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MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

A história, a tecnologia e a insubstituível mão humana. Um dia na fábrica da Vista Alegre

Há 195 anos, nasceu a fábrica que sucedeu o lugar. Hoje, é a tecnologia a moldar a porcelana, ainda que sem abdicar do trabalho feito à mão. Afinal, é esta a fórmula de sucesso da Vista Alegre.

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Há 195 anos, erguia-se a estrutura fabril que mudaria por completo a paisagem e a história da região de Ílhavo, em Aveiro, e que, a seu tempo, se tornaria num cartão-de-visita de Portugal no mundo. Nessa altura, as fornadas eram outras. A Vista Alegre nasceu com duas especialidades — a cerâmica e o vidro. Seria preciso esperar perto de uma década para arrancar em força com aquela que é, até hoje, a mais nobre e importante produção da empresa, a porcelana. A fábrica cresceu e virou lugar, o Lugar da Vista Alegre. Foi a casa de dezenas de famílias e o palco das mais diversas iniciativas artísticas e culturais.

Vivia-se ali, quase sem depender do exterior. Com um bairro, um teatro, uma capela setecentista, escola e posto de saúde, de unidade industrial a pequeno burgo, revisitar a história da Vista Alegre, o lugar, vai muito além dos fornos colossais, das rodas de oleiros e das mãos firmes responsáveis pela pintura. Hoje, há também um museu, estrutura em constante composição desde a década de 40 do século passado. A ligação àquela que, outrora, foi “real fábrica” é direta. O acervo, que conta com mais de 30.000 peças, cresce a par e passo com o portefólio da própria marca.

Na oficina de pintura manual, uma peça pode levar dias a ser concluída © Melissa Vieira/Observador

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Nos últimos anos, este património foi alvo de investimento, fruto dos esforços combinados da União Europeia e do Grupo Visabeira, há dez anos detentor da marca. Na requalificação do Lugar da Vista Alegre, que há quatro anos ganhou um hotel de cinco estrelas, o Montebelo Vista Alegre, foram aplicados 44 milhões de euros, dos quais 2.221.337 representam abonos comunitários. O projeto teve uma duração de cerca de dois anos, entre 2014 e 2016, e reafirmou o complexo como ponto de interesse cultural, para locais e para turistas, com o número de visitantes e estadias (no hotel) a crescerem a olhos vistos.

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Além da preservação da herança histórica, também a modernização dos meios de produção e o desenvolvimento tecnológico foram contemplados. Um outro investimento, este um pouco acima dos 12 milhões de euros, teve como principais alvos outras duas fábricas da marca — a CerexCor, de grés, e a CristalLux, que produz peças em cristal. O projeto, que arrancou em 2016, prevê a criação de 24 novos postos de trabalho e um aumento das vendas da Vista Alegre em 15% até 2020 e contou com 5.378.458 euros da União Europeia.

“Foi fundamental para revitalizar o Sítio da Vista Alegre e para podermos ter este upgrade tecnológico que nos torna mais competitivos à escala global”, afirma Paulo Pires, presidente executivo da Vista Alegre, ao Observador. “A construção do hotel veio ajudar muito na relação com os nossos parceiros, sejam clientes, fornecedores ou designers. Depois, os próprios turistas que ficam no hotel acabam por visitar a fábrica e o museu”, continua.

A estratégia é clara. De olhos postos noutros mercados, a internacionalização é um capítulo decisivo no futuro da Vista Alegre. Depois de Espanha, França, Itália e Alemanha, considerados mercados de proximidade, há o resto do mundo para desbravar, com principal foco nos Estados Unidos, na América do Sul, onde os planos também passam por reforçar a presença no Brasil, na Índia, no Japão e na Austrália. Está no bom caminho. Atualmente, a marca exporta mais de 70% da produção para um total de 82 países.

Interior do antigo forno, exposto na entrada do Museu da Vista Alegre © Melissa Vieira/Observador

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Olhando para trás, a marca portuguesa, praticamente à beira do bicentenário, sofreu uma mudança de rumo radical. Em 2009, o prejuízo acumulado era de 18 milhões de euros. Uma década depois, o cenário não podia ser mais díspar. Em 2018, o volume de negócios cresceu 17% face ao ano anterior e no presente ano o indicador já vai nos 19%. A empresa fechou o primeiro trimestre de 2019 com um lucro de 1,5 milhões de euros, mais do que duplicando os ganhos do mesmo período do ano precedente. São números alavancados pela reestruturação dos meios de produção e pelo investimento em novas tecnologias, juntamente com  os planos de expansão além-fronteiras.

Estes têm passado, em grande parte, pelo fomento das colaborações com marcas e designers internacionais. O trabalho desenvolvido com a Christian Lacroix é paradigmático. No total, foram já 11 as linhas e edições lançadas sob a supervisão criativa de Sacha Walckhoff, o génio por detrás da maison. Sam Baron, Piñeda Covalin, Ross Lovegrove e Oscar de la Renta são só uma amostra dos nomes internacionalmente sonantes que já passaram pela fábrica. Nos últimos dois anos, a marca soma já 30 prémios de design internacional, um percurso recente que contraria a imagem clássica e conservadora que, durante décadas, esteve colada à Vista Alegre.

O IDPool é outra das frentes. Desde 2012, já passaram por este programa de residências artísticas mais 130 jovens criadores. Chegam a Ílhavo vindos dos quatro cantos do mundo para passarem entre três e seis meses na fábrica. Muitos já viram as suas peças produzidas e comercializadas. Ajudam a continuar a escrever a história de uma marca fundada em 1824, através de um novo capítulo que herda técnica, conhecimento e tradição. E, por muito que se inove, sem eles não há Vista Alegre.

Da fonte ao hotel, a história do Lugar da Vista Alegre e a descoberta de porcelana portuguesa

Se desenharmos a evolução deste sítio ao longo dos séculos, veremos que ela terminou onde começou, há mais de 200 anos. Envolvida pelo complexo do hotel está a reconstruída Fonte do Carrapichel, monumento do final do século XVII que batizou o lugar. “Bebe pois, bebe à vontade. Acharás que é (muitas vezes) tão útil para a saúde quão para a vista alegre” — o verso lê-se na pedra e constitui a primeira referência à atual toponímia. Tida como milagrosa, a fonte acabou por se tornar um destino de romaria. A capela, cuja construção terá terminado em 1699, foi uma encomenda de D. Manuel, Bispo de Miranda. É uma igreja maneirista que hoje, findo o restauro, é palco das festas de Nossa Senhora da Penha de França, padroeira da Vista Alegre, que acontece no primeiro fim de semana de julho. Foi decretada como Monumento Nacional por D. Manuel II, já na reta final da monarquia, a 23 de junho de 1910.

A Fábrica de Porcelana da Vista Alegre em 1924 © Arquivo Vista Alegre

Quase um século antes, em 1816, José Ferreira Pinto Basto, um rico latifundiário e comerciante português, de ideologia liberal, comprou a capela e os terrenos envolventes. Vista-Alegre da Ermida era, à época, o nome da propriedade. Acabaria por fundar uma grande fábrica de loiça em 1824, depois de obtido o aval régio. Dava pelo nome de Fábrica de Vidro e Porcelanas da Vista Alegre, mas porcelanas, nem vê-las. Apesar das tentativas de produzir peças nesse material, não era possível chegar à fórmula que garantisse a dureza e a brancura desejadas num processo industrial. Augusto Ferreira Pinto Basto, filho do fundador, viajou até à fábrica francesa de Sèvres, uma espécie de visita de estudo que se revelou fundamental para, em 1832, descobrir a grande jazida de caulino na zona de Ovar. A Vista Alegre tornou-se, assim, a primeira unidade industrial dedicada à produção da porcelana em Portugal.

Tudo leva a crer que a fábrica seria, então, uma extensão de um edifício mais imponente, residência do proprietário e da respetiva família — afinal, Pinto Basto tinha 15 filhos. Num desenho de 1835, a construção já se destacava na paisagem do complexo. Mais tarde, em 1871, surge a primeira referência ao “palacete”, num texto do cronista Brito Aranha. A empresa cresceu em dimensão e em prestígio. A relação com a família real era estreita. D. Fernando II visitou a fábrica em 1851. Cinco anos antes, havia sido formado o Batalhão Nacional da Vista Alegre, um grupo de trabalhadores da fábrica mobilizado para combater na Revolta da Maria da Fonte.

No atual museu, a história da porcelana em Portugal é contada ao detalhe, dos grandes fornos de pedra, que demoravam sete dias a cozer as peças, ao serviço de chá oferecido por Américo Tomás a Grace Kelly, aquando a primeira visita oficial dos príncipes do Mónaco a Portugal, em 1964. Percorrer o acervo é revisitar modas, movimentos artísticos e os legados de passou pelos corredores da fábrica. Victor Rousseau é um desses nomes incontornáveis. Peça-chave no desenvolvimento artístico da Vista Alegre, este francês contratado em Inglaterra chegou a Ílhavo em 1835. Foi o primeiro mestre pintor da fábrica e o fundador da escola de pintura. Protagonizou uma era dourada da marca portuguesa, com a introdução de detalhes dourados, paisagens e composições florais delicadas (foi ele o autor das borboletas usadas por Sacha Walckhoff na primeira coleção da Lacroix, em 2012). O período viria a culminar na presença nas exposições universais de Londres e de Paris, em 1851 e 1867, respetivamente. Em 1880, a fábrica abandonava a produção de peças em vidro.

[Na composição, da esquerda para a direita: oficina de escultura em 1957; cafeteira pintada por Gustave Fortier e oferecida a D. Fernando II, 1852-1954; fruteiro desenhado por Ruy Roque Gameiro em 1930; os fornos contínuos da fábrica, 1968-1971; prato pintado por Victor Rousseau com insetos a policromia e ouro, 1836-1851; à entrada de um dos fornos intermitentes, o contramestre forneiro António Sarra, 1922-1947; serviço de chá desenhado por Álvaro Siza Vieira em 2004]

Raul Lino, autor do serviço comemorativo dos 100 anos, Roque Gameiro, Maria Keil, Manuel Cargaleiro, Siza Vieira — o rol é tão extenso como diverso em estilos e traços. Ainda assim, nem todo o património é palpável. Contar a história deste sítio é também recuperar a criação do Corpo de Bombeiros Privativo da Vista Alegre, a 1 de outubro de 1880. É a primeira corporação privativa do país e continua ativa. Houve em tempos um coro e uma orquestra filarmónica. A companhia de teatro Ribalta continua a subir ao palco, muito mais agora que o auditório foi reabilitado e mantém uma programação em parceria com a Câmara Municipal de Ílhavo.

Em 1915, é inaugurado um campo de jogos dentro do complexo. Nasce também a primeira equipa de futebol, embora o Sporting Club da Vista Alegre só seja oficializado em 1952. Guilherme, Eduardo e Frederico Pinto Basto, bisnetos do fundador, foram pioneiros na introdução da modalidade em Portugal. Este último terá trazido a primeira bola de futebol em 1886. Três anos depois, foi o primeiro a organizar o primeiro jogo, no Campo Pequeno, em Lisboa.

Entre mãos e máquinas, uma fábrica com 195 anos

Dividida entre o trabalho indispensavelmente manual e os avanços tecnológicos da última década, a fábrica da Vista Alegre é onde, há quase 200 anos, tudo acontece. É um lugar de contrastes, onde, em meia dúzia de passos, se passa da pacata oficina de escultura para as prensas barulhentas que moldam a pasta atomizada. Falamos de uma estrutura que foi crescendo gradualmente desde que, em 1924, ano do centenário, o então administrador João Theodoro Ferreira Pinto Basto, construiu uma nova entrada, reorganizando as estruturas e os espaços de produção.

Aqui, trabalham mais de 600 pessoas. Já foram o dobro, é certo, mas por estes dias a tendência é contratar. Lá dentro, cada par de mãos tem a sua história e são praticamente todas longas. As mulheres estão em maioria, embora não por uma grande margem. No Bairro da Vista Alegre, onde durante décadas a renda de uma casa correspondeu a um dia de salário descontado ao fim do mês, contam-se pelos dedos das mãos os trabalhadores que ainda lá moram. Entre eles está Anabela Catarino. Tem 50 anos e trabalha na fábrica há 34. A conta é fácil de fazer — com 16 anos, começou a trabalhar na secção de acabamentos. Quarto anos depois, estava no enchimento manual e, passados outros dois, conheceu a atual companheira semiautomática. Por aí ficou. “É um trabalho um bocadinho duro. Tenho de estar aqui, fixa, sempre no mesmo sítio para acompanhar a máquina”, conta ao Observador. Sendo feita de carne e osso, os movimentos surgem-lhe maquinalmente. Neste caso, são vasos moldados pela tecnologia e que depois lhe são reencaminhados para que retire o excesso de matéria nos rebordos. Num turno, podem ser produzidos até 500 exemplares.

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“Esta máquina era mais atribuída a homens. Pedi para vir para aqui, queria experimentar, ver se era capaz. Requer força, mas é mais uma questão de jeito. E depois, é o gosto por aquilo que se faz e eu adoro”, continua. Foi quando casou que se mudou para o Bairro da Vista Alegre, muito antes de este ter começado a ser convertido em novas unidades de alojamento, ou seja, numa extensão do hotel, projeto que deverá estar concluído em 2021. “O meu marido trabalhou aqui, a minha sogra foi telefonista, também aqui na fábrica, o meu sogro foi encarregado na secção de embalagem e ainda há mais história para trás”, revela. O pai da sogra e o pai do sogro eram ambos forneiros, profissão que já conheceu dias bem mais duros. A enforna era manual, com cada peça posta dentro de uma caixa de madeira chamada gazeta, e retirá-las do forno (que vai aos 1.400 graus no caso da porcelana) exigia pesados fatos de serapilheira molhada.

Da chacota para a porcelana com o seu aspeto final — imaculado e luzidio –, as etapas multiplicam-se. Os fornos podem ter perdido monumentalidade, mas a eficiência cresce ao ritmo dos avanços tecnológicos. Lado a lado, equipamentos de ponta e estruturas quase arqueológicas coexistem no mesmo espaço. Há um antigo forno em tijolo que aqui está há mais de 50 anos. Sobre ele, a estrutura em ferro que sustem o telhado e toda a cablagem. Não há grande precisão quanto à data, sabe-se apenas que terá sido projetada por Gustave Eiffel e que terá sido trazida para aqui, depois de retirada de uma estação ferroviária em Lisboa. Sem dúvida, um património para manter.

O vidrado, efeito que atribui à porcelana o seu aspeto translúcido, continua, no caso de algumas peças, a resultar de um processo manual © Melissa Vieira/Observador

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Os novos fornos de rolos vieram acelerar tudo, mas também fazer diminuir o consumo energético para cerca de metade. Um deles mede 42 metros de comprimento. De 24 horas, o tempo de cozedura passou a ser de 12 horas. Na segunda cozedura, a que garante o acabamento vidrado das peças, a redução foi ainda mais drástica — de 22 horas para apenas sete. Feitas as contas, saem de lá de dentro à volta de 25 mil peças por dia. É certo que nem todas as peças são submetidas a estes acabamento. Essas seguem diretamente para a secção de polimento, dando origem ao chamado biscuit.

Contudo, existem processos e formas que continuam a não passar pelas passadeiras, prensas e roldanas das máquinas. “O trabalho à mão é mais minucioso. Há peças que a máquina não consegue vidrar, sem disso por experiência própria”, afirma Ricardo Pereira, responsável por coordenar a equipa de vidragem manual da fábrica da Vista Alegre. São mergulhadas uma a uma numa solução aquosa e o ato repete-se centenas de vezes, sempre com peças que, pela sua forma irregular ou pela concavidade, não estão ao alcance dos jatos mecânicos. Sob a sua supervisão, trabalham 14 pessoas. Já foram mais, mas dificilmente este número irá encolher — “com a qualidade que é exigida e as peças que são, a mão humana há-de ser sempre necessária”, reforça.

Ricardo é um ex-líbris no que toca à antiguidade. Chegou há 39 anos para ganhar algum dinheiro durante as férias e nunca mais saiu. Durante quase quatro décadas, trabalhou sempre com vidração — de aprendiz a vidrador de segunda e daí a vidrador de primeira. Sem familiares na fábrica, tão pouco um especial interesse no setor da porcelana, acabou por construir uma carreira inesperada. Chegou ao topo da hierarquia, ainda que chefiar não seja sinónimo de ficar apenas a gerir o fluxo diário de trabalho. Kaizen, o método japonês do melhoramento contínuo, é aplicado diariamente. Não existem só metas e objetivos, mas também diálogo e troca de ideias que permitam aperfeiçoar o desempenho. Todos os dias, as equipas despendem de dez minutos para este balanço e a de Ricardo não é exceção.

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A palavra acabamento pode sugerir uma fatia inferior de trabalho, contudo, continuando a explorar o complexo, percebemos depressa que acabar é, na verdade, o início de um outro capítulo da produção. E quase como se entrássemos noutra fábrica, onde a impressão, o decalque e a serigrafia são feitos em série, mas dependem de processos manuais. Falamos de loiça com figuras, padrões, ou qualquer tipo de detalhe aplicado sobre o branco. A partir daqui, podem seguir-se mais uma, duas ou três cozeduras. Numa outra sala à parte, há acabamentos totalmente manuais, dos frisos dourados e em platina, aos retoques de pintura que dependem da firmeza da mão. Estamos longe das oficinas onde o trabalho é totalmente manual, quer par dar forma, quer para dar cor às peças.

Falamos da oficina de escultura, onde são poucas as máquinas realmente úteis e onde habilidades artísticas e capacidade de cálculo são igualmente fundamentais. É preciso calcular tudo ao milímetro, contar com a retração própria da porcelana (uma peça reduz cerca de 14% com a cozedura), deixar a pasta secar com temperatura e nível de humidade controlados e saber trabalhar com base na paciência. Deixamos o domínio da loiça utilitária e entramos no reino das artes decorativas, onde, numa figura sacra, as contas do rosário que segura na mão são colocadas uma a uma. Não é por acaso que uma única peça pode levar mais de uma semana a concluir, da mesma forma que aqui só trabalham os oleiros mais experientes. Por estes dias, são seis. Em alturas de maior volume de trabalho, chegam a ser 12.

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No andar de cima e a fechar o percurso de quem visita o museu, está a oficina de pintura manual. O ambiente não podia ser mais contrastante com a atmosfera barulhenta do piso inferior. Imperam o silêncio e o branco, sob o olhar atento de Armando Grave, o engenheiro mecânico que, em 1978, entrou na fábrica da Vista Alegre como estagiário. “Estou aqui há 41 anos, foi o meu único emprego até hoje”, revela ao Observador. Na altura, segundo conta, a fábrica vivia unicamente do trabalho manual. Chegavam as primeiras máquinas da Alemanha e era preciso reformatar a forma como a loiça era produzida, numa das maiores transformações pelas quais a marca passou em quase dois séculos de existência. Na qualidade de engenheiro, participou naquilo a que chama de “automatização do processo de fabrico da Vista Alegre”.

“Mas ainda não conseguimos ter robôs nem máquinas que imitem a pintura à mão”, exclama. Na sala, estão 17 pessoas, todas elas de bata branca, em secretárias amplas e bem iluminadas, e de pincel na mão. Aqui, são pintadas as edições mais especiais e limitadas da Vista Alegre, peças de coleção — o Clube de Colecionadores foi criado em 1985 e conta hoje com cerca de 2.500 membros — coloridas demão após demão. “Temos ordens específicas para aplicar as cores, cozeduras distintas para diferentes fases do produto”, explica, ao mesmo tempo que salienta a evolução que o departamento foi sofrendo, no que à química diz respeito. Em tempos, quem aqui trabalhava lidava diariamente com componentes prejudiciais à saúde, como é o caso do chumbo e mercúrio. Por isso, o desafio dos novos tempos também passou por adaptar a arte aos avanços da ciência.

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“Está a ver aqueles cavalos? São peças únicas e vão sair daqui para um leilão. Cada peça é única, mesmo que haja duas pintadas pelo menos pintor, uma a seguir à outra, nunca vão ficar exatamente iguais”, continua. Chegar aqui é um processo longo e demorado. Para começar a fazer os “trabalhos de topo”, como lhes chama Carlos, são precisos entre cinco e dez anos de aprendizagem. A fábrica nem sempre investiu na formação de gente nova, mas atualmente a estratégia é outra. “Neste momento, temos três pessoas novas, vindas do design ou de áreas com destreza manual. Estão a começar, como aqui dizemos, a fazer a mão”, afirma. Os mais velhos já passaram dos 50, o que faz lembrar que é preciso garantir a renovação da oficina. Afinal, como o próprio começou por constatar, há trabalho que as máquinas não fazem.

Ria Stone: o implacável ritmo do futuro

A poucos quilómetros do Lugar da Vista Alegre, encontramos a Ria Stone, a mais recente unidade de produção do Grupo Visabeira. O método não podia ser mais contrastante com o volume de trabalho manual mantido pela velha fábrica centenária. Equipada com tecnologia de ponta e exclusivamente dedicada à produção de peças para a Ikea, tudo está automatizado de forma a produzir em menos tempo, com menos mão-de-obra e com um menor consumo energético.

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A fábrica labora desde 2015. O contrato com a multinacional sueca, resultante de um concurso ganho pela empresa portuguesa em 2012, começou por fixar os objetivos nos 30 milhões de peças por ano, durante sete anos. Recentemente, tendo em conta o elevado desempenho da Ria Stone, foram adicionados cinco anos ao contrato, enquanto as metas de produção foram revistas para os 48,5 milhões de peças anuais. Traduzindo os números, daqui saem cerca de 160 mil pratos, travessas e tigelas por dia, com destino aos mercados português (que absorve entre 2 e 3% da produção), francês, italiano, alemão e britânico. Um investimento total de 17 milhões de euros, 14.300.000 milhões provenientes de fundos comunitários.

A fábrica não dorme e tudo é controlado online. No total, trabalham aqui 270 pessoas, ainda que nenhuma toque nas peças até ao momento de detetar eventuais imperfeições e embalar. As próprias empilhadoras têm os dias contados. Por estes dias, testam-se novos robôs inteligentes, controlados por um sistema central e capazes de contornar obstáculos. Qualquer que seja o aspeto de uma fábrica de loiça no futuro, não há-de andar muito longe disto.

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