O Governo moçambicano reconhece que as mortes provocadas por atentados terroristas em Cabo Delgado baixaram em 2023 para menos de uma centena, depois de mais de 250 vítimas por ano entre 2019 e 2022.

No Relatório da Avaliação Nacional dos Riscos de Financiamento do Terrorismo, a que a Lusa teve acesso esta segunda-feira, o Governo moçambicano refere que a “taxa de atos terroristas em análise anual comparativa foi ‘média’ para os anos de 2017 e 2018, ‘alta’ em 2019, ‘muito alta’ nos anos 2020 e 2021, ‘alta’ em 2022 e ‘media’ em 2023“.

“No mesmo período a taxa de mortalidade, resultante de ataques indiscriminados à população em 2017 e 2018, foi ‘média’, entre 2019 a 2022 ‘muito alta’, estando acima de 250 mortos por ano. Atualmente a tendência é decrescente tendo baixado para menos de 100 mortos em 2023, classificando-se como ‘média'”, lê-se no documento, com dados até 2023.

No relatório refere-se que no período de 2019 a 2020 registaram-se mais de uma centena de ataques em Cabo Delgado. “Durante este período, os atos terroristas consubstanciaram-se em assassinatos (decapitações), raptos, extorsão, exploração e escravização sexual, casamentos forçados, pilhagem de bens e produtos da população, bancos e dos agentes económicos, incêndios a casas, imposições de ideologia islâmica radical, intimidações e ameaças de morte, entre outras práticas”, aponta-se igualmente.

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Acrescenta-se que os atos terroristas deixaram em Cabo Delgado, norte de Moçambique, “marcas de dor, danos mortais, responsáveis por cerca de 900.000 deslocados internos, destruição de instituições públicas e privadas, paralisação de atividades comerciais e prestação de serviços básicos, e recuo do investimento estrangeiro no país”.

Na área empresarial, citando a Federação Nacional das Associações Agrárias de Moçambique, refere-se que “mais de 400 empresas foram afetadas e cerca de 56 mil postos de trabalho foram perdidos” localmente.

“O distrito de Mocímboa da Praia figura como o mais afetado, com cerca de 40% de empresas, 23% dos postos de trabalho perdidos devido aos ataques terroristas”, aponta-se no documento.

Ainda no relatório é referido que “o nível da ameaça da atividade terrorista” em Moçambique foi, até 2021, “muito elevado”, dada a ação no norte do país do grupo terrorista Ahlu Sunnah Wal Jamaah (ASWJ), também conhecido internacionalmente como ISIS-Moçambique e, localmente designado por Al-Shebab, o qual “tinha potencial de se expandir para outras regiões do país para protagonizar ataques terroristas e poderia até expandir-se para outros países vizinhos”.

“O ASWJ tem como canais de financiamento ao terrorismo os serviços de moeda eletrónica, contrabando, levantamentos em dinheiro, sistema hawala [transferência internacional de dinheiro que não envolve intermediários bancários], transferências bancárias (…) Contudo, este grupo privilegia o uso de serviços de moeda eletrónica e contrabando de recursos naturais, como um dos principais canais de financiamento ao terrorismo, por esta ser uma das vias mais rápidas e eficazes para canalizar os seus fundos. No sistema bancário existem mecanismos de controlo mais acirrados, o que facilita o rastreio dos mesmos”, lê-se no documento.

Depois de vários meses de relativa normalidade nos distritos afetados pela violência armada em Cabo Delgado, a província tem registado, há algumas semanas, novas movimentações e ataques de grupos rebeldes.

A nova vaga de ataques terroristas em Cabo Delgado provocou 99.313 deslocados em fevereiro, incluindo 61.492 crianças (62%), segundo uma estimativa divulgada esta semana pela Organização Internacional das Migrações (OIM).

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O ministro da Defesa Nacional moçambicano, Cristóvão Chume, confirmou em 29 de fevereiro ataques de insurgentes em quatro distritos da província de Cabo Delgado, mas garantiu que não se trata “de um recrudescimento” das atividades terroristas no norte.

“O que aconteceu é que há grupos pequenos de terroristas que saíram dos seus quartéis, lá na zona de Namarussia — que temos dito que é a base deles —, foram mais a sul, atacaram algumas aldeias e criaram pânico”, disse Cristóvão Chume.