A posição de Marine Le Pen sobre a saída de França da União Europeia já não é tão intransigente como noutros tempos, ainda que no encontro do ID, em Lisboa, tenha continuado a sublinhar que é “contra a UE”. Mas o posicionamento do Chega relativamente ao da líder da Rassemblement National também não está tão distante como pode parecer. O Chega não é contra a UE, mas é contra “esta UE”. A diferença, neste caso, não está num parágrafo, mas num pronome.

No dia em que André Ventura se sentou ao lado de dois líderes da extrema-direita na Assembleia da República, uma frase de Le Pen chamou a atençaõ: “Somos contra a União Europeia e é porque gostamos da Europa que estamos contra a UE.” As palavras levaram a questões dirigidas ao presidente do Chega, que se escudou numa ideia de “refundação da UE” que desse “mais poderes” aos estados-membros em temas como as migrações ou o controlo de fronteiras. Há um ponto em que a clareza é total: o partido não quer que Portugal saia da UE nem do euro. Mas será que o Chega está assim tão longe do que pensa Le Pen?

A ex-líder do Rassemblement National e rosto mais conhecido do partido de extrema-direita francês justifica o facto de lutar “contra a UE” com o facto desta querer “impor um modelo único a todos países”, em que não existe “soberania”. A posição do Chega é a mesma. Diogo Pacheco Amorim, ideólogo do Chega e o homem do partido que fez inicialmente a ponte com os partidos irmãos, esclarece: se Le Pen disser que é contra “esta” União Europeia, o Chega concorda. A diferença está no pronome.

“Diria que Le Pen se esqueceu de dizer estamos contra esta UE, ou seja, contra o caminho federalizante que a atual UE está a tentar percorrer”, explicou Pacheco Amorim. Numa interpretação das palavras de Le Pen, o ideólogo do Chega diz que as declarações são “no sentido de que esta UE está a avançar a passos de gigante no sentido de uma federalização que o Chega não quer, nem pode aceitar”, frisando que a posição oficial do Chega é a “manutenção de Portugal na UE”, mas “não aceita qualquer solução federalista”. Tal como Le Pen, Pacheco Amorim argumenta que a defesa do Chega assenta numa “Europa das nações na qual estas mantenham intacta a sua soberania”.

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Ainda assim, Diogo Pacheco Amorim realça que “os partidos do ID não têm de ser clones uns dos outros” e que “haverá diferenças entre eles, mas estão reunidos no essencial”.

Na conferência de imprensa na Assembleia da República, ao lado de Le Pen e de Tino Chrupalla, líder da AfD, da Alemanha, André Ventura esclareceu que o Chega “não defende nem defenderá a saída de Portugal da União Europeia, mas defende a reforma da União Europeia”. E realçou que a tal refundação deve basear-se em dar “mais poderes aos governos para controlo de fronteiras, de migrações, mas também para alterar políticas económicas que estão a favorecer mais a China que os países europeus”. “Nunca esteve em causa a presença de Portugal na UE”, assegurou, com Diogo Pacheco Amorim a esclarecer ao Observador que o Chega vê como “essenciais as quatro liberdades” da união — livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais.

No partido há a consciência de que o Chega é mais moderado do que outros partidos da família política europeia que integram o ID — desde logo porque a própria Le Pen em tempos já fez campanha a apelar ao ‘Frexit’ (saída de França da União Europeia) — e considera-se impensável tanto a saída da União Europeia, como da zona euro devido ao impacto que isso teria em Portugal.

Portanto, o partido liderado por André Ventura tem como objetivo investir numa Europa menos centralista, que assente nos valores iniciais de fundação da UE e que devolva poder aos países. Ou seja, o Chega recusa que os estados percam soberania ao serem obrigados a adotar diretivas comunitárias e que não possam decidir sobre questões que, aos olhos do partido, apenas dizem respeito ao próprio país.

No fundo, o Chega não abdica da relação comercial que a UE permite nem sequer da questão das fronteiras, por considerar que têm de ser garantidas em termos de segurança e defesa (neste particular rejeitando a ideia um exército europeu, como chegou a ser defendido pelo Presidente francês Emmanuel Macron, por, mais uma vez, entender que mexe na autonomia e soberania dos países). Mas não aceita aquilo que diz ser uma Europa federalista.

Um problema adiado, não resolvido

O Chega tinha na Europa o próximo grande desafio do partido até que António Costa se demitiu e Marcelo Rebelo de Sousa convocou eleições antecipadas. As agulhas de Ventura que estavam todas apontadas para a tentativa de conseguir eleger o primeiro eurodeputado, voltaram a focar-se na política interna, na necessidade de montar uma estratégia e uma equipa para preencher uma bancada que, segundo as sondagens, pode voltar a aumentar consideravelmente.

Se ainda em setembro o partido reunia os jovens na Academia de Verão e se focava no tema da Europa (“Quo Vadis Europa?”, em português “Para onde vais Europa?”), com destaque para um protocandidato que começava a ganhar espaço, António Pinto Pereira, frente a um que há muito era dado como o nome mais provável, António Tânger Corrêa, agora esse debate ficou para segundo plano. Mas não perdeu a importância, tendo em conta que as eleições são o auge de um caminho de afirmação que André Ventura há muito anda a construir.

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André Ventura faz questão de marcar presença em eventos importantes para o ID e, além do líder, há vários dirigentes a fazê-lo em representação do partido. O último encontro da juventude europeia do ID, que contou com a participação de Rita Matias e onde estiveram vários dirigentes, foi encerrado por André Ventura, em que abordou temas como imigração islâmica (“Se não pararmos esta loucura de imigração islâmica para a Europa, o que aconteceu em Israel pode acontecer em qualquer capital europeia nos próximos anos”, escreveu no X, ex-Twitter) e da justiça para com líderes de direita, questionando os casos de Bolsonaro, Trump e Salvini. Nesse mesmo evento, Rita Matias fez questão de sublinhar que André Ventura atuou “como um dos principais oradores”.

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Na Europa, e junto dos partidos irmãos, o presidente do Chega tem vindo a investir numa posição de força, numa tentativa não só de se tornar num peso pesado no ID, como também de ser uma espécie entre a sua família política na Europa e o ECR. Já em outubro de 2021, num comício do Vox em Madrid, que pertence à família do ECR, André Ventura tinha lançado o mote para uma ideia de que a união à direita faz a força — coisa que tem vindo a apelar em Portugal sem nenhum sucesso: “A nossa batalha não é só partidária. Aliás, não é uma batalha partidária. Decidimos estreitar esforços e aproximar os nossos partidos em Portugal, em Espanha, na Grécia, em Itália e no Brasil porque hoje existe uma ameaça real às nossas sociedades.”

Ao Observador, Diogo Pacheco Amorim já tinha dito que “desde o princípio”, e salvaguardando a ambição junto dos dirigentes do ID, o Chega sempre quis “ter ótimas relações com partidos do ECR porque assume como tarefa fundamental a reunião de ID e ECR num único partido”. A guerra na Ucrânia e o posicionamento de partidos dos dois lados levaram a algum afastamento, mas o dirigente do Chega recorda que no momento em que o partido entrou na família as diferenças entre ID e ECR era “mais acentuadas” e que tem sido percorrido um “caminho em comum”.

Ainda que as europeias não sejam o maior problema que André Ventura tem em mãos, o líder do Chega terá de fazer as listas de candidatos à Assembleia da República a contar com a necessidade de ir a votos com um nome forte para conseguir levar o partido ao Parlamento Europeu — até porque, como vários dirigentes do Chega foram dizendo ao Observador, o facto de a Iniciativa Liberal concorrer com um nome de peso como João Cotrim Figueiredo, pode desviar parte dos votos da direita.