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Este texto foi originalmente publicado a 16 de abril de 2016
Nunca foram os maiores nem os piores, mas estiveram incrivelmente perto de ser ambos. Grandes canções e grandes conflitos, grandes discos e uns quantos concertos lamentáveis, grandes músicos e grandes consumidores de substâncias de duvidosa legalidade. Mas estão vivos – essa é a primeira notícia – e agora até voltaram a tocar juntos, pelo menos Axl Rose, Slash e Duff McKagan, coisa impensável há uns meros meses, vá. Depois de uns pequenos clubes e uma passagem por Las Vegas (de todos estas experiências só há relatos eufóricos e vídeos de telemóveis nervosos), este sábado os Guns N’ Roses tocam em Coachella, provavelmente o maior festival americano da atualidade. Gente que se deu bem durante pouco tempo outra vez no mesmo palco, no mesmo ano em que se cumpre o 25º aniversário dos discos Use Your Illusion. Não sabemos no que isto vai dar, mas sabemos que estas que se seguem já ninguém nos tira. Explicamos porquê:
“Welcome to the Jungle”
Só podíamos começar por aqui. Em 1987, estavam os saudosos Nevada a ganhar o Festival RTP da Canção com o inesquecível “Neste Barco à Vela”, e a Geffen lançava o primeiro disco dos Guns: Appetite for Destruction. O título, a estética do booklet, as cabeleiras bíblicas da rapaziada, o tema de abertura, tudo prometia uma banda de hard rock, impuro e duro, como manda a lei. “Welcome to the Jungle” foi o primeiro tema do alinhamento, o primeiro single e, durante anos, o tema com que os Guns N’ Roses haveriam de abrir todos os concertos. Escrita em três horas a partir de um velho solo criado por Slash na cozinha da mãe e de um riff roubado a um tema da banda de adolescência de Duff, é uma canção sobre Los Angeles, escrita em Seattle, a partir de uma frase ouvida em Nova Iorque. Reza a lenda que, certo dia, Axl Rose escutou estas palavras de um mendigo da Big Apple: “You know where you are? You’re in the jungle, baby! You’re gonna die!”. Que terá o jovem ruivo feito primeiramente para merecer réplica tão meiga, não se sabe; sabe-se que estas exactas palavras ecoam até hoje na ponte para o refrão da canção. Foram, sobretudo, os fãs do rock pesado a descobrir “Welcome to the Jungle” nas madrugadas da MTV e a alavancar o seu sucesso. Muitos anos mais tarde, o VH1 votá-la-ia melhor canção hard rock de sempre. Mas o que a história nos haveria de mostrar é que os Guns estavam longe de ser metaleiros – o que também não queria propriamente dizer que fossem uns meninos de coro.
“Knockin’ on Heaven’s Door”
Houve “Live and Let Die”, original do casal McCartney, e “Simpathy for the Devil”, dos Stones. “Simpathy” foi, aliás, o último tema a ver a luz do dia, acompanhando os créditos finais de “Entrevista com o Vampiro”, antes de cada “Gun” começar a ir para o seu lado – Slash, Duff, Matt Sorum – até ficar Axl sozinho. Mas a grande cover destes senhores continua, provavelmente, a ser “Knockin’ on Heaven’s Door”, pequena pérola da simplicidade dylanesca. Springsteen, Clapton, Pink Floyd – toda a gente fez versões, mas só os Guns conseguiriam transformar aquele monólogo de um xerife moribundo num épico rock para multidões em delírio. Incluída no maxi-single de “Welcome to the Jungle” e nos concertos da banda logo desde 87, foi quando apareceu em Use Your Illusion II, em 91, que saltou para o topo. Ainda mais conhecida do que a versão em disco, porém, e respetivo videoclip, é o registo da actuação em Wembley, no ano seguinte, no histórico concerto de homenagem a Freddy Mercury. Foi ele que rodou, vezes sem conta, nas televisões, imortalizando a imagem de Slash guitarra de braço duplo, com um total de nada mais, nada menos, que 18 cordas, e de Axl com um lenço na cabeça, camisa de flanela amarrada à cintura, aqueles calções absurdamente curtos que só ele poderia usar e uma das suas duas T-shirts mais polémicas, mostrando o rosto de Jesus Cristo e a legenda “Kill your Idols”. A outra, já agora, tinha na frente o rosto de Charles Manson – de quem, aparentemente, Axl foi/é amigo e, atrás, uma citação de Robert Duvall, aliás Coronel Kilgore, em “Apocalipse Now”: “Charlie don’t surf”.
https://www.youtube.com/watch?v=p4CUa-GOo1g
“Don’t Cry”
Pode discutir-se a indumentária, os posicionamentos sociais ou políticos e até a música dos Guns n’ Roses, mas há algo que todos lhes devemos: trouxeram as raparigas para o hard rock. De forma quase científica, Axl e seus pares conseguiram enxertar em cada álbum um baladão delicodoce capaz de fazer suspirar tanto a adolescente 3º direito como o guedelhudo mais empedernido. A receita seria, a partir de então, repetida por toda a banda rockeira que se prezasse, dos metaleiros aos meramente, digamos, metalizados – e ajuda a explicar uma enorme parte da popularidade mainstream que o rock pesado, grunge incluído, teria na primeira metade dos anos 90. Para esta lista, convocamos “Don’t Cry”, de Use Your Illusion I.
“Patience”
O texto anterior aplica-se a esta canção, na mesma media. Muito se namorou, no fim de século, ao som de qualquer uma delas. Qual mais eficaz, na sua nobre missão de convencer jovens moçoilas de que, por trás daquele ar duro e perigoso, um rapaz também podia ter sentimentos, só o leitor o poderá dizer. No nosso caso, tem dias: hoje, “Don’t Cry” soa melhor do que “Patience”; amanhã pode já não ser assim. Só não vale dizer que o “Since I Don’t Have You” é melhor. Não é.
“Civil War”
É uma grande malha e, provavelmente, das menos conhecidas dos californianos. Depois de mostrarem que tinham sentimentos, coração, essas coisas, os Guns revelavam aqui que uma rock star cabeluda também podia possuir uma consciência social. Mais do que as infelizes posições sobre gays, negros, imigrantes, o que lhe passasse pela cabeça, que Axl foi soltando ao longo da carreira, deve ficar-nos na memória o sólido protesto anti-guerra de “Civil War”. Originalmente incluído na compilação Nobody’s Child: Romanian Angel Appeal, álbum de solidariedade promovido por George Harrison, cujas receitas revertiam a favor de crianças romenas órfãs, apareceria, um ano depois, em Use Your Illusion II. Para gravar essa versão definitiva, foram precisos qualquer coisa como 30 takes, cortesia dos efeitos secundários da toxicodependência de Steven Adler. E foi assim que o baterista original dos Guns assinou, definitivamente, o despedimento e a substituição por Matt Sorum. Danos colaterais da “Civil War”.
https://www.youtube.com/watch?v=nIR-IUslDcc
“Paradise City”
Vamos lá ver… “Take me down to the Paradise City / Where the grass is green and the girls are pretty / Oh, won’t you please take me home”. Que é como quem diz: “Leva-me a Paradise City, onde a relva é verde e as raparigas são bonitas, Ó, por favor, não me levas a casa”. Não será, concedamos, Shakespeare. Mas, às vezes – muitas vezes – é tudo o que queremos do rock: que seja claro, directo, orelhudo, carnal. Foi o terceiro single de Appetite for Destruction, quando os Gn’R já estavam catapultados para as estrelas – o que quer dizer que tem quase 30 anos… Continuaríamos a cantá-la, imediatamente e em coro, em qualquer altura, em qualquer lugar.
“Used to Love Her”
Outro momento de fraca poesia e excelente rock: “Dantes eu gostava dela, mas tive de a matar, tive de a enterrar, e ainda a oiço queixar-se”. Estávamos em 1988, o ano em que nasceu Rihanna. Correm duas versões sobre a origem da canção: o guitarra-ritmo Izzy Stradlin diz que foi ele que, um dia, se cansou de ouvir um tipo lamentar-se na rádio sobre a namorada que o tinha deixado, reescreveu a história e deu-lhe um novo final. O guitarra-solo-e-lenda-viva Slash diz que não. Que é só uma música acerca da cadela de Axl. Em qualquer dos casos, paz à sua alma.
https://www.youtube.com/watch?v=gh7cas-gSi0
“You Could Be Mine”
O rock nunca foi nem será muito melhor do que isto. São os Guns no auge da popularidade, em 1991, a corresponderem ao convite de James Cameron para assinar o tema oficial de “Exterminador Implacável II”. Numa célebre cena do filme, Schwarzenegger esconde a caçadeira num ramo de rosas; a citação é devolvida na canção, com o inconfundível “Hasta la vista, baby”, a soar, entre guitarradas, com o inconfundível sotaque de Arnie. A sua intro de um minuto de solo de guitarra e bateria abriu, à força, o caminho dos dois históricos volumes dos álbuns Use Your Illusion.
https://www.youtube.com/watch?v=vygQZ9hYqyE
“November Rain”
Há o rock, há as baladas e, depois, há isto. “November Rain” é o épico, ópera sem canto lírico, a mais longa canção de sempre a alguma vez entrar para o Top 10 dos discos mais vendidos nos Estados Unidos. São quase nove minutos que podiam nunca ter sequer conseguido passar na rádio e que, afinal, ficaram para a história. Os créditos têm de ser todos entregue a Axl Rose, a quem pertence, exclusivamente, a autoria do tema (diz-se que trabalhou nele durante oito anos), mas é impossível pensar em “November Rain” sem pensar numa série de outros contributos. O coro, repetindo, como uma assombração os versos “Don’t ya think you need someone / Everybody needs somebody / You’re not the only one / You’re not the only one”. A lindíssima Stephanie Seymour, então namorada de Axl e estrela do videoclip. E Slash, no dito cujo, abandonando o casamento numa igreja que, por dentro, é sumptuosa, com centenas de convidados e, por fora, uma magra capela no deserto, para se lançar naquele solo de super-herói.
“Sweet Child O’Mine”
Slash não gostava dela e terá nascido de um simples exercício de aquecimento, entre ele e Adler, antes de um ensaio. Há quem a ache um plágio de “Unpublished Critics”, tema audivelmente mais modesto dos Australian Crawl, banda que chegou a liderar os tops da Oceânia e também conhecidos no resto do mundo como os… quem? A verdade é que, todos estes anos depois, é capaz de pôr um estádio inteiro a saltar em menos de três segundos. A ela essencialmente se deve o facto de “Appetite for Destruction” ser o álbum de estreia mais bem-sucedido da história da música norte-americana e, consequentemente, uma enorme parte na responsabilidade de os Guns não terem sido apenas mais uma banda de guedelhudos rockeiros que iam cortar o cabelo e guardar as guitarras assim que crescessem. Quando começou a ler este texto, Axl, Slash, Duff e etc, ainda estavam juntos; agora, não sabemos. A pergunta que agora se põe é a mesma que Axl atirava em loop, no fim de “Sweet Child…”: “Where do we go? Where do we go now?”
Alexandre Borges é escritor e guionista. Assinou os documentários “A Arte no Tempo da Sida” e “O Capitão Desconhecido”. É autor do romance “Todas as Viúvas de Lisboa” (Quetzal).