Desde há 15 anos que a vigilância eletrónica é utilizada em Portugal para fiscalizar a medida de coação de proibição de contactos entre alegado agressor e vítima de violência doméstica. Nas últimas horas, o tema ganhou algum destaque, depois de se ter ficado a saber que José Castelo Branco ficará proibido de contactar com a joalheira norte-americana Betty Grafstein, sua mulher, com recurso a meios técnicos de controlo à distância.

Como medidas de coação, o suspeito ficou proibido de “contactos por qualquer meio com a vítima; de permanecer no estabelecimento hospitalar em que a mesma se encontre; e de permanecer na residência que a vítima vier a ocupar quando tiver alta hospitalar ou de dela se aproximar, a menos de um quilómetro, com recurso a meios técnicos de controlo à distância”.

Este caso teve início em denúncias que a vítima fez aos médicos do hospital da CUF de Cascais, onde ainda está internada nos cuidados intermédios, que prontamente comunicaram as suspeitas ao Ministério Público. José Castelo Branco, casado com Betty Grafstein há vários anos, acabou por ser detido na terça-feira e presente no dia seguinte a um juiz de instrução criminal, que decidiu aplicar estas medidas de coação.

Mas, afinal, como será feita essa monitorização? José Castelo Branco terá uma pulseira eletrónica? E de que forma é que as autoridades são avisadas, caso se aproxime da vítima?

Como funciona a vigilância eletrónica?

Simplificando, há dois tipos de pulseiras eletrónicas: as que controlam a obrigação de permanência na habitação — vulgarmente conhecida como prisão domiciliária — e que estão ligadas à rede telefónica; e as que têm a função de, por exemplo, impedir a aproximação de um alegado agressor de determinados pontos, como uma casa, ou o local onde a vítima está. Estas segundas funcionam por GPS.

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Segundo a explicação que consta no site da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), a autoridade judiciária deve definir “as zonas de proteção à vítima e o seu raio, que deverão poder ser adaptadas pelos serviços de vigilância eletrónica (VE) em função das circunstâncias dos envolvidos, nomeadamente perfis, rotinas das partes e condicionalismos de natureza geográfica”.

Fonte: site da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais

É com base nessas instruções que são definidas no sistema “zonas de exclusão para o/a agressor/a, correspondendo à casa da vítima, ao seu local de trabalho ou a outros locais, e uma zona de exclusão dinâmica relativa à vítima, em seu redor, que a acompanha nas suas deslocações”. No caso de Betty Grafstein terá sido definido um perímetro dinâmico de um quilómetro, além de serem ainda consideradas zonas de exclusão o hospital da CUF de Cascais e a casa que vier a habitar após a alta.

Neste caso, a autoridade judiciária definiu “o raio dessas zonas”, caso contrário caberia aos serviços da vigilância eletrónica definirem “um perímetro adequado às circunstâncias”, refere-se no site da DGRSP.

Que aparelhos são entregues ao alegado agressor e à vítima?

Sempre que é determinado como medida de coação a proibição de aproximação da vítima com recurso a meios técnicos de controlo à distância, é entregue ao alegado agressor “um dispositivo de identificação pessoal (pulseira eletrónica) e uma unidade de posicionamento móvel (UPM) que devem estar sempre próximos”.

Segundo informações da DGRSP, é essa unidade de posicionamento móvel que “estabelece relação com o GPS”, permitindo a monitorização das deslocações.

Fonte: site da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais

No caso da vítima, esta recebe uma “unidade de proteção da vítima, que deve ser sempre transportada pela vítima e estabelece relação com o GPS”.

Em que situações as autoridades e os visados são alertados?

Estes aparelhos permitem aos serviços da vigilância eletrónica detetarem a aproximação do alegado agressor em diversas situações.

Uma das situações é: “Se ele/a se aproximar ou entrar nas zonas de exclusão ou se a vítima se aproxima daquele/a”. Quando isso acontece, “a vítima é informada dessa aproximação na sua unidade de proteção da vítima”.

No caso de o alegado agressor “penetrar numa área geográfica de exclusão, por regra é alertado automaticamente na sua unidade de posicionamento móvel” e “pode ser interpelado pelos serviços da vigilância eletrónica”.

Em último caso, se necessário, “os serviços de vigilância eletrónica contactam a polícia para prestar ajuda à vítima”.

Este sistema é complementar ao botão de pânico?

Sim, sempre que assim for decidido, além desta vigilância, a vítima poderá ter um botão de pânico que poderá acionar quando se sentir ameaçada ou se simplesmente se aperceber de uma aproximação do alegado agressor.

Alegado agressor pode recusar usar pulseira?

Pode. Ao Observador, o advogado Paulo Sá e Cunha explica que este tipo de vigilância só pode ser usado com a concordância do arguido. Caso este não aceite, cabe à justiça determinar se se justifica a aplicação de uma medida de coação mais gravosa ou mesmo privativa de liberdade.

A vítima também pode recusar usar os aparelhos de vigilância eletrónica, o que poderá levar a que seja aplicada uma medida de coação diferente.

Desde quando é usada a vigilância eletrónica para fiscalizar medidas de coação?

Desde 2007 que “a revisão da legislação penal associou a vigilância eletrónica à execução da pena de prisão na habitação e à adaptação à liberdade condicional bem como à fiscalização da proibição de contactos entre agressor e vítima de violência doméstica (VD) em contexto de pena acessória”.

Só dois anos depois estes recursos passaram a ser passíveis de ser usados também para fiscalizar medidas de coação relativas a proibição de contactos, ou seja, as proibições de aproximação das vítimas aplicadas enquanto a investigação ainda decorre.

Como tem sido a evolução das penas e medidas com vigilância eletrónica?

A evolução anual das penas e medidas em execução com recurso a vigilância eletrónica mostra como dispararam, entre 2015 e fevereiro de 2024, aquelas que dizem respeito ao crime de violência doméstica.

Como mostra o gráfico, no final de fevereiro havia 1687 penas e medidas relativas a violência doméstica com recurso a pulseira, mais de 60% do total. Os dados constam na Estatística Mensal das Penas e Medidas com Vigilância Eletrónica, da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.