Enviado especial do Observador em Paris, França

Quando terminou a primeira série das meias-finais dos 1.500 metros, a zona mista do Stade de France teve uma afluência bem maior do que é normal tratando-se de uma corrida que nada decidia. Quando Isaac Nader falou, depois de ter feito essa mesma prova quebrando apenas nos últimos metros em que não teve pernas para aguentar o ritmo forte que tinha sido colocado, queixou-se da desproporção de forças entre a série 1 e a série 2, explicando que não fazia sentido e que também teve a sua influência. Que a série era muito mais forte, ninguém tinha dúvidas. Que a justificação acabava por estar incompleta, percebeu-se agora.

Jakob Ingebrigtsen foi o vencedor. De máscara, algo que se viu pouco por ali mas que visava salvaguardar todo e qualquer problemas que pudesse afetar a preparação, o norueguês que se sagrou campeão olímpico em Tóquio-2020 mas que não passou da prata nos dois últimos Mundiais nos 1.500 metros (tendo ganho em ambos a competição dos 5.000 metros) relativizou esse primeiro lugar mas garantiu que se sentia numa fase muito boa para revalidar o título. Josh Kerr, campeão mundial em 2023, respondia à letra: “Senti-me muito bem, não senti nada no corpo por fazer a qualificação e as meias-finais e quero ir lutar pelo ouro. Ele diz que vai ser melhor? Vamos ver quem é melhor, se é ele ou se sou eu”, atirou. Mais “tenso” era impossível.

Era na dupla que recaía todas as atenções antes da prova, num duelo que promete durar algum tempo tendo em conta a idade de ambos (26 do britânico, 23 do norueguês) até haver uma passagem em definitivo do escandinavo para distâncias mais longas. E foi neles que as câmaras estiveram sempre a focar para uma corrida que, exceção feita às provas de velocidade, só tinha paralelo com os 400 barreiras femininos.

Para não haver dúvidas ao que vinha, Jakob Ingebrigtsen assumiu desde início a corrida. Josh Kerr ainda foi olhando para ver se valeria a pena em termos táticos ir com o norueguês mas deu-lhe alguma margem para ser ele a comandar os ritmos a que queria fazer uma dança que deveria ser apenas a dois apesar de haver os quenianos pelo meio que não duraram muito. Quem foi tentando entrar nessa guerra tática? Os norte-americanos. E não era nem um, nem dois mas sim três. Os dois super favoritos andavam por ali a fazer um estudo prévio de como poderia ser a vida deles na volta final, as personagens improváveis do enredo iam acompanhando a dança, com uma primeira volta muito rápida, uma segunda um pouco mais lenta e uma terceira que estava a preparar uns 400 metros finais “à morte” onde logo se decidiria quem era o melhor.

Foi aí que o enredo mudou. Mudou e de forma radical. Já com o norueguês a dar sinais de que poderia ser uma presa fácil perante um ataque mais forte, Josh Kerr atacou a sério nos derradeiros 100 metros e “partiu” Jakob Ingebrigtsen, que ficou sem poder de reação, mas não estava à espera do ator secundário que passou a ator principal: Cole Hocker, que antes do início da corrida tinha aparecido a fazer a sua reza, foi mais forte ainda no sprint final e conquistou a medalha de ouro, naquele que foi o primeiro grande título internacional ao ar livre depois de ter sido prata nos últimos Mundiais de Pista Coberta. E as surpresas não ficariam por aí: além da vitória do atleta de 23 anos dos Oregon Ducks, os EUA festejaram ainda a medalha de bronze de Yared Nuguse, que deixou o norueguês para trás com todo o protagonismo mas sem qualquer medalha.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR