Escolheu o restaurante, indicou o melhor menu, saiu com a sensação de que o chef estaria sobretudo a tentar impressionar mais o jornalista que tinha à frente do que a ela própria – e adorou esse pormenor como todos aqueles que a possam tornar mais “humana”. Depois de um regresso que muitos já consideravam impossível com nova vitória nos Nacionais e um brilharete inimaginável nos últimos Campeonatos do Mundo. Ali, na mesa escolhida para falar com a Vanity Fair, comeu robalo grelhado e acabou com “um bolo de caramelo pegajoso e um cheesecake basco”. Durante a conversa, recordando as medalhas em Antuérpia, assumiu que dez anos depois conseguiu experimentar o verdadeiro waffle belga “que é mesmo bom”. Simone Biles está a caminho dos Jogos para voltar a desafiar os feitos sobre-humanos mas gosta de ser apenas “humana”.

“Estava aterrorizada [na última edição do Mundial], foi bastante surpreendente o que depois consegui fazer. Permiti-me a mim mesma o risco de ser vulnerável em frente a uma multidão ao voltar a competir e por isso foi uma vitória para mim”, frisou em relação à vitória no concurso do all-around dos últimos Campeonatos do Mundo de Antuérpia, onde terminou com quatro medalhas de ouro e uma prata. “Senti que estava de volta ao meu mundo e foi emocionante mas fiquei realmente petrificada. Tive treinos que me apoiaram nisso, trabalhámos muito mas não estava tão confiante e confortável como gostaria”, admitiu.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ela continua a voar até Paris: Simone Biles faz um dos saltos mais difíceis de sempre e batiza mais um movimento

No entanto, e entre esse triunfo maior do que todos os outros triunfos, sobraram também críticas com tudo o que se foi passando desde os Jogos de Tóquio, em 2021. “Existem sempre aqueles idiotas que dizem aquelas coisas como ‘És um durão’ e sentem-se muito à vontade com isso…”, apontou. “Tentaram colocar-me num pedestal do ativismo em termos de saúde mental mas isso não me pareceu correto. Se eu puder ajudar-me e ajudar as pessoas, vou fazer isso mas de uma forma aberta, honesta, vulnerável. Depois dos Jogos do Rio tive tempo para viver a minha vida, fazia tudo o que quisesse quando quisesse. A seguir a 2020, foi deprimente até começar a fazer terapia e procurar ajuda. Senti que foi um falhanço. Embora estivesse a dar poder a tantas pessoas ao falar sobre saúde mental, sempre que abordava a minha experiência em Tóquio, porque obviamente não correu como queria, ainda doía um pouco. Mas foi a melhor decisão”, sublinhou.

Simone Biles cedeu. Se foi o corpo ou a cabeça, ninguém sabe, mas cedeu. E os EUA perderam (e foram o pior no solo)

Em paralelo, e no mesmo artigo de fundo que houve outras ginastas e amigas da maior ginasta de todos os tempos, Simone Biles abordou também as dificuldades extra que teve ao longo de todo o percurso por não ter começado na ginástica tão cedo como é normal entre tantas outras atletas. “Honestamente, começar aos seis já é um bocado tarde. A maioria das pessoas começa logo quando dão os primeiros passos. Fui de facto abençoada com talento mas tive de trabalhar muito por causa desse atraso. A ginástica é cara e fomos [Simone e a irmã] abençoadas por nos darem as condições”, comentou, antes de abordar a inspiração que ganhou com a equipa campeã olímpica de 2012 com Gabby Douglas, McKayla Maroney, Aly Raisman, Kyla Ross e Jordyn Wieber: “Vi aquelas raparigas nos Jogos e pensei que podia ir para onde elas foram”.

Simone Biles, uma sustentável leveza do ser que é a melhor de sempre a manter o equilíbrio e a aterrar de pé

Em paralelo, a ginasta norte-americana de 26 anos abordou também a questão da fama. “Acredito que toda a gente quer ser famosa mas depois quando isso acontece é como ires contra uma parede, ficas com uma crise de identidade. Pensas ‘Será que sou feita para isto? Será que foi isto que eu quis?’. Não digo que as pessoas estejam aos gritos e a fazer fila como se fosse a Taylor Swift mas tenho muita atenção. Quando se aproximam cinco pessoas para tentar pedir uma fotografia ainda continuo a sentir-se um pouco atordoada, isso dá-me ansiedade”, contou. Já sobre o futuro e os próximos Jogos Olímpicos, tudo em aberto e para levar com maior tranquilidade mesmo que a ideia passe por estar em França. “Se não conseguir ir a Paris, isso não me vai destroçar por completo. Se não há nada definitivo? Correto, não há”, respondeu.

Ginasta Simone Biles conquista quarta medalha de ouro nos Mundiais de Antuérpia

Mesmo sem certezas, Simone Biles é uma das estrelas mais aguardadas nos Jogos de Paris, que têm início em julho (provavelmente a mais aguardada). E aquilo que conseguiu fazer em 2023 também ajuda a explicar o porquê de tanta atenção: tornou-se a norte-americana mais velha a conseguir sagrar-se campeã nacional, batendo também os sete títulos alcançados por Alfred Jochim em 1933, e tornou-se a ginasta mais medalhada de sempre em Antuérpia com quatro ouros e uma prata sendo também a norte-americana mais velha a chegar a esse registo. Agora, na sequência da prata por equipas e do bronze na trave alcançados em Tóquio, há mais capítulo para escrever tal como aconteceu no Rio, em 2016 (quatro outros e um bronze).

Simone Biles faz história: ginasta conquista oitavo título dos EUA e bate recorde de 1933