Enviado especial do Observador em Paris, França

Em condições normais, pelo menos até aqui à exceção da cerimónia de abertura e das finais da natação na La Défense Arena, ir em trabalho a qualquer recinto dos Jogos Olímpicos tem uma vantagem que se estende a todos aqueles que compraram bilhete para esse evento: pode chegar-se mais cedo ou mais tarde, pode tentar-se evitar mais ou menos filas, mas o lugar está sempre garantido. No entanto, esta segunda-feira era um dia especial e tudo percebeu isso. Sim, só a partir das 12h francesas começariam os jogos nos vários courts de Roland Garros. Sim, o melhor mesmo era ir mais cedo para acautelar qualquer surpresa desagradável.

Ainda por volta das 10h da manhã, eram muitas as filas para aceder a uma das várias portas de entrada em todo o complexo. Naquela que ficava mais próxima de uma das zonas de acesso da imprensa, eram já várias dezenas de pessoas numa ordem ziguezagueante a seguir as barreiras. Somando tudo, centenas de adeptos ansiosos por pisar a Meca do ténis. Só mesmo às 10h28 haveria essa ordem de entrada (anunciada também na sala de imprensa como um happening), com pessoas a correr em busca dos melhores lugares e outras que iam aproveitando apenas para conhecer o complexo com muitas fotografias à mistura. Para os mais adeptos do ténis, até treinos estavam a decorrer e com possibilidade de entrada sem fazer muito barulho.

No nosso caso, a “guerra” era outra. O encontro entre Iga Swiatek, número 1 do mundo e rainha da terra batida, contra a francesa Diane Perry já prometia não ser fácil nos lugares de imprensa dentro do Philippe Chatrier. Como seria de esperar, a imprensa gaulesa está em força em todos os momentos dos seus atletas e mesmo sendo o principal campo do complexo (com mais lugares do que os restantes) era de acautelar todos os possíveis imprevistos. Mais: a seguir jogavam Rafa Nadal e Novak Djokovic, com tudo o que isso encerra. Às 10h40 ainda existiam lugares mas provavelmente estariam já mais pessoas sentadas nos lugares de imprensa do que entre as milhares de cadeiras espalhadas pelo court. Afinal, e agora que estamos numa fase em que se empola qualquer duelo de campeões, podia ser o último tango de dois dos maiores de sempre.

Antes, um gesto de boas graças não pensado a todos os que tentam antever as mais variadas situações. Até às 11h da manhã, Diane Parry esteve em treino com elementos gauleses. A jovem jogadora de 21 anos ainda tem resultados com menos impacto por exemplo nos Grand Slams, entre terceira ronda na Austrália, oitavos em Roland Garros e segunda ronda em Wimbledon, mas é a tenista com mais potencial no país da atualidade, o que faz com ascenda também ao patamar de coqueluche dentro do possível. Depois, troca de jogadores ainda para treinar. Quem entra? Djokovic. Com equipamento da Sérvia, com a proteção no joelho a que foi operado depois de Roland Garros e antes de Wimbledon, com uma áurea difícil de explicar em palavras.

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Treino com bolas no fundo do court, trabalho no serviço a simular jogo a arriscar winners logo na resposta ao saque mas sem grande vontade de subir à rede, alguns amorties, mais bolas sobretudo para as esquerdas paralelas então apenas com o treinador. Curiosidade? O facto de ter escolhido um parceiro de treino canhoto como aquele que iria encontrar umas horas depois pela frente. Por mais que Swiatek devesse ser a grande figura no Philippe Chatrier, a saída de campo do sérvio e a reação ao anúncio do nome de Rafa Nadal como jogador que iria entrar em court depois do primeiro jogo dizia tudo em relação ao que se queria.

Apesar de não ter começado propriamente bem o ano, com uma saída do Open da Austrália logo na terceira ronda, Swiatek tem deixado um cartão de apresentação para aquilo que será a sua carreira: tem de melhorar na relva, onde voltou a cair na terceira ronda depois de ter ido aos quartos em Wimbledon no ano passado, mostra potencial para se tornar mais dominadora em piso rápido (apesar de ter ganho Indian Wells e o Open do Qatar), está cada vez mais uma máquina na terra batida levando três títulos consecutivos em Roland Garros. Não é por acaso que Nadal é a sua grande referência, também poderá não ser estranho que chegue a números parecidos aos dos espanhol na Meca da terra batida se continuar assim. Também por isso, tinha uma oportunidade única de tornar-se campeã olímpica naquela que começa já a ser a sua “casa”.

Às 11h50, as bancadas estavam longe de estar cheias mas, de acordo com o marcador oficial que contava as interações com o público, já se conseguia chegar aos 130 decibéis de barulho. Mais tarde, seria muito mais. E apesar do apoio de alguns polacos entre uma maioria de franceses, até os espanhóis e os sérvios entravam na onda de um início de dia que poderia ficar na história do ténis como o último duelo entre gigantes.

Apesar de ocupar apenas o 59.º posto da hierarquia mundial, Perry tinha a crença de adeptos franceses que acreditavam numa possível surpresa. Até agora, com râguebi de sevens e Léon Marchand à cabeça, as coisas têm corrido bem. Isso mudou também, ainda que de forma ligeira, aquilo que costumam ser os encontros no palco principal de terra batida do mundo. Umas palmas a mais fora de tempo, uns gritos do nada quando a maioria se tinha calado antes dos serviços, um ambiente festivo que pode valer outro tipo de reação nos pontos da jogadora da casa mas que não deixa de reconhecer o valor da adversária. Os três primeiros jogos mostraram isso: Swiatek fez o 1-0, conseguiu o break em branco, confirmou depois com o 3-0. A certa altura, já com 5-0 no set inicial, até parecia que a própria polaca, que entrou como é habitual de phones e só deixou de ouvir música quando foi a meio do court escolher campo, queria puxar por Perry mas era demais.

Aqui, a bancada de imprensa tem zero complexos de aplaudir. Não são polacos, não são franceses, são todos amantes de ténis e do melhor que a modalidade tem que vão escrevendo nos computadores ou nos blocos (está ela por ela entre a versão moderna ou old school) mas fazem pausas nas melhores bolas. Também isso criou um ambiente melhor para assistir ao domínio de uma jogadora que quando se olha não parece ter um perfil de máquina mas que é uma autêntica força da natureza quando está em terra batida para fazer jus à frase que se destaca nas duas principais bancadas do campo: “A vitória pertence aos mais tenazes”.

Swiatek é uma autêntica parede a devolver bolas mas com uma capacidade fora do comum para conseguir abrir ângulos em todas as bolas que joga, o que faz com que seja quase tão temida a servir como a receber (o que contraria a lógica normal do ténis). Gere os pontos, controla os momentos, faz o caminho como quer até à vitória nos jogos. Se nesta altura já tem quatro Roland Garros em apenas cinco anos entre os cinco Grand Slams na carreira, não será difícil perceber que vai superar Justine Henin, muito provavelmente Steffi Graf (seis Majors em Paris) e Chris Evert (sete). Podem começar a preparar uma estátua como aquelas que estão dispostas em todo o complexo: aos 23 anos, Swiatek está destinada a ser Nadal em feminino e é a favorita a ganhar a medalha de ouro. O triunfo frente a Parry por 6-1 e 6-1 em 1h15 foi só mais um passo.