Na tomada de posse da nova vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), conselheira Graça Amaral, o líder do poder judicial deixou um alerta virado para o futuro. “Vejo no horizonte, cada vez mais próximo, a criação de um ambiente propício a aventuras legislativas que” podem colocar em causa “a independência dos tribunais e o regular funcionamento do sistema de Justiça”, afirmou o conselheiro Henrique Araújo, presidente do STJ.

Fazendo um diagnóstico pessimista sobre o presente, notando que “as democracias dão sinais evidentes de desgaste e deterioração”. Por isso mesmo, diz, é fundamental que essas mesmas democracias resistam “à degradação da ética, à normalização da mentira, à desresponsabilização dos dirigentes, à falta de integridade, ao desvario comunicacional e à debilitação das instituições”, enfatiza.

Presidente do Supremo pede reformas urgentes do processo civil e processo penal

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Tendo os tribunais o papel de fazer cumprir a lei, “é precisamente por isso”, defende o também líder do Conselho Superior da Magistratura, que se deve defender “sistemas judiciários (…) sólidos, eficientes e absolutamente impermeáveis a tentativas de ilegítima intrusão ou condicionamento por parte do poder político”.

Daí que Henrique Araújo considere que “é letal para as democracias o enfraquecimento das estruturas judiciais”. Porquê? “Porque estas são fundamentais para garantir os valores e os princípios constitucionais que modelam o Estado de Direito democrático”, afirma.

O presidente do STJ deu mesmo o exemplo do movimento que se iniciou na Hungria em 2012 (“um movimento de ataque à independência do poder judicial que depois se estendeu à Polónia e alastra agora por outros países da Europa), em França e Itália (de onde “chegam notícias preocupantes sobre a intensidade do garrote disciplinar e a alteração da composição dos Conselhos”) e também recordou a crise constitucional que se vive em Espanha devido à aprovação da lei da amnistia proposta pelo Governo de Pedro Sanchez.

No caso espanhol, Henrique Araújo recordou mesmo uma deliberação do Conselho Geral do Poder Judicial — um órgão de gestão e disciplinar equivalente ao Conselho Superior da Magistratura — que adverte os perigos para a independência do poder judicial se os magistrados aceitarem depor nas comissões de inquérito parlamentar criadas para fiscalizar a aplicação da lei da amnistia por parte dos tribunais. “Este é um bom exemplo do que deve ser a defesa intransigente da independência do poder judicial”, considera o líder do STJ.

Tais comissões parlamentares espanholas têm sido censuradas por diversas forças políticas no Parlamento Europeu e levaram o Conselho Geral do Poder Judicial a apresentar uma queixa junto da Comissão Europeia — que está a acompanhar a situação espanhola de perto.

Em jeito de conclusão, Henrique Araújo diz que alimenta “a esperança de que Portugal não caia no erro de empreender reformas judiciais irrefletidas que ponham em causa o princípio da separação dos poderes e da independência do poder judicial”, concluiu.

Graça Amaral. “Os juízes estão comprometidos com os valores do Estado de Direito”

Já a nova vice-presidente do STJ, conselheira Graça Amaral, garantiu que “os juízes estão comprometidos com os valores do Estado de Direito Democrático, em que os tribunais constituem baluarte na defesa e efetivação dos direitos, liberdades e garantias.”

Além de elogios à sua antecessora, conselheira Maria dos Prazeres Beleza, Graça Amaral garantiu que “no mundo da pós-modernidade, onde princípios e valores se tornaram progressivamente mais líquidos e fluídos, cabe ao poder judicial de forma introspectiva, humilde, mas assertiva, procurar ser garante de solidez ética.”