Talvez seja reconhecido muitas vezes pela longa barba ruiva que exibe nas várias fotografias suas que pululam pelos jornais e pelas redes sociais — essa que “não é de hipster, é de pajé”, diz-nos o músico. Barba de líder espiritual ou curandeiro de uma tribo indígena. Ou então, talvez nos lembremos dele de outro tempos, de quando tocava “alto p’ra carai” nos Los Hermanos, gente que fez a diferença no rock brasileiro na mudança entre séculos.

No meio deste percurso — que só por aqui já vai longo e rico –, o brasileiro ainda tem no currículo Little Joy (“do Little Joy”, diz ele), a banda que formou com Fabrizio Moretti (baterista dos Strokes) e a californiana Binki Shapiro. Ou a Orquestra Imperial, espécie de big band brasileira onde coube tanta coisa, de Moreno Veloso a Pedro Sá, de Wilson das Neves a Nina Becker.

Isto é tudo verdade, mas em 2014 também o foi Cavalo, o primeiro disco de Rodrigo Amarante em nome próprio, compêndio de algumas das mais delicadas canções de pátria apátrida, herdeiras da música popular brasileira, do samba, da canção francesa, do rock brasileiro, inglês e norte-americano.

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Capa de “Cavalo”, álbum editado por Rodrigo Amarante em 2014

É para o apresentar (outra vez, ainda que nada disto soe a repetição) que Rodrigo Amarante regressa este mês a Portugal — ele que já veio “muitas vezes” a um país em que foi “sempre bem recebido” —, para cinco concertos que começam em Lisboa (já esta terça-feira) e passam por Faro, Leiria e Aveiro até chegarem a Braga, de onde regressará, presumimos nós, para a terra que o acolheu, Los Angeles, num meio exílio meio novo começo que o levou até Cavalo.

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Concertos que, conta ao Observador, serão “muito à base” do seu disco — “só tenho um”, atira, sublinhando que não há muito por onde fugir —, mas onde, antevê sem prometer, “talvez se possa ouvir uma ou outra canção nova”, escrita “aqui ou ali”, antes e depois de Cavalo ter vindo ao mundo.

Ouvem-se as canções dos Los Hermanos e não é difícil encontrar mudanças. O rock cuidado mas direto deu lugar à contemplação, à delicadeza da música, a um regresso ao tempo em que “todo o mundo tocava com dinâmica, baixinho, porque quanto mais delicado você toca, mais espaço para dinâmica há, ou seja, mais espaço para crescer existe”, conta Amarante. Essa aprendizagem que lhe veio de “gravar com Devendra Banhart e de tocar com Wilson das Neves na Orquestra Imperial” nunca mais a largou. Rodrigo recorda as palavras do próprio Wilson: “Ele se juntou com a banda e disse: gente, não sei como vocês tocam alto assim. Ninguém ouve porra nenhuma.”

Porque ele vem de uma época em que todo o mundo gravava junto, em que todo o mundo tocava com dinâmica, baixinho. Como a gente hoje em dia está acostumado a ouvir discos sem dinâmica, a gente acaba tocando sem dinâmica nenhuma também — isso foi uma das coisas importantes que eu aprendi”, acrescenta.

Perguntamos-lhe ainda se costuma escrever mais em casa ou em digressão, se aproveita as viagens para compor; diz-nos que não. “Comigo não funciona, há pessoas que dizem que conseguem, não sei como”. Rodrigo Amarante tem “dias para viver”, faz o que pode para os aproveitar e é também isso que depois transforma em canções.

RODRIGO AMARANTE - Eliot Lee Hazel 1

E tanto é assim na Europa como no Brasil. Por falar nisso, nesta curta conversa acabamos a falar da situação política brasileira, tema que aborda com cuidado, sublinhando sempre a “pouca relevância” que a sua opinião deve ter para o resolver da crise política, não deixando de apontar, contudo, que “é muito triste o que está acontecendo no Brasil, a direita tentar tomar posse do Estado, o Brasil precisa de uma grande reforma política”.

E acrescenta: “Há uma deriva neoliberal que considera o Estado um inimigo, que quer diminuir o Estado, quando o Estado é o que nos junta”. Fala de Trump, de Le Pen, de Boris Johnson e resume tudo: é nesta direção que “não devemos caminhar”.

Apesar do comentário, ainda que saiba bem qual é realidade que o rodeia e qual é o mundo que não quer, Rodrigo Amarante está noutra frequência. Deixa a política e caminha mais como faz a própria música. Convenhamos que não deixa de ser política, mas fala-nos numa língua diferente, sobretudo num tempo diferente, é mais devagar, mais devagarinho. “É como diz a minha canção, a ‘Maná'”. Fomos tirar tudo a limpo e encontrámos isto, bem sambado esclarece todas as dúvidas: “Deixa a porta bater / Deixa o vento levar / Quem não desce a ribeira / Não chega no mar”.

Concertos de Rodrigo Amarante em Portugal: 28 junho: Teatro Tivoli BBVA, Lisboa; 29 junho: Teatro das Figuras, Faro; 30 junho: Teatro José Lúcio da Silva, Leiria; 1 julho: Teatro Aveirense, Aveiro; 2 julho: Theatro Circo, Braga