Quem ganha e quem perde votos com as notícias que sugerem o envolvimento do Presidente da República no caso Tancos? A partir de Nova Iorque, Marcelo Rebelo de Sousa mostrou não ter gostado de ver o seu nome mais uma vez arrastado para a lama – para mais na véspera da acusação chegar a público -, e pegou no megafone: “O Presidente não é criminoso”. A frase teve força suficiente para atravessar o Atlântico e arrombar as campanhas de cada um dos partidos que hoje planeavam provavelmente um dia mais centrado nas suas próprias agendas.
Tancos. “É bom que fique claro que o Presidente não é criminoso”, diz Marcelo
A ver pelas inevitáveis reações, quase ninguém parece acreditar que há votos a ganhar com o ressurgir desta polémica, e todos se apressaram a exorcizá-la e a remeter o tema para a área da justiça. António Costa foi o mais lacónico, respondeu de raspão, não referiu o envolvimento de Marcelo nas notícias e disparou com um “Isso é da justiça”.
Do lado oposto, horas antes, e aos microfones da TSF, Rui Rio colocava-se ao lado de Marcelo: “Envolvimento do Presidente da República não vejo nenhum”, começou por dizer, acrescentando que é preciso “muito cuidado” e que é “leviano” envolver o nome deste e de qualquer outro Presidente da República em processos judiciais.
Rui Rio apazigua a polémica no caso do Presidente da República, e minutos depois alimenta a guerra com Centeno (cujos ganhos eleitorais são difíceis de perceber, tendo em conta que se trata da figura mais popular do governo). O líder do PSD não gostou das referências feitas na noite anterior pelo ministro das Finanças e respondeu-lhe à letra:
O dr. Mário Centeno chegou à política há muito pouco tempo. Pelos vistos não observou o que se passou nos últimos 20 ou 30 anos em Portugal. Vir explicar-me a mim o que é pôr as contas certas e arrumar as finanças — se tem o desplante de o dizer a mim — não sabe o que está a dizer. Não tem noção. Ensinar-me o que é rigor financeiro?”
E se as críticas a Centeno já levam alguns dias, o que tinha estado arredado da narrativa de Rio era o ataque aos que identifica como opositores internos. Até agora. Rio não gostou de ver Marques Mendes ao lado de Margarida Balseiro Lopes num comício em Leiria e deu conta do seu mal-estar perante “as pessoas que durante um ano e tal procuraram destruir a minha liderança e a direção nacional e que agora aparecem a fazer campanha são hipócritas”.
Rio não gosta de farsas (embora na noite anterior a campanha PSD tenha promovido um teatro para denunciar os males da governação socialista) e chegou a antever que António Costa iria promover uma em breve. Ficou no ar a dúvida sobre se se referia ao caso Tancos, mas não – garantiu o próprio.
Certo é que o caso entrou mesmo na campanha e à esquerda, tal como à direita, houve a mesma tentativa de não contaminação. Catarina Martins lembrou que “o caso que não é de agora” e que, por isso, “não deve ser um caso de eleições”. Evitou especular e pediu que a justiça “faça o seu caminho” e que se apurem responsabilidades e consequências. O mesmo pediu Jerónimo de Sousa, acrescentando que “por enquanto, vale a palavra do Presidente e vale essa necessidade de apuramento dos factos”, disse. André Silva assinaria por baixo, dizendo não querer “alimentar mais ruído em torno de um caso que precisa de muitos mais esclarecimentos”.
A única que aproveitou para introduzir narrativa de campanha foi Assunção Cristas, que poupou o presidente da República – nunca respondeu diretamente a nenhuma pergunta que os jornalistas fizeram sobre Marcelo – mas desviou a mira para o governo.
Entendemos que o Governo esteve muito mal e não é por acaso que o CDS tem sido extraordinariamente crítico deste Governo por várias razões, mas também por esta. Pela degradação muito grande das áreas de soberania em que o Estado de facto ficou numa situação que não consideramos sequer pensável”.
De resto, “é tempo de deixar funcionar a justiça”. Cristas precisa de alimentar esta guerra com o governo (afinal, está em campanha), mas talvez dispensasse problemas na frente interna. A participação de Paulo Portas num evento de campanha ao lado de João Almeida em Aveiro, e não ao lado da líder, obrigou Cristas a justificar-se aos jornalistas, a garantir que, no CDS, estão “todos a trabalhar no mesmo sentido” e a prometer para breve uma visita do ex-presidente.
Um facto que acabou por estragar a mensagem que levava para o dia de campanha, que passava pela valorização “do interior do interior”, com visitas a empresas exportadoras e ainda uma passagem pelo Douro para atacar as esquerdas por aplicarem um “modelo igual ao do regime ditatorial” que obriga ao associativismo para se poder produzir vinho.
Portas em paralelo obriga Cristas a falar sobre a “valorização do interior” (do CDS)
As esquerdas não lhe deram resposta, claro, desde logo António Costa que, mesmo que quisesse, nem tem tido pontos de agenda suficiente para isso. O comício da noite foi marcado para Loulé, sendo que o outro único ponto revelado na agenda foi um almoço na Associação Caboverdiana de Lisboa onde perante uma plateia de migrantes pôde fazer caça ao voto junto destes eleitores, com discurso à medida. Lembrou o que tem no programa eleitoral para promover a integração de imigrantes, explicou que “não somos a Suécia” e que “Portugal precisa de mais imigração”. E prometeu avançar com a livre circulação CPLP.
Costa entre a cachupa e as mornas, remete o caso Tancos “para a justiça”
Para trás ficou a zanga com o Bloco de Esquerda por causa das negociações iniciais da formação da “geringonça”, até porque o PS foi o último a falar. No final do dia de terça-feira, ao Observador, Fernando Medina veio revelar que a reunião que teve com dirigentes do BE na manhã das Legislativas de 2015 “não foi de forma alguma a cimeira fundadora da geringonça”.
O Bloco não regressou ao assunto, mas registou. E como quem vai à guerra dá e leva, ao início da tarde voltou a atacar o PS, mas noutra frente. Catarina Martins tinha começado o dia a pedir “voto útil” no BE para evitar a maioria absoluta do PS, mas isso já os socialistas estão cansados de ouvir.
Catarina Martins usa legislação laboral para colar PS à direita
À tarde, quando a coordenadora bloquista seguia para Faro, para falar sobre alterações climáticas no Centro de Ciências do Mar do Algarve, o líder parlamentar do partido publicava um tweet onde anunciava que as alterações à legislação laboral aprovadas pelo PS contra os partidos da esquerda, já tinham chegado ao Tribunal Constitucional às mãos de BE, PCP e Verdes.
Está entregue no T. Constitucional o pedido de fiscalização das alterações ao Cód. do Trabalho.
PS apoiou-se na direita para insistir no alargamento do período experimental,aumentando a precariedade, atacando a constituição e os jovens.
A luta por emprego com direitos volta ao TC— Pedro Filipe Soares (@PedroFgSoares) September 25, 2019
Foi o isco necessário para aguçar a curiosidade dos jornalistas que, logo a seguir, estenderam microfones e gravadores a Catarina Martins. E assim se consumava o ataque do dia:
Achamos que é um erro que o PS tenha decido acabar esta legislatura não no acordo de combate à precariedade que tinha feito à esquerda mas num acordo patronal com o apoio da direita que acaba por aprofundar a precariedade e ir contra o TC. É um caminho diferente daquele que fizemos ao longo dos últimos quatro anos”.
A notícia já corria ainda Jerónimo de Sousa não tinha terminado a visita ao Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia, em Braga. À saída, acompanhou as críticas do Bloco, dizendo esperar “a celeridade necessária” para que possa ser corrigido aquilo que as esquerdas parlamentares consideram “uma injustiça social e simultaneamente uma inconstitucionalidade”.
Jerónimo espera do TC a “celeridade necessária para corrigir aquilo que é uma inconstitucionalidade”
O local onde estava nem era a despropósito, já que pôde também denunciar a situação de precariedade em que vivem os bolseiros e os investigadores e que “não encontrou resposta nas alterações à lei laboral do PS”.
As guerras em campanha contra os adversários eleitorais são um clássico, mas é preciso saber escolhê-las. E, com polémicas ainda frescas na memória, a CDU não quis arranjar uma com quem dá prioridade às alterações climáticas e aos direitos dos animais. Afinal, a coligação é composta por dois partidos e um deles chama-se “Os Verdes”. Vai daí, uma visita prevista na agenda há vários dias, a uma exploração bovina em Ponte Lima, foi substituída à última hora – por “razões técnicas” – por uma mais consensual visita a uma exploração de cogumelos. Jerónimo acabou a provar shitake em vez de bife, mas não se importou. Gosta dos dois.
Calhou bem, porque o PAN também não estava virado para guerras, mas para construir entendimentos. Às provocações de Catarina Martins sobre entendimentos com o PS, André Silva respondeu em forma zen e disse que o importante é criar pontes, quer à esquerda, quer à direita, para fazer avançar algumas causas. E até lembrou as parcerias frutuosas com o Bloco nestes quatro anos.
PAN arranca campanha com denúncias de transporte de animais — e quer alianças com os outros partidos
O PAN aproveitou o primeiro dia na estrada neste período oficial de campanha para se dedicar ao bem-estar animal. É uma causa que no passado lhe rendeu muitos votos e que esteve bastante arredada do discurso de André Silva, pelo menos durante os debates. A caravana do PAN passou a manhã no Alentejo a denunciar o transporte de animais sem condições, depois denunciou a escravidão na agricultura e acabou em castro D’aire onde o líder do partido subiu a um escadote e, com os jornalistas a registar o momento, montou um ninho para aves e um abrigo para morcegos.
Voto a favor
Assunção Cristas usou o caso para atacar genericamente o governo, mas nenhum partido quis fazer das últimas informações sobre o caso Tancos um tema de campanha. É verdade que a notícia acabou a dominar o dia, mas quando há tanta coisa por esclarecer, ninguém cedeu à tentação de a explorar gratuitamente
Rui Rio confirmou que o registo de alguma informalidade, o sentido de humor e a sinceridade desconcertante com que fala lhe têm atraído apoios. Esta quarta-feira, ouviu isso mesmo de um eleitor “não-simpatizante”. Está a gostar mais do candidato a primeiro-ministro do que gosta do presidente do PSD.
Voto contra
Podem ser duas facetas diferentes, mas Rui Rio (como ele próprio explicou) é a mesma pessoa. E desta vez não resistiu a voltar à guerra contra os “hipócritas” dos opositores internos que depois aparecem em comícios de campanha. Para além disso, incompreensivelmente, continua a permitir que um dos maiores trunfos eleitorais do PS – Mário Centeno – entre no seu discurso de campanha.
Falta algum foco na caravana do CDS quando, pelo segundo dia consecutivo, se permite que Paulo Portas roube o holofote a Cristas mesmo nunca estando ali ao lado da presidente do partido. Ontem foi notícia por ter sido anunciado que é o mandatário da lista por Aveiro. Hoje voltou a ser porque apareceu na campanha ao lado de João Almeida, em Aveiro, obrigando Cristas a explicar – a vários quilómetros de distância, que o partido está todo a trabalhar para o mesmo objetivo.
Fotografia do dia
No primeiro dia de campanha oficial em que foi para a estrada, André Silva, do PAN, subiu a um escadote para colocar um abrigo para morcegos, durante uma visita ao Programa Castro Verde Sustentável – Liga para a Proteção da Natureza, na Herdade de Vale Gonçalinho.
Papa quilómetros
PS – A agenda é curta, mas as distâncias nem sempre. António Costa teve um almoço em Lisboa e ao fim do dia seguiu para Loulé, onde encerrou o dia de campanha com um comício. Total do dia, 265 km, para um acumulado de 345 km.
PSD – 155 km neste segundo dia de campanha oficial na estrada. Rio andou por Beja, pela Vidigueira, Mourão e Évora. Total de 452 km nestes dois dias.
CDS – Cristas arrancou o dia no Porto, seguiu para Vila Real, passou pela Régua e Miranda do Douro e termina em Viseu. No total, 540 km. Tem um acumulado de 990 km. É a recordista, para já.
BE – O Bloco fez hoje 407 km, no percurso Santarém-Benfica-Faro-Quarteira. Totaliza 626 km.
CDU – A caravana comunista começou a viagem a partir de Samora Correia, subiu para Arcos de Valdevez, passou por Braga, Guimarães e Porto, e terminou com um comício em Vila Nova de Gaia. Foram 535 km num só dia, para um total de 847 km.
PAN – Num veículo híbrido, o partido de André Silva começou o dia em Sines, seguiu viagem para Santiago do Cacém, passou por Castro Verde e terminou a viagem em Faro onde a comitiva vai passar a noite. Total, 232 km.
O Caça ao Voto é uma análise diária ao dia de campanha com os contributos dos repórteres do Observador na caravana de campanha, Rita Tavares, Rita Dinis, Rui Pedro Antunes, José Pedro Mozos, Rita Penela e João Francisco Gomes. A Fotografia do Dia é uma escolha do editor de Fotografia João Porfírio.