A EDP apresentou nas últimas semanas processos de impugnação das avaliações atribuídas às barragens pelo fisco no valor de 1,6 mil milhões de euros. Os processos contra a Autoridade Tributária foram apresentadas pela EDP Produção, empresa do grupo que detém as concessões das centrais hidroelétricas. E deram entrada nos tribunais administrativos e fiscais de Braga, Castelo Branco, Mirandela, Viseu e Porto, de acordo com a consulta feita pelo Observador.

A ação de maior dimensão financeira foi apresentada no Tribunal Fiscal de Mirandela no montante de 475 milhões de euros e será relativa à avaliação fixada pela AT para efeitos de cobrança do Imposto Municipal de Imóveis, em linha com as orientações dadas pelo anterior Governo aos serviços fiscais. Entre os empreendimentos explorados pela elétrica que podem estar abrangidos por esta jurisdição estão as barragens do Alto Rabagão, Carrapatelo e Pocinho. Só o Rabagão terá sido avaliado em mais de 150 milhões de euros.

Mas depois da alienação das principais barragens à volta do Douro à Movhera, as principais centrais hidroelétricas da EDP estão na jurisdição de Braga — Alto Lindoso, Caniçada, Venda Nova, Frades, Salamonde — em cujo o tribunal fiscal foi entregue um processo de 236,2 milhões de euros. E em Viseu — Aguieira, Valeira (S. João da Pesqueira), Cabril, Régua, em cujo tribunal fiscal e administrativo foram entregues desde abril cinco ações da EDP Produção no montante total de 463 milhões de euros.

A elétrica, que não quis comentar estes processos ao Observador, apresentou também ações nos tribunais do Porto — no montante de 288,2 milhões de euros, e Castelo Branco — no valor de 170 milhões de euros. Ainda não há litigância em relação a outras grandes barragens operadas pela EDP mais a sul, como são os casos de Castelo de Bode ou Fratel. E sabe-se que o processo de avaliação do Alqueva, onde a elétrica é a concessionária de uma central hidroelétrica, ainda não está concluído.

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Também a Movhera (empresa criada pelo consórcio liderado pela Engie) está a impugnar os valores atribuídos às barragens que adquiriu à elétrica portuguesa em 2020. A empresa com sede em Miranda do Douro optou por entregar uma ação por empreendimento no total de 473 milhões de euros relativo às barragens de Picote, Miranda, Bemposta, Baixo Sabor e Foz Tua.

A impugnação dos valores fixados para o IMI também existe do lado das autarquias, como tem sido noticiado, por contestarem as instruções dadas pela AT aos peritos que deixam de fora a parte mais valiosa dos barragens, nomeadamente os equipamentos de produção e segurança. Só que enquanto as autarquias consideram que os valores fixados são muito inferiores aos que seriam justos (e legais, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo), as elétricas questionam os valores elevados.

Considerando uma taxa entre os 0,3% e os 0,45% a aplicar ao valor tributário dos empreendimentos da EDP, estaria em causa qualquer coisa como 4,8 a 7,3 milhões de euros. Todos os anos. No caso da Movhera, estariam em causa valores entre 1,4 milhões e 2,1 milhões de euros anuais para os vários empreendimentos.

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Já para as autarquias que são as destinatárias desta cobrança, estas avaliações são insuficientes. Torre de Moncorvo onde fica o Baixo Sabor (da Movhera) impugnou uma avaliação de 188,6 milhões de euros. Miranda do Douro onde ficam Picote e Miranda contesta valores de 55,7 milhões e 52,4 milhões de euros. Carrazeda de Ansiães, concelho que tem Foz Tua, impugna 88,2 milhões de euros. Mogadouro onde está a Bemposta tem una ação de 90 milhões de euros. Montalegre que acolhe várias barragens da EDP tem impugnações de quase 200 milhões de euros, com destaque para uma de 153,4 milhões de euros.

A litigância é reveladora das dúvidas e divergências relativas aos critérios de valorização destes ativos e até o fundamento legal da cobrança de IMI, questões complexas que ficaram por resolver com a queda do Governo anterior que deixou para o sucessor a tarefa de clarificar. O novo Executivo, sabe o Observador, está a preparar uma intervenção transversal sobre o tema, que pode passar por clarificar a legislação. No passado os socialistas não quiseram mexer no código do IMI com o argumento de que essa alteração só permitiria cobrar imposto para o futuro, dando força às ações que contestaram a cobrança do imposto até então.

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Do ponto de vista das elétricas, mais do que o valor estará mesmo em causa a legalidade da cobrança deste imposto, já que o procedimento iniciado pelo fisco no ano passado rompe com a prática de anos anteriores nos quais AT considerou que estes ativos estavam isentos de IMI. Esta leitura resultou de um parecer pedido à Agência Portuguesa do Ambiente quando o fisco começou a ser confrontado com ações judiciais e arbitrais dos sujeitos passivos a contestar a tentativa de inscrição na matriz das barragens. Segundo o parecer da APA de 2015, as barragens são bens de domínio do público, logo, não são imóveis urbanos sujeitos a IMI.

Em 2022, o Governo socialista questionou esta posição com base na jurisprudência mais recente, tendo o então secretário de Estado, Nuno Félix, dado ordens à AT para cobrar o imposto. Mas a demora dos serviços tributários em operacionalizar a cobrança do imposto motivou uma queixa da autarquia de Miranda do Douro na Procuradoria-Geral da República. O que deu origem a um inquérito que está a avaliar a atuação dos serviços neste processo e que é distinto da investigação criminal aberta em 2021 ao negócio entre a EDP e a Movhera na qual o fisco é polícia criminal. A atuação da AT no tema do IMI está também a ser avaliada pelo Tribunal de Contas.

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De acordo com os dados avançados pela diretora-geral da Autoridade Tributária, foram já realizadas 150 liquidações de IMI o que corresponde a um valor médio anual de mais 5 milhões de euros. Mas até só foi possível cobrar 2% desse valor. Estas liquidações dizem respeito aos anos entre 2019 e 2022.

Helena Borges reconhece que o contencioso não é amigo da cobrança, mas descarta a responsabilidade da AT nas dificuldades de cobrança do IMI, considerando que a instabilidade jurídica que tem sido marcada por acórdãos divergentes sobre o pagamento de IMI em equipamentos de energia renovável. Ao contrário do que defendem as autarquias, e sustentam vários despachos de Nuno Félix, para a AT o acórdão do supremo tribunal a incluir os equipamentos no cálculo do imposto não dá segurança jurídica absoluta. Porque há posições divergentes dos tribunais de primeira instância a propósito das eólicas.