Depois de “Dior: Designer of Dreams” no museu Victoria&Albert, em Londres, cujo sucesso motivou o prolongamento da exposição, o teatro de sonhos do antigo costureiro volta a concentrar atenções e a partilhar com o público alguns retalhos da história. Desta vez, a grande protagonista é Grace Kelly (1929-1982), a estrela que trocou o cinema pelo palácio ao selar em 1956 a sua união com o príncipe Rainier do Mónaco, para protagonizar um verdadeiro conto de fadas com desfecho trágico, quando em 1982 morreu na sequência de um acidente de viação.

No Museu Christian Dior em Granville, vila da Normandia conhecida como “o Mónaco do norte” onde o mestre nasceu, em 21 de janeiro de 1905, ultimam-se os preparativos para a grande inauguração da mostra “Grace do Mónaco, princesa em Dior”, a alguns meses de se assinalar o nonagésimo aniversário do nascimento da atriz fétiche de Alfred Hitchcock, que se cumpre a 12 de novembro. O espaço tem estado fechado ao público desde o começo do ano e promete reabrir com estrondo em 27 de abril, data do arranque da mostra que apresentará 85 vestidos, naquela que será uma celebração da “personalidade e do estilo” de Kelly, um “ícone eterno”, bem como da sua estreita relação com a casa de alta-costura.

A princesa Grace num desfile Dior, em 7 de fevereiro de 1972, em Paris © AFP/Getty Images

Dos grandes bailes às viagens oficiais pelo mundo, sem esquecer os compromissos de solidariedade e os eventos artísticos, a exposição revelará “a habilidade da princesa para escolher sempre os visuais mais apropriados para cada momento”, lê-se na nota descritiva. Uma destreza enraizada no seu “sentido de espetáculo herdado dos anos hollywoodescos, que temperam o imperativo de sobriedade inerente ao seu estatuto de princesa”.

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Apesar de passarem 37 anos sobre a morte de Grace Kelly, o uso do tempo presente parece ajustar-se como uma luva, já que o fascínio pelo seu exemplo de elegância perdura. “Em família e na sua vida privada, Grace reencontra uma predileção pelo conforto, uma simplicidade contemporânea e um allure desportivo, recordações da sua juventude americana”. Para mais, é recente este reencontro com parte do seu espólio.

Desde 1982 que a sua coleção pessoal tem sido cuidadosamente preservada no palácio real do Mónaco. Quando a historiadora de moda Florence Müller, curadora do Denver Art Museum e professora associada no Instituto Francês da Moda, teve acesso a este pequeno tesouro, descobriu que um terço do total das peças eram da Dior.

Grace Kelly numa da imagens mais icónicas. Um look Dior a marcar as imagens promocionais do filme “A Janela Indiscreta”, o filme de Alfred Hitchcock lançado em 1955 © DR

Entre os vestidos que povoaram o seu guarda-roupa destacam-se as versões camiseiro, os tailleurs em tweed, e a prevalência dos modelos estruturados. Os bordados com pedraria, as mousselines vaporosas e as plumas testemunharam a “delicadeza da sua passagem”. O museu sublinha ainda como o seu gosto pela jardinagem se manifestou em bordados com motivos florais usados em diferentes criações, uma afinidade partilhada com Christian Dior, que passou a infância rodeado pela natureza em Granville, com a qual a família Grimaldi mantém uma ligação desde o século XVIII. E, claro, não esquece como boa parte destes looks garantiram um lugar na posteridade e na cultura popular graças a inúmeras fitas de culto.

“Grace do Mónaco, princesa em Dior” recupera um vínculo à marca que remonta ao magnífico baile de noivado a que o hotel Waldorf-Astoria de Nova Iorque assistiu. Kelly apareceu com um vestido especialmente concebido pelos ateliers da famosa maison. Nesse mesmo ano de 1956, pousou para a objetiva do fotógrafo Yousuf Karsh envergando o modelo de alta-costura Colinette, imaginado pelo fundador para a coleção outono-inverno 1956-1957, naquele que foi o seu primeiro retrato oficial como princesa.

Grace Kelly e o príncipe Rainier à chegada ao Waldorf-Astoria, em Nova Iorque, um dia depois do anúncio do seu noivado, em Nova Iorque. Um conto de fadas em janeiro de 1956, de novo com selo Dior © DR

Dior morreu em 1957, onze anos depois de ter fundado a marca atualmente liderada pela diretora criativa Maria Grazia Chiuri. Nas décadas que se seguiram, a princesa manteve a sua relação com a casa e com os nomes ao leme do seu destino. Um jovem Yves Saint-Laurent comandaria o barco até à chegada de Marc Bohan, que assumiu funções de diretor artístico a partir de 1961, em sintonia com os tempos e com o glamour monegasco. Com ele, Grace Kelly desenvolveu uma amizade muito próxima, tornando-se seu confidente e assumindo-se quase como um tio das filhas Stephanie e Carolina.

Em 1967, Grace aceita associar a sua imagem à Baby Dior e junta-se à inauguração da loja para crianças com a exclusiva chancela francesa. O palácio do Mónaco receberia ainda a visita de Serge Heftler-Louiche, amigo de infância de Christian Dior, outro conterrâneo de Granville, e entretanto presidente da Christian Dior Parfums — quanto à casa de banho da princesa, consta que se enchera de frascos com fragrâncias.

Couturiers, luvas até ao cotovelo e vestidos de cocktail. O teatro de sonhos de Christian Dior desembarcou em Londres

À WWD, Müller recordou como “Bohan entendeu na perfeição o seu papel: ela tinha que ter estilo, mas respeitando o protocolo”. A historiadora frisa ainda como a cronologia real inclui necessariamente um antes e um depois da atriz de cinema. “Antes de Grace do Mónaco a realeza mantinha-se um assunto do foro privado: as princesas não eram muito vistas em público, ou fotografadas pela imprensa. Ela representa um momento de viragem na etiqueta, uma verdadeira rutura”, acrescenta.

Os acessórios que compuseram a imagem de marca vão por isso além dos trajes mais formais, espelhando o quotidiano da mulher e mãe que se deixou fotografar em inúmeras situações descontraídas do quotidiano — sempre em grande estilo. O acervo inclui fatos de tweed e práticas túnicas camiseiro, e ainda acessórios, cartas e filmes que devolvem um perfil ainda mais íntimo da princesa.

Em complemento à exposição, chegará também um volume de peso, editado pela Rizzoli, que reúne os contributos do príncipe Alberto, um dos três filhos de Grace Kelly, para mais uma viagem aos arquivos da Dior e uma sessão fotográfica mítica no palácio real.

Musée Christian Dior, 1 rue d’Estouteville, Villa Les Rhumbsde, Granville. De 27 de abril a 17 de novembro. Entrada: 9 euros