A ciência demonstrou há décadas que o plástico lançado no meio ambiente, como o das minúsculas bolas que estão a dar à costa no norte de Espanha, acaba por penetrar no corpo humano e afectar a saúde.

Os investigadores dividiram as partículas de plástico encontradas em quase todos os órgãos, tecidos e membranas do corpo humano em dois tipos: microplásticos (menos de cinco milímetros) e nanoplásticos (com diâmetros inferiores a 0,001 milímetros), segundo uma notícia divulgada esta terça-feira pela agência noticiosa espanhola EFE.

Estas últimas partículas, um dos principais poluentes do ambiente, especialmente da água, podem “ter dimensões 70 vezes inferiores ao diâmetro de um cabelo” e conseguem “atravessar as membranas celulares do nosso corpo, tornando-se mais fácil a sua ingestão e absorção”, representando um potencial risco para a saúde, segundo o MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente.

O centro de investigação ligado à Universidade de Lisboa divulgou na semana passada um estudo sobre como os nanoplásticos podem afetar células intestinais e cerebrais e desencadear respostas inflamatórias no corpo humano.

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Um cargueiro perdeu a 8 de dezembro, a 80 quilómetros de Viana do Castelo, mais de mil sacos com 26,2 toneladas de bolas de plástico, conhecidas como pellets, que estão a dar à costa no norte de Espanha, sobretudo na Galiza, desde o início do ano.

Até ao final da semana passada, foram recolhidas cerca de 1,7 toneladas das minúsculas bolas, usadas na fabricação de plásticos, nas praias galegas, segundo o governo da região espanhola, tendo sido também encontradas pellets na costa das Astúrias.

Um relatório da Universidade da Corunha identificou até 14 elementos tóxicos em mostras de bolas encontradas numa praia de Muxia (Galiza).

Embora ainda haja muito para saber sobre o impacto do plástico na saúde, estas são algumas das principais evidências:

Na placenta e leite materno

Muitos bebés ingerem microplásticos ainda antes de nascer e, logo depois, através do leite materno, segundo duas investigações de um grupo de cientistas italianos dos hospitais de Fatebenefratelli (Roma) e Bolognini( Bergamo) e das universidades de Ancona e Pavia.

O primeiro trabalho, publicado em 2020, permitiu encontrar microplásticos nas placentas de seis mulheres saudáveis com idades entre os 18 e os 40 anos e com uma gravidez normal.

No caso do segundo, de 2022, foram detetados microplásticos em 75% das amostras de leite materno de 34 mães pela primeira vez e sem problemas de saúde.

Na corrente sanguínea

Um projeto de investigação holandês (Immunoplast, de 2022) tornou-se o primeiro a demonstrar que a corrente sanguínea contém partículas micro e nanoplásticas, de acordo com a EFE.

Amostras de sangue de 18 dos 22 doadores anónimos participantes do estudo continham plástico, o que, na opinião das cientistas que desenvolveram um método analítico específico para o descobrir, indica estar-se diante de uma “ameaça à saúde pública”.

No pulmão

Outro grupo de investigadores da Universidade de Hull, no Reino Unido, constatou a presença de partículas microplásticas em zonas profundas do pulmão em pacientes alvo de procedimentos cirúrgicos.

Dos 13 doentes analisados, 11 tinham microplásticos nos pulmões de até 39 tipos diferentes, sendo os mais comuns pedaços de Polietileno tereftalato (PET) utilizados no fabrico de garrafas, de polipropileno (PP), usado em recipientes e tubos plásticos, e resina, frequentemente usada como adesivo ou selante.

No cérebro

A presença de partículas plásticas na corrente sanguínea constituiu uma pista para cientistas, que revelaram a sua capacidade para “enganar” o controlo de segurança do cérebro — a barreira hematoencefálica — e provocar um estado de inflamação contínua semelhante ao criado por doenças degenerativas, como a de Parkinson ou a de Alzheimer.

Na cognição

Uma equipa do Instituto de Investigación Sanitaria (IBS) de Granada (Espanha), que estuda há quase 30 anos o impacto do Bisfenol A (usado na produção de muitos utensílios plásticos de uso diário), ligou a existência de altos níveis deste contaminante a problemas de pensamento e comportamento em crianças de nove a 11 anos.

O IBS também estuda o impacto do Bisfenol A no sistema imunológico, no metabolismo ou no aumento do risco de cancro.

No equilíbrio intestinal

Investigadores do Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC), de Espanha, também corroboraram em 2022 que a digestão de microplásticos diminui a quantidade de bactérias benéficas presentes no cólon.

“Dada a possível exposição crónica a estas partículas através da nossa alimentação, os resultados obtidos sugerem que a sua ingestão continuada pode alterar o equilíbrio intestinal e, portanto, a saúde”, sublinharam os investigadores, citados pela EFE.

No cancro

A ciência também provou que existem partículas de plástico noutros órgãos, como o fígado, o baço ou os rins, e monitoriza de perto a sua influência em problemas de fertilidade e doenças como a diabetes, as doenças cardiovasculares ou o cancro.

Há apenas alguns meses, um grupo de investigadores da Universidade Autónoma de Barcelona reviu a literatura científica sobre o potencial dos microplásticos e nanoplásticos para induzir o cancro a longo prazo.

“A maioria dos 28 trabalhos analisados sugeriu que esses contaminantes são capazes de fomentar efeitos relacionados com o desenvolvimento do cancro em humanos”, concluíram os cientistas.