O Ministério Público (MP) timorense acusou formalmente um casal de cidadãos portugueses que está retido em Díli há dois anos. Na acusação constam os crimes de peculato, branqueamento de capitais e falsificação documental. A acusação foi assinada pela procuradora timorense Angelina Joanina Saldanha no passado dia 29 de julho, mas Tiago Guerra e a sua mulher Chang Fong Fong Guerra só foram notificados na terça-feira, como confirmaram os arguidos à Lusa, este sábado.

Coarguido no mesmo processo e acusado dos mesmos crimes está o cidadão norte-americano Bobby Boye, um ex-conselheiro do setor petrolífero que defraudou o Governo timorense e que, em outubro de 2015, foi condenado por um tribunal federal norte-americano a seis anos de prisão e a devolver mais de 3,51 milhões de dólares a Timor-Leste.

Na acusação, à qual a agência Lusa teve acesso, a procuradora considera os três arguidos responsáveis pela autoria material em concurso real e na forma consumada dos três crimes. Como provas, além de documentos contidos no processo, o MP timorense apresenta quatro testemunhas, incluindo o ex-vice-ministro das Finanças, Rui Hanjam, dois outros funcionários do Ministério das Finanças e a atual ministra, Santina Cardoso.

A procuradora defende a manutenção das medidas de coação, considerando até que “se reforçaram os pressupostos que determinaram a aplicação” dessas medidas. Pede ainda que os três arguidos sejam condenados a pagar uma compensação civil no valor do que dizem ser as perdas do Estado timorense, que totalizam 859.706,30 dólares.

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No caso do crime de peculato e de branqueamento de capitais as pena máximas previstas no Código Penal timorense são de 12 anos de cadeia e para o crime de falsificação de documentos a pena máxima é multa ou três anos de prisão.

“É revoltante. Depois de lermos esta acusação, que demorou dois anos a ser feita, comprovamos que não tem qualquer fundamento ou qualquer prova”, disse à Lusa Tiago Guerra que chegou a estar preso preventivamente. “Sabendo agora do que somos acusados temos a certeza de que são acusações sem qualquer base ou fundamento. A acusação mostra que não há qualquer motivo para nos terem mantido aqui dois anos com a nossa vida em suspenso, longe dos filhos e do resto da família”, disse.

Tiago Guerra sustenta que os crimes de que são acusados não são fundamentados e mostra-se surpreendido, entre outros aspetos, pela acusação de peculato, crime que segundo o código penal timorense se aplica apenas a funcionários públicos. “Vamos estar preparados para nos defender, assim que tivermos acesso às provas e materiais apreendidos atualmente pelo Ministério Público, aos autos bem como ao resto do processo”, garantiu.

Fong Fong Guerra admite estar “muito assustada” e considerou que o casal está a ser julgado neste processo porque as autoridades timorenses “não conseguiram capturar o Bobby Boye em Timor-Leste”. “Estamos a ser postos aqui no mesmo saco que alguém que defraudou o Estado”, disse. “Nós não cometemos nenhum destes crimes. Por isso sempre pensámos que depois da investigação que se ia arquivar o processo. Como pode haver acusação se não cometemos qualquer crime?”, questionou.

O Tribunal de Díli terá que ser pronunciar sobre a acusação, se a aceita ou se a devolve ao Ministério Público e, caso a aceite, marcará a data do arranque do julgamento.

Tiago Guerra e a mulher só foram ouvidos pelo MP em junho último, mais de 20 meses depois de ser detido, estando há quase dois anos impedido de sair do país e com termo de identidade e residência. Tiago Guerra foi detido para interrogatório a 18 de outubro de 2014, passou três dias na esquadra da polícia de Caicoli e a 21 do mesmo mês foi ouvido no Tribunal de Díli, quando o juiz ordenou a sua prisão preventiva, entrando na cadeia de Becora, onde ficou preso até 16 de junho do ano passado. Desde aí está, como a mulher, com Termo de Identidade e Residência (TIR) e impossibilitado de sair do país.

No pior cenário, se o processo avançar para julgamento e mesmo sem considerar eventuais penas de prisão, o casal poderá ficar ainda vários anos impedido de sair de Timor-Leste até que se conclua o julgamento e eventuais recursos.