O requerimento potestativo apresentado pelo Chega para ouvir o antigo primeiro-ministro e o ex-ministro das Infraestruturas numa comissão parlamentar, que não é comissão de inquérito, vai contra o regimento da Assembleia da República. Esta posição consta de um parecer já emitido pela primeira comissão em 2023 e que foi citado pelo presidente da comissão de economia e obras públicas onde o requerimento do partido foi discutido.

O social democrata Miguel Santos não tem dúvidas quanto à não admissibilidade do requerimento para chamar António Costa e João Galamba a dar explicações sobre as escutas da Operação Influencer onde se aborda a demissão da ex-presidente da TAP, Christine Ourmières-Widener, divulgadas pela CNN.

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Isto porque o regimento da Assembleia só permite audições potestativas (sem votação dos outros partidos) a titulares que estejam no exercício de funções nos cargos cuja ação vai ser escrutinada. A questão foi levantada pelo deputado socialista Hugo Costa, numa posição que foi corroborada pelo PSD.

“O que está em causa não é questão de mérito, mas de admissibilidade legal”, afirmou Miguel Santos. E citou um parecer da primeira comissão do Parlamento que esclarece quais as personalidades que podem ser chamadas através de requerimentos potestativos de partidos. António Costa e João Galamba não cumprem esses requisitos. Não estão em funções, nem trabalham ou exercem cargos em empresas públicas ou entidades administrativas do Estado ou entidades independentes.

O parecer em causa da comissão de assuntos constitucionais, direitos, liberdades e garantias tem data de outubro de 2023 e foi emitido na sequência do requerimento então feito pelo PSD (na oposição) para chamar de forma potestativa ex-dirigentes da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Isto depois do PS (então com maioria absoluta) ter chumbado as audições de Edmundo Martinho, João Pedro Correia e Filipa Klut que tinham feito parte da anterior mesa da Santa Casa.

Cruzando os artigos 104 e 102 do regimento da Assembleia da República, a primeira comissão concluiu: “No que tange ao requerimento potestativo para audição de titulares de cargos ou funções públicas pressupõe que estes se encontrem no exercício dos cargos ou funções sobre cuja atividade se pretende obter esclarecimentos e exercer a atividade fiscalizadora do parlamento no momento que o direito potestativo é exercido”.

Este parecer teve o voto contra do PSD e a abstenção do Chega, tendo sido aprovado pelo PS, IL, PCP e Bloco.

Falando do “incómodo” dos socialista, o deputado do Chega, Filipe Melo, invoca a opinião recolhida junto de juristas, segundo a qual, e “ao abrigo da lei, quando uma pessoa exerce uma função pública é responsável por essa função por um período a la longe. A sua responsabilidade não termina por terem terminado a sua função”. Quando questionado sobre o fundamento legal e a lei em concreto que sustenta este entendimento, o deputado começou pela famosa frase do “não sou jurista”, indicando que terá de pedir aos tais juristas que coloquem por escrito o parecer que, “do nosso ponto de vista, deita por terra a argumentação do PS”.

Na visão de Filipe Melo, António Costa ainda exerce funções públicas, numa referência ao cargo de presidente do Conselho Europeu para o qual foi indigitado, mas cujo inicio de funções só está previsto para dezembro. E. não obstante a existência do parecer de 2023, Filipe Melo insistiu na necessidade de um novo parecer sobre a legalidade da audição, deixando no ar a ameaça de uma comissão de inquérito.

António Costa e João Galamba “garantidamente virão a este Parlamento, nem que seja na próxima sessão legislativa”.

Só a partir de setembro de 2025 é que o Chega pode apresentar avançar com uma nova proposta de comissão de inquérito potestativa depois da relativa ao caso das gémeas que está a decorrer.

A comissão de economia e obras públicas vai entretanto pedir um novo parecer sobre admissibilidade deste requerimento potestativo do Chega.

O pedido potestativo do Chega para ouvir os antigos governantes surgiu depois do pedido para as audições ter sido chumbado. Mesmo que o pedido de audição tivesse sido aprovado, António Costa e João Galamna não seriam obrigados a vir. Seria como um convite. Só em caso de comissão de inquérito é que os dois antigos titulares de cargos públicos teriam de responder. Ainda assim, António Costa teria a prerrogativa de responder por escrito. Como aliás tem Pedro Passos Coelho que será chamado à mesma comissão para falar sobre a privatização da ANA. Mas nenhum destes antigos primeiros-ministros, nem os ex-ministros que tiveram a pasta das infraestruturas, são obrigados a vir.

No caso dos antigos gestores da Santa Casa, Edmundo Martinho aceitou prestar esclarecimentos à comissão do Trabalho e Segurança Social e será novamente chamado, tal como os antigos gestores ainda não ouvidos, à comissão de inquérito à gestão da instituição, entretanto aprovada.