O Banco de Portugal “preparou-se” e tem “almofadas” que irão permitir compensar os prejuízos operacionais que se preveem para 2024 e para 2025 (depois dos mais de mil milhões relativos a 2023, já apresentados publicamente), confirmou nesta quarta-feira Mário Centeno, na Assembleia da República. Porém, o governador do Banco de Portugal não deu uma resposta direta ao que o PSD recordou terem sido “divergências públicas” e “pressão por parte do PS”, em 2016, para que o então governador Carlos Costa entregasse mais dividendos (o que significaria fazer menos provisões e, agora, ter menos “almofada” para evitar que prejuízos operacionais se transformem em resultados líquidos negativos).
Numa audição parlamentar regimental, sobre o plano de atividades do Banco de Portugal, e também após um requerimento do Chega para que se falasse sobre as perdas do Banco de Portugal, Centeno sublinhou que se deve olhar para os prejuízos operacionais com “tranquilidade”, até porque os “bancos centrais não servem para gerar dividendos“. O governador explicou que o resultado operacional é uma fase natural – e previsível – dada a inversão da política monetária do BCE que ocorreu em 2022.
O Banco de Portugal teve prejuízos operacionais de 1.054 milhões em 2023, tendo recorrido a provisões assumidas nos anos anteriores para garantir um resultado líquido nulo. Tal como já tinha explicado na apresentação dos resultados anuais, em meados de maio, Centeno indicou que se pode “antecipar que este ciclo de resultados negativos se vai prolongar pelo menos mais dois anos, havendo a expectativa de que em 2026 se retorne a uma situação mais regular”.
Porém, garantiu, “os resultados do Banco de Portugal não afetam a sua capacidade de condução de política monetária, que é a grande missão dos bancos centrais. Essa missão está ancorada à sua credibilidade e não aos seus resultados”, afirmou Mário Centeno, repetindo a argumentação que já tinha apresentado em maio último e, até, muito antes disso. “A tendência dos resultados já tinha sido anunciada por mim em maio de 2023 (na apresentação dos resultados de 2022)”, indicou.
Prejuízos no Banco de Portugal? Centeno vai pagar menos dividendos do que Centeno pediu
Além dos alertas públicos e das notícias na imprensa, Centeno indicou que esta matéria foi sendo falada “em todas as conversas tidas com o Ministério, normalmente na pessoa do ministro das Finanças, independentemente de quem fosse o ministro”. Porém, no que diz respeito a Miranda Sarmento, “a primeira conversa que tive neste contexto foi poucos dias depois da sua tomada de posse, a meu pedido, e nessa altura tivemos oportunidade de falar com a mesma naturalidade”.
Pouco depois disso, quando saíram notícias sobre o valor mais exato do prejuízo operacional, Miranda Sarmento manifestou “espanto” e “surpresa” com o montante. Nesta quarta-feira, Centeno não quis alongar a polémica: “os comentários que o senhor ministro das Finanças fez não fazem parte daquilo que eu possa vir aqui comentar”.
A novidade na argumentação de Centeno, em relação ao que já tinha dito, é que não é por não se pagar dividendos que a situação atual da política monetária deixa de dar alguns bónus às contas públicas e ao banco público, a Caixa Geral de Depósitos. “Uma parte muito significativa, quase dois terços, dos lucros da CGD podem ser identificados pelos juros que o banco público recebeu pelos depósitos no banco central – mais de 600 milhões de euros. E o IGCP, o organismo que gere a dívida pública do Estado, recebeu 445 milhões pelos seus depósitos”.
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É claro que os bancos privados também estão a beneficiar mais, porém, Centeno pediu aos deputados (os do Chega falavam em “lucros colossais”) para terem uma visão de longo prazo sobre a rentabilidade da banca. O governador do Banco de Portugal lembrou o “período muito negativo e muito difícil” que os bancos portugueses tiveram anteriormente. “Se olharmos para a média dos resultados desde os anos da crise financeira são 120 milhões de euros (positivos)”, assinalou o governador do Banco de Portugal, notando que isso não é um valor muito elevado quando se fala na soma de todos os bancos do sistema.
Mas Centeno alertou que “o ciclo [dos resultados dos bancos] vai-se alterar e os bancos devem poupar” nesta fase “para não voltarmos a viver momentos de aflição como os que vivemos há muito pouco tempo, algo que não está em qualquer cenário que se preveja”. Nesta fase, os bancos estão a beneficiar do aumento da margem financeira, numa fase diferente do ciclo de política monetária, mas Centeno lembrou que as famílias portuguesas (pelo menos aquelas que já tinham créditos na altura) “também beneficiaram” de as taxas de juro terem atingido níveis muito baixos e até negativos ao longo de quase 10 anos.
“Taxas de juro não vão voltar a zero, idealmente”, diz Centeno
Sobre os juros dos depósitos, Centeno lembrou, também, que “somou a sua voz” a alertar os bancos para a necessidade de os bancos aumentarem as taxas de juro, algo que diz ter surtido efeito. Além disso, sublinhou que, ao contrário do que aconteceu noutros países, aos portugueses nunca foram transmitidas taxas de juro negativas nos depósitos (ou seja, pagar juros em vez de receber, quando se deposita), já que isso é ilegal em Portugal mas não em outros países.
As “taxas de juro não vão voltar a zero, idealmente”, afirmou Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, acrescentando que “Ssria muito mau sinal se isso acontecesse“, explicou Centeno.
“O ideal seria que as taxas de juro se aproximassem de 2% e esse deveria ser o quadro económico financeiro que traria maior estabilidade para a economia portuguesa e europeia”, afirma o governador do Banco de Portugal, considerando que nesta fase existe um controlo maior da inflação na zona euro, depois de se ter estado perto de um “descontrolo monetário” na zona euro.
“Começámos a aproximar-nos de momentos de descontrolo monetário muito significativos”, quando a inflação superou os 10% na zona euro (e também em Portugal), afirmou Mário Centeno, reconhecendo que foi necessário subir as taxas de juro para níveis que reconhece serem de “choque financeiro” (450 pontos-base em pouco mais de um ano). Ainda assim, a convicção do governador do Banco de Portugal é que se a tendência de “desinflação” se mantiver, o BCE irá fazer novas descidas de juros no futuro.