O Tribunal de Contas (TdC) lança duras críticas à forma como as autoridades de saúde geriram a resposta à pandemia de Covid-19. Num relatório divulgado esta quinta-feira, e intitulado “Auditoria à testagem e rastreio de contactos no âmbito da resposta à pandemia COVID-19 por parte do Ministério da Saúde”, o TdC aponta falhas na vigilância epidemiológica da pandemia (que não permitiu um “adequado controlo” da mesma), critica a forma como o Ministério da Saúde definiu os preços dos testes (o que prejudicou a transparência e resultou num aumento da despesa pública) e sublinha que os níveis de testagem da população e a notificação dos testes positivos “nem sempre se revelaram oportunos e adequados”.

No que diz respeito às falhas na vigilância epidemiológica da pandemia, o Tribunal de Contas sublinha que os processos de testagem e rastreio de contactos “não foram eficazes para o seu adequado controlo, particularmente na incidência ocorrida no último trimestre de 2020 e nos primeiros meses de 2021″, isto é, numa fase em que a pandemia alastrava a grande velocidade e em que a mortalidade disparou, devido não só ao elevado número de infeções mas também à reduzida proteção imunológica da população — uma vez que as primeiras vacinas só começaram a ser administradas na última semana de 2020.

Processos de rastreio desadequados dificultaram controlo da pandemia

“Os níveis de atividade da testagem e o desempenho dos processos de rastreio mostraram-se desadequados a um eficaz controlo da pandemia” , refere o relatório.

O tribunal, liderado por José Tavares, defende que a vigilância dos contágios “foi prejudicada pelas limitações dos sistemas de informação utilizados, obrigando à criação de múltiplas e distintas soluções ad-hoc à escala regional e ou local, o que desviou recursos de saúde pública, induziu ineficiências e afetou a qualidade dos dados acerca da atividade desenvolvida”.

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O relatório aponta o caso concreto do SINAVE — o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica — que revelou limitações, como dificuldades de processamento do volume de dados, atraso nas notificações laboratoriais, a ausência de funcionalidades para o acompanhamento e vigilância de casos e respetivos contactos, “mostrando-se desajustado face às exigências emergentes da pandemia”. Com o SINAVE a não dar resposta, as autoridades de saúde regionais e locais tiveram de desenvolver soluções informáticas à medida, o que “sobrecarregou adicionalmente” estas autoridades de saúde, limitando a sua capacidade de vigilância epidemiológica.

Neste ponto, o relatório recomenda à Direção Geral da Saúde que promova o “desenvolvimento de uma análise aos aspetos estratégicos e operacionais que sustentaram os processos de testagem e de rastreio de contactos, que permita avaliar da sua adequação, eficiência e eficácia na resposta à Covid-19, a fim de preservar para memória futura as lições aprendidas” e também a realização de um estudo que “possa sustentar o desenvolvimento de abordagens e instrumentos mais eficazes para a resposta a futuras situações pandémicas”.

Ministério da Saúde ignorou INSA e despesa com testes derrapou mais de 150 milhões

O Tribunal de Contas aponta também críticas à forma como o Ministério da Saúde definiu os preços dos testes à Covid-19. “Os preços fixados pelo Ministério da Saúde para os testes de diagnóstico da Covid-19 comparticipados pelo SNS nem sempre tiveram subjacente a fundamentação técnica apresentada pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA)”. O TdC conclui, assim, que a transparência dos processos de formação de preços foi “prejudicada”, o que se traduziu num aumento da despesa pública associado à testagem de mais de 153 milhões de euros (um desvio de 97 milhões nos testes de referência e de cerca de 56 milhões nos testes de antigénio).

O Tribunal de Contas alega que o governo não ajustou os preços dos testes, segundo a indicação dada pelo INSA. “As sucessivas atualizações do preço compreensivo dos testes por parte do Ministério da Saúde não acompanharam, em montante e ou em tempo, as propostas técnicas de revisão em baixa que lhe foram sendo apresentadas pela ACSS, tendo por base o custeio das práticas laboratoriais levado a cabo pelo INSA”, refere o relatório.

Quanto a este ponto, o TdC recomenda ao Ministério da Saúde que, no futuro, garanta que a “fixação de preços administrativos e não sujeitos à concorrência tem subjacente uma adequada fundamentação do respetivo valor, obedecendo a critérios de eficiência económica, e sendo atualizados de forma tempestiva e alinhada com a evolução dos respetivos custos, prevenindo a realização de despesa ineficiente e conferindo a necessária transparência que a utilização dos dinheiros públicos exige”.

Pela positiva, o TdC destaca o facto de Portugal ter adotado “genericamente” as recomendações emitidas por várias entidades internacionais (como a Organização Mundial da Saúde, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças ou a Comissão Europeia) e de o país ter tido a capacidade de aumentar a capacidade de testagem quando foi necessário, ainda que recorrendo, em grande medida, ao setor privado.