Até mesmo aquilo que tinha tudo para ser apenas e só uma boa notícia teve no seu interior uma má notícia. Num momento particularmente conturbado no seio do universo FC Porto que começou fora mas também foi para dentro e chegou à equipa na fase em que atravessava um dos melhores períodos da temporada (ainda que não tenha uma ligação direta entre fenómenos), a vitória no Dragão frente ao Estrela da Amadora acabou com uma série de dois jogos sem triunfos na Primeira Liga mas teve como lado negativo a lesão grave de Zaidu que vai afastar o lateral nigeriano até ao final da época, deixando Wendell como única opção de raiz para a posição a par de João Mendes, na equipa B. Mais uma contrariedade numa equipa que procura agora minimizar danos no Campeonato e que tinha na Liga dos Campeões e na Taça de Portugal outros objetivos.

FC Porto vence Arsenal com golo de Galeno nos descontos e ganha vantagem nos oitavos da Champions

“Não podemos fugir ao que somos mas há nuances a trabalhar em função dos pontos fortes e fracos do adversário. São fortes nos esquemas táticos, muitos golos marcados e sofridos. Há situações a trabalhar em função do adversário. Há muito material, a nossa sessão de vídeo é mais longa, mas o treino em campo é mais ou menos o mesmo. Há situações a trabalhar diferentes, mas isso é normal. O resultado positivo é sempre ganhar, já disse mais do que uma vez: não é por ser a Champions que se torna bom empatar. Poderá ser no futuro, mas não aqui”, destacara Sérgio Conceição no lançamento da receção ao Arsenal, antes de explicar o que tinha mudado em termos de preparação para o encontro frente ao terceiro classificado da Premier League (a dois pontos do Liverpool) que marcou 11 golos nas últimas duas vitórias fora de portas.

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“Dentro das características dos jogadores do Arsenal, é preciso mudar como será necessário no próximo jogo em Barcelos. Olhámos para o Arsenal fortíssimo nos momentos do jogo, com talento, que num determinado momento pode resolver. Na organização tem posse de bola alta. Além disso, sabe acelerar como ninguém com alas e isso causa dificuldades no 1×1. É uma equipa que se apresenta no último terço. Isso faz com que o jogo seja ligeiramente diferente do que temos em Portugal. Temos de ser competentes nas diferentes fases e perceber que essa coesão e solidez defensiva será a chave para ganhar. Está no top 3 no valor de mercado e isso diz logo do poderio. Estamos perante duas equipas com pedigree europeu. Temos história, somos FC Porto, estamos habituados. Mas a camisola e o símbolo não jogam”, salientara o técnico.

Em paralelo, e também na sequência das declarações que teve após o triunfo diante da equipa da Amadora, Sérgio Conceição voltou a admitir que sentiu uma atmosfera diferente para pior, pedindo agora a “redenção” no regresso das noites europeias. “Espero o mesmo que os adeptos fazem desde os meus 15 anos nesta casa: Ter um público apaixonado e puxar pela equipa. Senti o público diferente, frio. Devo compreender porque os adeptos têm sempre razão. Vínhamos de uma derrota que ninguém esperava. Temos uma equipa jovem, que muda ano após ano. Não precisamos do 12.º jogador, mas do primeiro, que são os sócios”, apelou, ao mesmo tempo que prometera “dignificar o clube como merece na Liga dos Campeões”.

O impacto de uma surpresa teórica nestes oitavos poderia fazer-se sentir a vários níveis. Por um lado, e logo à cabeça, em termos financeiros, tendo em conta por exemplo que os capitais próprios da FC Porto SAD só não estão positivos porque os 9,8 milhões da presença nos oitavos não caíram nas contas do primeiro semestre. Por outro, um triunfo e posterior passagem poderia funcionar como uma espécie de rampa de lançamento para o que falta da temporada mesmo com as condicionantes conhecidas. Por último, e sendo até os azuis e brancos a única equipa portuguesa na prova, existia quase uma espécie de orgulho próprio a ser defendido num contexto em que se sentira pela primeira vez das bancadas um sinal de menor ligação à equipa também pela distância em relação ao primeiro lugar. Por isso, além de uma equipa forte, procuravam-se “heróis”.

Ele apareceu. Se na primeira parte Galeno tinha falhado o mais fácil, acertando no poste e atirando depois ao lado sozinho na baliza, no terceiro e penúltimo minuto de descontos fintou o desgaste, ultrapassou o facto de já estar como lateral e marcou um golo de antologia que fez a diferença. No entanto, havendo esse destaque individual, aquele remate em arco de fora da área que passou por cima de David Raya mais não fez do que coroar a melhor exibição na presente temporada em termos coletivos do FC Porto, que nunca falhou, teve exibições fantásticas sem bola de Alan Varela ou Wendell e “secou” o ataque da moda da Premier deixando o Arsenal sem enquadrar um remate dois anos depois. Taticamente, roçou a perfeição. “Moralmente”, foi também um prémio para um senhor chamado Pepe, que a cinco dias de fazer 41 anos liderou a equipa no resgate da exibição e do resultado que mais precisava no dia em que bateu mais um recorde como jogador de campo mais velho de sempre a jogar num encontro da fase a eliminar da Liga dos Campeões.

Ficha de jogo

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FC Porto-Arsenal, 1-0

1.ª mão dos oitavos da Liga dos Campeões

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro: Serdar Gözübüyük (Países Baixos)

FC Porto: Diogo Costa; João Mário, Pepe, Otávio, Wendell (Eustáquio, 90′); Alan Varela, Nico González (Iván Jaime, 81′); Francisco Conceição (Gonçalo Borges, 85′), Pepê, Galeno e Evanilson (Toni Martínez, 85′)

Suplentes não utilizados: Cláudio Ramos, Fábio Cardoso, Zé Pedro, Grujic, Jorge Sánchez, Romário Baró, André Franco e Danny Namaso

Treinador: Sérgio Conceição

Arsenal: David Raya; Ben White, Saliba, Gabriel, Kiwior; Declan Rice, Ödegaard, Havertz; Saka, Gabriel Martinelli e Trossard (Jorginho, 73′)

Suplentes não utilizados: Ramsdale, Hein, Smith Rowe, Nketiah, Cédric Soares, Fábio Vieira, Nelson, Elneny, Nwaneri, Sweet e Heaven

Treinador: Mikel Arteta

Golo: Galeno (90+3′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Declan Rice (2′), Francisco Conceição (52′), Kiwior (57′), Havertz (61′) e Nico González (62′)

O encontro começou dentro dos pressupostos que eram esperados. Declan Rice, numa distração que custou um amarelo logo no segundo minuto, ainda teve um deslize a essa tónica normal mas o Arsenal entrou como equipa a dominar com bola e o FC Porto adotou uma postura de maior cautela sem com isso deixar de ter o encontro controlado. Havia correções nos bancos, com Sérgio Conceição preocupado com as saídas a partir de trás (e satisfeito nas zonas de pressão mais altas quando havia contexto para isso) e Mikel Arteta a tentar orientar a equipa para a criação de espaços entrelinhas que continuavam a escassear mesmo com Trossard e Ödegaard sem posições fixas no terreno, mas o encontro não desatava e os 20 minutos iniciais fecharam sem um único remate às balizas apesar de um bom movimento de Francisco Conceição a vir ao meio receber a bola para assistir de imediato João Mário na direita que acabou por cruzar contra Kiwior (20′).

O Arsenal fechava esse período com 74% de posse mas a prova de que ter mais bola pode ser o equivalente a pouco ou nada chegou pouco depois: Francisco Conceição fintou Kiwior para fora na direita, ganhou a linha, o cruzamento ficou prensado entre Gabriel e Evanilson e Galeno, sozinho, apareceu na área a desviar em jeito ao poste antes de não fazer melhor na recarga depois de a bola lhe ter ido parar de novo aos pés (22′). Até o próprio sistema de som do Dragão foi enganado e, quando muitos já festejavam a vantagem, a bola andava nas malhas laterais mas por fora. Era o primeiro sinal junto das balizas que o Arsenal não conseguiu em nada acompanhar, continuando com aquele estilo rendilhado e apoiado de bola, a procurar mais o virtuosismo e velocidade dos dois alas mas que tinha conseguido tocar na bola na área portista apenas uma vez.

Depois da posse, o Arsenal carregava também nos cantos, sendo que qualquer bola parada tinha o árbitro a chamar vários jogadores pela forma como os elementos ingleses tentavam bloquear o espaço na pequena área para Diogo Costa não sair de forma tão livre. Resultados práticos? Nenhum. Saliba ainda teve um desvio de cabeça ao lado num lance que poderia ser travado depois pelo VAR por falta depois de uma tentativa muito, muito por cima de Trossard que só por simpatia entrou no registo de remates da partida e foi mesmo o FC Porto a ter o único remate enquadrado da partida, com Evanilson a recuperar a bola no meio-campo dos gunners, a combinar com Pepê recebendo já demasiado descaído sobre a direita e a rematar rasteiro para defesa de David Raya (40′). Contas feitas, a equipa que andava de goleada em goleada na Premier League acabava os 45 minutos iniciais da partida sem um único tiro à baliza de Diogo Costa…

Apesar desse “encaixe”, nenhuma das equipas mexeu ao intervalo e as principais características do primeiro tempo tiveram prolongamento no arranque do segundo, com o Arsenal sempre paciente na forma de atacar em jogo organizado e o FC Porto a defender de forma paciente à espera do espaço para colocar as transições. Ainda assim, de quando em vez, alguns pormenores, via-se algo mais. Mais um erro de posicionamento ou de movimentação, mais um passe errado, mais uma saída sem tanta preocupação com uma eventual perda. Com isso, e aos poucos, o encontro ia abrindo para a última meia hora, que chegou com os ingleses a terem um primeiro remate com algum perigo de Trossard na sequência de um canto (56′). No lado contrário, era Francisco Conceição contra o mundo, sendo que às vezes o mundo tinha de recorrer à falta para travá-lo.

Pepe e Alan Varela continuavam a ser bombeiros de serviço sempre que havia um pequeno fogo no último terço do Arsenal mas também começava a surgir mais FC Porto na frente, com Saliba a controlar da melhor forma uma saída de Galeno pela esquerda e Pepê a ter uma grande jogada pela direita antes do cruzamento para Evanilson desviar e o remate ficar prensado num defesa contrário (67′). Ainda assim, e quando havia mais espaços, começavam a faltar as pernas, sendo Wendell o exemplo paradigmático disso mesmo com os pedidos de substituição a começarem aos 76′ e a serem “atendidos” aos 90′. Por força das circunstâncias, Galeno recuou para lateral. Aos 90′, teve uma falta que deu a Gabriel a oportunidade de desviar de cabeça por cima de livre; aos 90+3′, depois de uma recuperação de Otávio ao meio-campo, encheu-se de fé para dar a volta ao azar da primeira parte, fletiu para dentro e fez o 1-0 decisivo com um golo fantástico.