Pouco mais de um ano depois da publicação de Fogo e Fúria, o polémico livro do jornalista Michael Wolff sobre a presidência de Donald Trump, chega a Portugal a sequela, Trump Debaixo de Fogo. O livro, que será publicado esta quinta-feira pela Actual Editora, foca-se no segundo ano do mandado do presidente, “onde a fúria de Trump se vira contra si mesmo”.
O muro na fronteira com o México, o shutdown, os acordos comerciais externos e o Brexit são alguns dos temas tratados. Trump Debaixo de Fogo fala também da relação do presidente norte-americano com Vladimir Putin, que é tratada no capítulo do qual o Observador publica alguns excertos.
Trump e Putin
“A acusação lançada pelo gabinete do conselho especial contra os 12 agentes dos serviços de informação russos, anunciada durante a visita do presidente à rainha, chegara três dias antes de Trump abandonar as suas férias de golfe na Escócia e comparecer na cimeira em Helsínquia com Vladimir Putin, o presidente russo.
A acusação tornava claro que, em 27 de julho de 2016, piratas informáticos russos tinham tentado violar o servidor de e-mails privados de Clinton – o mesmo dia em que Trump, publicamente, solicitara aos russos que o fizessem. (Trump insistiria, mais tarde, que não passava de uma piada, com elementos da campanha a atestar que estava a ler um discurso preparado e quase não sabia o que estava a dizer.) Estes piratas tinham, em seguida, infiltrado tanto a campanha de Clinton – pirateando a conta de e-mail pessoal do diretor de campanha de Clinton, John Podesta – como o Comité Nacional Democrata; subsequentemente, divulgaram materiais que tinham roubado, embaraçando profundamente a campanha Clinton e os Democratas.
A acusação esboçava uma operação de espionagem cibernética contra espionagem cibernética. Na verdade, uma implicação da acusação era a de que a comunidade dos serviços de informação dos Estados Unidos sabia o que os russos estavam a fazer ao mesmo tempo que o faziam, mas optara por não os impedir – porque, nesse caso, seguindo a teoria da espionagem convencional, os russos perceberiam que tinham sido descobertos.
Os piratas, defendia a acusação, estavam em contacto com uma pessoa com ligações a elementos relevantes da campanha. Esta era, por inferência clara, Roger Stone. Se havia alguém que representasse bem a natureza irregular da campanha de Trump, era Stone, uma combinação vívida, embora instável, de alguém que procura publicidade, um artista, um aventureiro sexual e um conspirador que ninguém levava a sério, provavelmente nem mesmo Donald Trump.
«Se tudo o que Mueller tem é Stone, não tem grande coisa», disse Bannon, tentando sempre analisar o que Mueller tinha, de facto.
Mas, afinal, a acusação do conselho especial também parecia ter um momento de suspense, dado que estava prestes a silenciar-se. Estávamos a meio do verão; sempre inclinado a agir de acordo com as regras, Mueller tinha pouca probabilidade de fazer muito mais que pudesse ter um impacto sobre as eleições de novembro. Mais, a pequena equipa de Mueller tinha de se preparar para os dois julgamentos de Paul Manafort que decorreriam sequencialmente em agosto e setembro, o seu primeiro desempenho público significativo e do qual teriam de prestar contas.
E quanto ao facto de o final da temporada ter ocorrido horas antes de Trump se encontrar com Putin – bem, observou Bannon, é isso que fazem os bófias. Aumentam a pressão sobre os seus alvos e, depois, ficam a ver as reações.
*
Seria simplesmente Trump e Putin, com tradutores ao seu lado. Um debate direto entre dois homens. Dois presidentes sentados numa mesa em Helsínquia, um local favorito para as cimeiras russo-americanas.
Trump insistira em não ter mais ninguém presente na sala. Mike Pompeo, uma das poucas pessoas em relação a quem o presidente se mostrava, pelo menos algo respeitoso, disse-lhe que não era possível, que pelo menos o secretário de Estado devia estar na mesma divisão. Mas Trump ignorou-o: «Tenho medo de fugas, de criadores de fugas.» O que, por inferência, parecia significar Pompeo.
Todos os elementos da política externa estabelecida – incluindo Pompeo, o diretor do conselho de segurança nacional, Bolton e Kushner, com o seu vasto portefólio de política externa – estavam à beira de um colapso profissional. Os presidentes dos Estados Unidos e da Rússia encontrarem-se a sós? Era inaudito, mas especialmente tendo em consideração a investigação russa era uma loucura. No entanto, com uma espécie de ânsia burocrática, os elementos da política externa reajustaram-se. Era Trump – o que haveriam de fazer?
Trump tinha um plano, concluíram Mike Pompeo e John Bolton: o plano era «falar animadamente».
Trump gabava-se, frequentemente, dos seus poderes de persuasão. «Não há ninguém capaz de dar graxa como eu», sublinhava. No círculo de Trump, tal era entendido como uma estratégia de fixação. Jared e Ivanka eram grandes proponentes desta explicação do comportamento de Trump. No imobiliário fazia-se de tudo para garantir que o representante de uma grande marca servisse para atrair outros clientes para o seu espaço. O magnata era famoso por ser implacável na procura de um inquilino estrela. Se um potencial responsável por um negócio prometedor que ele tivesse em mente dissesse que estava a dormir com a esposa de Trump, este responder-lhe-ia: bem, deixe-me ir buscar o champanhe. Até alcançar a assinatura e o depósito não havia limite para o aviltamento que Trump estava disposto a tolerar. Depois, no inverno, esquecer-se-ia do aquecimento.
Veja-se como funcionara bem em Singapura com Kim Jong-un! Trump tinha dado graxa a Kim e, em troca, Kim tinha dado graxa a Trump. E mesmo que nada mais mudasse, o temperamento mudara. A hostilidade pública tornara-se uma acomodação pública, até uma ternura – embora ainda nuclear. Isso era uma vitória, não era? E tudo se devera a uma conversa animada.
Se Trump emergisse do seu encontro com Putin a caminhar de mão dada com o peso-pesado russo, também isso seria uma vitória. Ele, Trump, teria utilizado o seu charme e a sua diplomacia pessoal para conquistar o adversário – tudo sozinho. Para o presidente, parecia um caso encerrado. Seria o exemplo perfeito de mais uma das suas máximas do mundo dos negócios: «Apanhem o fruto ao vosso alcance.» Se Trump e Putin se cobrissem de elogios, seria muito menos provável que se ameaçassem mutuamente ou exigissem coisas um ao outro. Por ora, Trump precisava apenas de um aperto de mão. Mais tarde poderia esquecer-se do aquecimento.
(…)
A caracterização de Trump por Bannon depressa se tornou quase universal no círculo de Trump: «Ele parecia um cão espancado.» Até Jared, provavelmente sem saber que a descrição tinha a sua origem em Bannon, a repetia.
Para todos no mundo Trump restava apenas uma questão: o que poderia ter acontecido ali dentro?
Trump e Putin tinham entrado como iguais e emergido como vítima e vencedor. Como é que a decisão de «falar animadamente» de Trump se transformara numa tão óbvia humilhação? Putin devia ter encurralado o presidente com argumentos pavorosos – talvez uns lhe ameaçassem a vida! Mas qual teria sido, exatamente, o motivo da pressão? O que tinha Putin? Quase todos na Casa Branca se juntaram ao debate.
«O que poderia ser?», perguntavam os elementos da sua equipa, excitados.
Bannon ia eliminando possibilidades.
A gravação das raparigas a urinarem em cima da cama? «Garanto», disse Bannon, «que se uma tal gravação existisse, e se viesse à tona, ele se limitaria a dizer de um modo absoluto e descarado que a figura que era a imagem de Donald J. Trump não era ele. Fake. Falso. Não o faria abrandar.»
Don Jr. a tentar comprar os e-mails? «Ele não quer saber de Don Jr. Estás a brincar?»
Prova de que os oligarcas o haviam ajudado, que os multimilionários russos tinham comprado as propriedades de Trump a preços inflacionados? «Ninguém quer saber. O Trump sabe disso. Não o afetaria.»
Provavelmente mais devastador do que uma manobra de chantagem, talvez Putin tivesse lançado um ataque concertado à inteligência de Trump.
«Esqueçam as questões fiscais, e se ele tivesse as suas notas da faculdade?» Aquela era uma piada familiar na Casa Branca. Muitos dos amigos de Trump acreditavam que a raiz da sua vergonha e segurança intelectual era os semestres consecutivos repletos de insuficientes.
E se Putin tivesse transformado a reunião, passando de uma conversa alegre para um interrogatório geopolítico? Quão cruel, perguntou-se Bannon, poderia ser Putin, realmente? Pedira ele a Trump que apontasse a Crimeia no mapa? «Oh, meu Deus, não a relação entre a Crimeia e a Ucrânia. Por favor, não lhe perguntem isso!»
Bannon acreditava que existiam dois presidentes narcisistas, tipo líder de culto no palco mundial. Ambos tinham talentos populistas, no entanto estavam ambos à procura de benefício próprio. Dos dois, Putin era muito mais inteligente.
Durante anos, Donald Trump namoriscara Vladimir Putin à distância, fazendo-lhe constantes apelos, o equivalente a ansiosas mensagens de texto. Putin permanecia distante, tornando bem claro que existia um sistema hierárquico. Quando, em 2013, Trump apareceu em Moscovo com o seu concurso de beleza – na altura em que supostamente terá sido feita a gravação das raparigas a urinar em cima da cama –, Putin permitiu que ele pensasse que se iam encontrar, que compareceria no concurso de Trump. Em vez disso, Putin ignorou-o. Não com rudeza: ele era mais polido do que isso. Pelo contrário, a mensagem era: sim, um dia encontrar-nos-emos, mas não agora. Bannon teorizava que Trump poderia não ter estado interessado na ajuda russa durante a campanha; provavelmente desejava apenas a atenção russa, o interesse russo – o reconhecimento de Putin.
Agora, em Helsínquia, depois de duas horas juntos numa sala, Trump tinha, em teoria, conseguido finalmente aquilo que desejava. Era igual a Putin.
Então porque é que parecia um cão espancado?