprego, qualificação das pessoas, investimento e exportações, são essenciais.” Numa altura em que Pedro Nuno Santos quer fazer uma redução da dívida mais lenta e que Luís Montenegro já tem uma calendarização para repor o tempo de serviço dos professores, fica a advertência prévia presidencial.

Ao elogiar as contas certas, Marcelo está, ao mesmo tempo, a elogiar uma das características da governação de Costa. No entanto, deixa algumas críticas à atual situação quando acrescenta que “crescimento sem justiça social, sem redução da pobreza e das desigualdades entre pessoas e territórios não é sustentável.” Destaca ainda que um “efetivo acesso à saúde, à educação, à habitação, à solidariedade social é uma peça-chave para que haja justiça social e crescimento.”

Marcelo volta, no entanto, a acertar contas com António Costa, que chegou a questionar o facto de o Presidente ter convocado eleições, sugerindo que era o culpado pela atual situação política. O chefe de Estado reitera que a decisão de Costa foi “legítima”, mas foi “pessoal“. E volta a reforçar que não foi por ele que houve instabilidade governativa já, com ele em Belém, Costa conseguiu ser “o segundo mais longo Chefe do Governo em democracia, e o mais longo neste século”.

O Presidente diz ainda que ficou claro, no último ano, que “a administração pública e a justiça podem fazer a diferença“, mas antes que houvesse interpretações sobre a Operação Influencer, apressou-se a acrescentar o contexto de que essa diferença é feita “nestes anos em que dispomos de fundos europeus irrepetíveis e de uso urgente.”

No início da intervenção, Marcelo recordou a mensagem do ano anterior, ao dizer que “há um ano” tinha dito que 2023 ia ser decisivo no mundo, na Europa e em Portugal. Nesse mesmo discurso de 2023, Marcelo tinha afirmado que a maioria absoluta era uma “vantagem rara” e uma “estabilidade que só ele – ele Governo – e a sua maioria podem enfraquecer ou esvaziar, ou por erros de orgânica, ou por descoordenação, ou por fragmentação interna, ou por inação, ou por falta de transparência, ou por descolagem da realidade”. O ano trouxe tudo isso, mas, ao contrário do que profetizou Marcelo (que nem a saída de um ministro conseguiu impor), não foi a má governação ou descoordenação a “desbaratar” essa vantagem, foi um processo judicial que envolveu o primeiro-ministro e os seus mais próximos.

Marcelo no ataque ao “egoísmo” na Europa e de olho nos EUA

O Presidente da República quer também os portugueses “atentos e motivados” para votarem nas Europeias, numa altura em que “ficou claro que o crescimento marca passo, mesmo nas sociedades mais fortes.” Marcelo destaca ainda que o egoísmo, o fechamento, a preocupação com a segurança ganharam adeptos, que querem uma UE fortaleza distante do resto do mundo e até do resto da Europa.” Destaca, no entanto, que ainda há “uma maioria entende que negar alargamentos e parcerias é pior do que fazê-las com preparação, bom senso e equilíbrio”.

O Presidente está ainda preocupado com umas quartas eleições: as presidenciais norte-americanas. Para Marcelo “ficou claro que deveríamos estar todos atentos às eleições americanas de novembro. Para percebermos como vai ser o tempo imediato no Mundo. Nas guerras como na economia.” Quando calendariza as decisivas eleições coloca as eleições no EUA na mesma linha das eleições em Portugal: “Em Portugal, em março. Na Europa, em junho. Na maior potência do mundo, em novembro. E, antes disso, em fevereiro, nos Açores.”

Nos Açores, Marcelo, por intermédio do representante da República, pode ser fundamental nas exigências que faz. O mesmo acontece nas Legislativas, em que qualquer transformação de solução minoritária (como as que se preveem prováveis) em solução de Governo dependerá (e muito) da validação de Marcelo. O Presidente, para já, não quer abrir o jogo.