Não era preciso muito para se perceber que este seria um dia diferente. Recuando até 2020, havia ainda essa imagem de uma longa fila para entrar no Dragão Arena que chegava ao túnel mas com todos (e eram vários) aqueles condicionalismos existentes pela pandemia da Covid-19. Agora, ainda antes das 8h30, por altura da chegada de José Lourenço Pinto para dirigir a Assembleia Geral Eleitoral, era maior. Muito maior. Na zona de entrada principal onde se concentravam os associados com maior antiguidade, havia filas para direita, para esquerda, pelo meio. Só faltava haver por cima. Por isso, e como qualquer jogo, os minutos que se foram passando criaram ansiedade com o resultado ainda em 0-0. Cinco, dez, 15, 20 minutos de atraso e os primeiros sinais de descontentamento. “Está na hora, abre essa m****”, gritava-se entre milhares de pessoas.

Não demoraria muito mais. Às 9h23, as portas abriraram finalmente com várias dezenas de pessoas numa corrida desenfreada para serem os primeiros a chegarem à respetiva porta e exercerem o direito de voto. “Quero ver se amanhã também está cá esta malta toda, amanhã é que precisamos”, dizia um sócio. “Isso é para mim? Olhe, eu é simples: se amanhã não ganhar o Villas-Boas, nem apareço”, atirava outro. Foi no meio dessa confusão que houve um momento muito curto de alguma tensão, com alguns associados na fila a não gostarem de ver dezenas e dezenas de pessoas passarem à frente, com um deles a gritar “Tu não me orientas”. Não ficou por aí: uma parte desse gradeamento acabou por ceder (sem que ninguém se lesionasse) e centenas e centenas de pessoas foram aproveitando para furar por aí e chegarem mais rápido às portas.

Se dúvidas ainda existissem, as mesmas estavam dissipadas antes do início das eleições: este seria um dia histórico a nível de participação num sufrágio, sendo que o FC Porto tem essa particularidade de juntar quase 90% dos associados entre os distritos de Porto, Braga e Aveiro. E era uma questão de somar e fazer contas, como o Observador a certa altura se entreteve a fazer: estavam a entrar cerca de 50 pessoas por minuto na primeira zona de segurança, já tinham passado duas horas desde que as portas estavam abertas, somando à autêntica onda que engoliu as portas para votar na abertura dos portões… Conclusão? Por volta do meio-dia e pouco os 8.480 associados que tinham votado em 2020 estavam superados. Mas não ficaria por aí.

Enquanto André Villas-Boas esteva na fila para votar na mesa 5, tendo entrado pela garagem antes de se juntar aos restantes associados que votavam nesse local para um banho de popularidade entre palavras de apoio, selfies e demais fotografias. Esse era quase um espelho para uma das notas dominantes ao longo de todo o dia no Estádio do Dragão: os associados pareceram ter perdido o medo de falar de Villas-Boas, elogiar Villas-Boas, “pedir” Villas-Boas. Sem tabus, sem problemas, sem beliscar o presidente ainda em exercício Pinto da Costa. E por falar em Pinto da Costa, percebeu-se onde estava… com a ajuda de um polícia.

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Primeiro circulou a informação de que Pinto da Costa poderia estar a descer a Alameda do Dragão a pé vindo de casa. Depois, que afinal já estaria no interior do recinto. Entretanto, e perante a queixa de um condutor, um polícia atirou “Oh amigo, quando for presidente do FC Porto passa por aqui, agora ainda não dá. Pode seguir para o lado, se faz favor”. Essa explicação não era “inocente”. No meio da confusão, tinha passado o carro que transportava o líder dos azuis e brancos rumo à garagem, onde alguns jornalistas e repórteres fotográficos que esperavam a chegada de alguém à zona mista viram a chegada de Pinto da Costa. Uns minutos depois, Villas-Boas foi o primeiro candidato a votar e também o primeiro a falar à imprensa.

Nuno Lobo falou cá fora antes de votar, votou na zona mista depois de votar e mais falaria se houvesse esse espaço para isso entre garantias de que em 2028 voltaria a ser candidato. Pinto da Costa, ao contrário do que inicialmente se pensava, acabou por não passar pela zona mista. Primeiro passou pelo espaço Vítor Baía, mais tarde Marta Massada. Pelo meio, o presidente portista falou apenas ao Porto Canal e à SIC, longe de todos os outros órgãos. E essas declarações, onde pela primeira vez nos últimos meses teve a resposta “se perder, voltarei só a ser um sócio”, acabaram por deixar nas entrelinhas um “caso” em dia de eleições.

“A lista B fez tudo para dividir o clube, inclusive para influenciar os resultados das nossas equipas como provarei quando tudo acalmar”, atirou Pinto da Costa a certa altura. Significado? O líder portista podia estar a fazer alusão a um áudio que circulou nas redes sociais e que tinha alegadamente uma conversa de Villas-Boas a dizer em inglês que estaria a controlar os resultados para que o FC Porto perdesse e saísse beneficiado desse mau momento desportivo para capitalizar mais votos na corrida eleitoral. O vídeo foi tanto ou tão pouco levado em conta que praticamente nem foi comentado mesmo tendo sido publicado ainda esta sexta-feira. “Se entenderem que eu tenho de continuar, será com a mesma paixão. Se entenderem que não, saio tranquilamente e eles ficam com a responsabilidade de terem votado na mudança, ficam com o mérito de tudo o que correr bem e a responsabilidade de tudo o que correr mal”, atirou ainda o líder portista.

A tarde foi bem mais calma, não só pela diminuição do número global de votantes mas também pelo êxodo de pessoas que de manhã depois de votarem foram ficando pela zona do Coreto e da Alameda. Ainda houve as suas histórias paralelas às eleições que ficam sempre registadas, como a de um associado que pagou quase 1.000 euros para poder votar. “Num dia aleatório em 2016 fiz-me sócio do FC Porto. Apesar de não ser assíduo no estádio sabia que um dia essa condição ia ser importante. Assim foi. Esse dia é hoje. Paguei 946 euros de quotas em atraso para me arriscar a potencialmente levar na tromba. Mas está feito! Confio que vai valer a pena. Vamos!”, escreveu no Twitter, com imagens do voto… e das quotas pagas.

O dia histórico para o FC Porto começava a chegar ao fim naquilo que se podia “controlar”. Já na parte final, quase sem filas, o plantel principal de futebol dos azuis e brancos foi votar (Sérgio Conceição, Cláudio Ramos e Meixedo tinham ido antes), dando mais um “empurrão” para um recorde que tinha passado o máximo que o Sporting teve em sufrágios eleitorais (22.500 em 2018, na vitória de Frederico Varandas) e que mais do que duplicava a votação máxima do clube datada de 1988, com 10.700 sócios. Essa foi a primeira vez que alguém tinha desafiado Pinto da Costa; agora, todos começavam a achar que teria sido a última.

Ainda antes do fecho da primeira barreira de segurança, o que permitia ainda assim que os associados que já estivessem dentro do recinto antes das 20h pudessem ainda continuar na pequena fila existente junto das portas de acesso às mesas, as duas figuras que tinham todos os focos de atenções estavam fora do Estádio do Dragão. Pinto da Costa, que foi recebido com uma ovação de pé no Estádio do Dragão, assistia ao jogo de andebol entre FC Porto e Sporting no Dragão Arena, ao passo que André Villas-Boas estava com todos os elementos da lista na sede de campanha, a cerca de 20 minutos do recinto. Foi aí que ambos souberam os cerca de 27.000 votantes no sufrágio (26.741), cerca de 70% dos sócios que poderiam votar. Estava dado o primeiro sinal: qualquer que fosse o vencedor, o FC Porto vai mesmo começar uma nova era.