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Várias tecnológicas registaram um abrandamento das receitas e deixaram avisos sobre crescimentos mais lentos nos próximos meses.
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Várias tecnológicas registaram um abrandamento das receitas e deixaram avisos sobre crescimentos mais lentos nos próximos meses.

Illustration by Chesnot/Getty Images

Várias tecnológicas registaram um abrandamento das receitas e deixaram avisos sobre crescimentos mais lentos nos próximos meses.

Illustration by Chesnot/Getty Images

Como a inflação e a guerra estão a obrigar as tecnológicas a pôr o pé no travão

Algumas foram estrelas de crescimento na pandemia, mas agora o retrato é diferente. As receitas crescem de forma mais modesta e são já feitos avisos sobre a possibilidade de turbulência nos negócios.

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De um trimestre para o outro, a situação económica global degradou-se – e as empresas do setor tecnológico não estão a escapar a este cenário. Se nas apresentações de resultados do primeiro trimestre, feitas em abril, vários CEO e diretores financeiros deixavam já avisos sobre as consequências da inflação em máximos de décadas e da guerra da Ucrânia, as contas do segundo trimestre vincaram ainda mais esses dois temas.

Entre as “big tech”, grupo das tecnológicas mais valiosas composto pela Amazon, Apple, Meta (ex-Facebook) e pela Alphabet, a dona da Google, saltou à vista o segundo trimestre consecutivo de prejuízos da Amazon e a primeira vez em que a Meta viu as receitas trimestrais recuar na comparação homóloga. Mas não foram as únicas, já que também a Intel e a Snap notaram os desafios trazidos pelo contexto macroeconómico.

Esta é a segunda vez no espaço de dois anos em que há mudanças consideráveis no contexto económico – a primeira surgiu com a pandemia de Covid-19. No entanto, apesar da incerteza que veio a reboque, muitas das empresas do setor tecnológico foram até beneficiadas pela pandemia. A Amazon, por exemplo, viu as vendas dispararem com as lojas fechadas, enquanto a Meta assistiu à subida dos números de utilização das plataformas que controla. Já a Microsoft, por sua vez, ganhou com a viragem abrupta de muitas empresas para o teletrabalho e ganhou terreno na computação cloud.

Em 2022, o contexto é outro. À inflação galopante, que já está a ter consequências para estas empresas, inclusive na desvalorização das ações, juntou-se uma guerra no território europeu – contribuindo para o aumento do grau de incerteza.

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Tecnológicas mais atentas aos gastos e a pesar investimentos

O contexto económico mais desafiante tornou-se um incontornável ponto de conversa em muitas das conferências telefónicas com analistas realizadas após a apresentação de contas dos “players” do setor. Palavras como incerteza e abrandamento passaram a fazer parte do dicionário de alguns dos executivos mais conhecidos do setor durante estas ocasiões, já preparados para pôr o cinto na tentativa de resistir à turbulência que se avizinha.

“É verdade que a época de resultados do segundo trimestre demonstrou ser umas das mais desafiantes em vários anos para a generalidade das maiores empresas tecnológicas, o que evidencia a amplitude da desaceleração económica já observada e a rápida deterioração nos últimos meses”, reconhece Luís Alves, analista financeiro do Banco Carregosa. Ainda assim, nota ao Observador, os fatores penalizadores para os resultados destas companhias “são diversos e alguns deles específicos a determinadas empresas ou segmentos de setor”.

De qualquer forma, “o ambiente macroeconómico de elevada inflação e arrefecimento da economia explicará grande parte desta tendência negativa dos resultados e receitas”, diz Luís Alves. “A queda no apetite do consumidor por consumo de bens devido à perda de poder de compra num contexto inflacionista, o dólar forte e as interrupções na cadeia de abastecimentos foram alguns dos fatores que impactaram os resultados do passado trimestre para as grandes empresas de tecnologia que, apesar de tudo, acabaram por mostrar resiliência neste contexto de mercado.” Luís Alves resume que os relatos dos gestores mostraram que “os efeitos do panorama macroeconómico mais débil se fazem sentir em várias áreas, por exemplo, na desaceleração das vendas online, numa maior relutância em investimento em publicidade digital e serviços de tecnologias de informação, e menor procura por wearables.”

“É verdade que a época de resultados do segundo trimestre demonstrou ser umas das mais desafiantes em vários anos para a generalidade das maiores empresas tecnológicas, o que evidencia a amplitude da desaceleração económica já observada e a rápida deterioração nos últimos meses."
Luís Alves, analista financeiro do Banco Carregosa.

“Aparentemente entrámos numa desaceleração económica que vai ter um impacto alargado no negócio da publicidade digital. É sempre difícil prever quão profundos ou longos podem ser estes ciclos, mas a situação parece agora pior do que há um trimestre”, disse Mark Zuckerberg, CEO e fundador da Meta, durante a conferência com analistas. “Neste contexto, estamos mais focados em fazer investimentos de longo prazo que nos posicionem para sermos mais fortes após esta desaceleração económica”, partilhou o CEO, mencionando apostas no “motor de descoberta, nos Reels, na nova infraestrutura de anúncios e no metaverso”.

“Estamos também focados em ser rigorosos sobre a quantificação dos retornos e a medir esses investimentos de forma acertada”, avisou. O patrão do Facebook e do Instagram explicou que, embora “continue a acreditar” que os projetos anunciados em 2021, com base no crescimento das receitas da altura, “são importantes”, tendo em conta a “trajetória recente de receitas”, optou por abrandar o ritmo de investimentos e “empurrar algumas despesas que surgiriam no próximo ano ou dentro de dois para um prazo temporal mais longo”.

No segundo trimestre do ano, a Meta viu acontecer algo inédito nos seus 18 anos de vida: uma quebra homóloga de 1% nas receitas para 28,8 mil milhões de dólares. Sheryl Sandberg, agora ex-diretora de operações, disse naquela que foi a sua última apresentação de contas ao serviço da Meta, que “as tendências das taxas de câmbio tiveram um impacto significativo no segundo trimestre, em particular a depreciação do euro face ao dólar”. Sem esta situação, disse Sandberg, as receitas teriam registado uma subida de 3% em termos homólogos. O lucro da empresa tombou 36%, para 6,7 mil milhões de dólares. Por sua vez, os custos cresceram 22% até aos 20,5 mil milhões de dólares.

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Os anúncios, que representaram quase 98% do total de receitas da empresa, geraram 28,2 mil milhões de dólares no segundo trimestre. Apesar de as impressões por anúncio terem crescido 15% em termos homólogos, o preço por anúncio recuou 14%.

A área de Reality Labs, unidade de negócio onde está incluída a operação da Oculus ou a investigação para o metaverso, viu as receitas aumentar em termos homólogos para 452 milhões de dólares, contra os 305 milhões de há um ano. No entanto, o resultado líquido desta operação continua a ser negativo, agravando os prejuízos em quase 17%.

Para o terceiro trimestre, a Meta não espera uma melhoria da situação económica. A empresa antecipa receitas totais entre os 26 e os 28,5 mil milhões de dólares no terceiro trimestre, projeções que “refletem a continuação de um ambiente com uma procura mais fraca de publicidade”, com o diretor financeiro da companhia a acreditar que este fenómeno “continua a ser motivado pela incerteza macroeconómica”. As projeções menos positivas não se ficam por aqui, já que a empresa antecipa “receitas mais baixas do Reality Labs”.

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Além da Meta, também a Alphabet, o conglomerado de empresas que controla a Google, promete ser mais contida nos investimentos. A palavra de ordem passa por uma gestão “responsável”. “Vamos continuar a investir em áreas como a inteligência artificial, pesquisa e cloud – e vamos fazê-lo de forma responsável e de uma forma que responde ao ambiente atual”, anunciou Sundar Pichai, CEO da Alphabet e da Google, em declarações aos analistas.

Por seu turno, Ruth Porat, administradora financeira da companhia, contextualizou, na mesma ocasião, que o facto de os resultados de 2022 estarem a ser confrontados com um 2021 de receitas mais fortes continuará a criar “comparações difíceis” para a empresa. “Daqui para a frente, o desempenho muito forte no ano passado das receitas continuará a criar comparações duras, que vão pesar nas taxas de crescimento homólogas na área das receitas publicitárias.”

Em relação ao Youtube, por exemplo, a empresa diz que já sentiu “o recuo de gastos por parte de alguns anunciantes no segundo trimestre, o que reflete a incerteza sobre uma série de fatores que são difíceis de desagregar”, disse a administradora financeira da gigante norte-americana. Também na área de “outras receitas”, componente onde se incluem proveitos gerados por outras apostas da empresa, a Alphabet está a antecipar “ventos contrários ligados às mudanças nas taxas e ao abrandar nos gastos dos consumidores” – algo que também já teve consequências no segundo trimestre.

"Vamos continuar a investir em áreas como a inteligência artificial, pesquisa e cloud – e vamos fazê-lo de forma responsável e de uma forma que responde ao ambiente atual."
Sundar Pichai, CEO da Alphabet.

No segundo trimestre, a Alphabet registou receitas de 69,7 mil milhões de dólares, uma subida homóloga de 13%, com a empresa a frisar que continua “focada numa alocação de capital responsável para apoiar as oportunidades de crescimento”. A fatia de leão das receitas da tecnológica é gerada pela publicidade (56,2 mil milhões de dólares), principalmente na área de pesquisa, com um peso de 40,7 mil milhões de dólares.

Já o resultado líquido consolidado recuou 13,5% face ao mesmo período do ano passado, para 16 mil milhões de dólares. Isto porque se, por um lado, o lucro dos serviços Google aumentou 2,2%, ascendendo a 22,7 mil milhões de dólares, por outro lado, áreas de negócio como a Google Cloud ou as “outras apostas” agravaram prejuízos, que ascenderam a 858 milhões e 1,7 mil milhões de dólares, respetivamente.

Amazon com segundo trimestre de prejuízo e os avisos da Snap

O período em que os lucros da Amazon cresciam de forma astronómica devido à pandemia chegou ao fim. Volvido um ano, a gigante de comércio eletrónico soma agora dois trimestres consecutivos de prejuízos. Entre abril e junho, a empresa de Andy Jassy teve uma perda de 2 mil milhões, que compara com o lucro de 7,8 mil milhões de há um ano. No entanto, é importante recordar um fator que está a pesar neste desempenho da Amazon – a desvalorização do investimento que a empresa tem na fabricante de elétricos Rivian, que custou à companhia 3,9 mil milhões no trimestre.

Embora as vendas tenham aumentado, a subida de 7% para 121,2 mil milhões está longe dos saltos vividos neste indicador à boleia da pandemia. Na verdade, é o crescimento mais lento das receitas em duas décadas. Ainda assim, foi o suficiente para superar as estimativas dos analistas e fazer os investidores sorrir – mais devido às perspetivas para os próximos meses. Para o terceiro trimestre, a empresa antecipa receitas entre os 125 e 130 mil milhões, o que poderá representar um crescimento entre 13 e 17%.

Mesmo superando as expectativas dos analistas, que antecipavam receitas de 119 mil milhões (dados da Refinitiv), o tema da inflação também figurava nestas contas da Amazon. “Apesar das contínuas pressões inflacionistas no combustível, energia e custos dos transportes, estamos a fazer progressos para controlar os custos que referimos no trimestre anterior, especialmente na melhoria da produtividade dos nossos centros de distribuição”, anunciou Andy Jassy, CEO da companhia.

Lucro da Apple tomba 11% no trimestre. Amazon com prejuízo de 2 mil milhões à boleia do investimento na Rivian

Na conferência telefónica com analistas, o CFO da Amazon, Brian Olsavsky, referiu que a “pressão inflacionária continua a ser elevada”, especialmente devido aos “aumentos dos custos ligados ao combustível, ao transporte aéreo e marítimo”. E não estimou que vá desaparecer em breve. “Estimamos que estas pressões se mantenham ao longo do terceiro trimestre.”

“A nossa questão macroeconómica está principalmente no tema da inflação. Acho que a parte nova deste trimestre está ligada à subida da energia, essa é provavelmente a informação nova na área da inflação. Outras pressões de custo estão também na área dos empregados”, explicou o CFO. “Estamos num estado macroeconómico muito difícil – mas as coisas podem mudar rapidamente, vamos continuar a monitorizar.”

Ainda nas redes sociais, a Snap, a empresa que controla a popular aplicação Snapchat, as receitas já abrandaram e a administração sublinhou a necessidade de “evoluir o negócio e a estratégia para se adaptar”. “Estamos a ver uma competição crescente pelos dólares da publicidade que agora estamos a crescer de forma mais lenta. O crescimento das nossas receitas abrandou substancialmente”, continuava a empresa, dizendo mesmo que os resultados financeiros “não refletem a ambição” da companhia, dizia Evan Spiegel, o CEO da Snap.

As receitas da empresa aumentaram 13%, para 1,11 mil milhões de dólares, enquanto o prejuízo agravou-se 178% para 422,1 milhões de dólares, valor que compara com os 151,7 milhões de há um ano.

“Estamos a trabalhar para reacelerar o crescimento e ganhar quota, mas acredito que provavelmente vai demorar algum tempo até vermos melhorias significativas”, antecipou a empresa na carta aos acionistas, que acompanhava os resultados do segundo trimestre.

Resiliência das vendas do iPhone leva Apple a superar expectativas

Com um trimestre mais atribulado para umas empresas do que outras, a Apple encaixa-se no grupo que viu os números revelados superarem as estimativas traçadas pelos analistas (ainda que à justa). No segundo trimestre do ano – que para a Apple corresponde ao terceiro, uma vez que começa o ano fiscal em outubro – a dona do iPhone conseguiu atingir um novo recorde de receitas, com vendas totais a rondar os 83 mil milhões de dólares, mais 1,87% em termos homólogos. Já o lucro da empresa tombou quase 11%, para 19,4 mil milhões de dólares.

O grande responsável pelo impulso das contas da Apple continuou a ser o mesmo – o iPhone. Com 15 anos de vida, a gama de smartphones continua a ser o principal motor das receitas da empresa, valendo quase metade das vendas do trimestre terminado em junho. A linha de smartphones viu os proveitos subirem cerca de 3% face ao ano anterior. No entanto, o resultado foi diferente para as restantes gamas de produtos, sinalizando que este poderá já ser um efeito da inflação. As vendas dos Macs caíram de 8,2 mil milhões para 7,4 mil milhões, enquanto os resultados do iPad tombaram quase 2% para 7,2 mil milhões. O segmento de wearables, home e acessórios recuou quase 8% para 8,1 mil milhões.

Tim Cook, o CEO da Apple. A empresa superou as estimativas dos analistas, mas os lucros recuaram quase 11% em termos homólogos.

AFP via Getty Images

Já os resultados do segmento de serviços terá feito Tim Cook, o CEO da valiosa tecnológica, sorrir. No trimestre, a Apple viu as vendas desta categoria ascenderem a 19,6 mil milhões de dólares, o que reflete uma subida de 12% face aos 17,5 mil milhões de há um ano. A área dos serviços tem sido uma forte aposta da Apple ao longo dos últimos anos, com a empresa a marcar presença no streaming de vídeo, áudio, jogos ou ainda na aposta no mundo do fitness.

“Os nossos resultados trimestrais continuaram a demonstrar a nossa habilidade para gerir o negócio de forma eficaz apesar do contexto operacional desafiante”, disse Luca Maestri, administrador financeiro da Apple, no comunicado de divulgação das contas.

Nestes três meses, terminados em junho, já foi visível um recuo das vendas em alguns mercados relevantes para a Apple, como é o caso da China e do Japão. Resta agora saber como é que as vendas da tecnológica se vão comportar ao longo dos próximos meses. O último trimestre do ano costuma ser o mais forte para as vendas da empresa, uma vez que decorre já após a apresentação de setembro, onde habitualmente são revelados novos produtos, incluindo o iPhone.

Apple junta-se ao grupo de tecnológicas que vai abrandar contratações e reduzir gastos

Redução das operações na Rússia custa milhões à Microsoft

A guerra na Ucrânia é um tema transversal à apresentação das empresas do setor tecnológico, figurando na lista de contributos para a incerteza na economia. No caso da dona do Windows, o conflito na Europa já se traduziu num custo significativo, que é incluído no campo “impacto de eventos recentes”. Além de incluir uma “desfavorável taxa de câmbio” que teve consequências nas receitas do trimestre, a empresa menciona também o impacto da redução da atividade na Rússia, na sequência da invasão à Ucrânia.

“Com a guerra em curso na Ucrânia, tomámos a decisão de reduzir significativamente as nossas operações na Rússia”, menciona o comunicado ao mercado sobre o desempenho da empresa no quarto trimestre (o ano fiscal da Microsoft termina em junho). “Como resultado, registámos despesas operacionais de 126 milhões”, mencionando aspetos como dívida, imparidade pelos ativos e rescisões.

A Rússia não foi o único mercado que fez a empresa ter custos com saídas de trabalhadores. Excluindo o mercado russo, o “realinhamento estratégico dos grupos empresariais” obrigou a custos com rescisões com pessoal de 113 milhões de dólares para a tecnológica de Redmond.

Além disso, também o contexto de menor investimento de empresas em publicidade teve reflexo no trimestre da empresa. À semelhança da Meta e da Alphabet, também a Microsoft fala do impacto do corte na área da publicidade. “As reduções no gasto com publicidade contribuíram para um impacto negativo no LinkedIn e também na publicidade na pesquisa e nas notícias de mais de 100 milhões de dólares”, revelou a empresa.

Entre abril e junho, a empresa liderada por Satya Nadella teve lucros de 16,7 mil milhões de dólares, uma variação de 2%. As receitas do trimestre ascenderam a 51,9 mil milhões de dólares, mais 12% do que há um ano. Este foi o trimestre com o crescimento mais lento em dois anos, com a empresa a reportar uma quebra de 6% na área dos jogos de vídeo (a empresa controla a Xbox) e um recuo de 2% no segmento Windows OEM, a versão do software da empresa que é instalado por fabricantes de computadores.

“As grandes empresas de tecnologia não fogem a essa tendência e estão a tornar-se mais cuidadosas na maneira como gerem os seus orçamentos."
Luís Alves, Banco Carregosa.

Há quem abrande as contratações e quem já avance para despedimentos

O contexto económico desafiante está a levar alguns dos principais nomes do setor da tecnologia a reagir de diferentes formas: há quem mude os planos traçados para as contratações, apontando para números mais modestos, e quem prefira reduzir o número de trabalhadores já este ano.

Luís Alves, do Banco Carregosa, relata que, perante o “contexto de custos mais elevados para as empresas e de perspetivas de contração económica, será de esperar que os gestores adotem estratégias ao nível da eficiência de gastos, que passam também por uma gestão mais prudente dos seus recursos humanos.”

“As grandes empresas de tecnologia não fogem a essa tendência e estão a tornar-se mais cuidadosas na maneira como gerem os seus orçamentos”, notando justamente a “suspensão temporária ou desaceleração das contratações”. Mas o analista financeiro também recorda outro ponto: “empresas deste setor, nomeadamente as ‘big tech’, gastaram nos últimos anos grandes quantias em contratação de recursos humanos, com a alavanca do crescimento durante o período de pandemia”. Desta forma, este movimento “pode significar apenas uma pequena correção dessa tendência e normalização dos gastos, impulsionada pelo contexto macroeconómico mais incerto.”

A Alphabet inclui-se no grupo das companhias que vão abrandar contratações. A dona da Google anunciou em meados de julho que, devido ao contexto económico e à pressão trazida pela elevada inflação e pela guerra, vai abrandar o ritmo de contratações. “Tal como outras companhias, não estamos imunes aos ventos contrários da economia”, avisou a empresa numa comunicação ao mercado. A gigante da internet garantia na altura que pretende continuar a focar-se em funções ligadas à engenharia e questões técnicas.

Esta não foi a primeira vez em que a Alphabet anunciou mudanças no ritmo de contratações devido ao grau de incerteza no contexto económico. Em abril de 2020, numa fase muito inicial da pandemia de Covid-19, Sundar Pichai, o CEO da companhia, avisava justamente sobre a necessidade de pôr um pé no travão nas contratações. “Acreditamos que esta é a altura de abrandar significativamente o ritmo de contratações, enquanto mantemos o momentum num pequeno número de áreas estratégicas onde os utilizadores e os negócios estão a depender da Google para apoio contínuo e onde o nosso crescimento é crítico para o seu sucesso”, dizia na altura. “Além das contratações, vamos continuar a investir, mas vamos recalibrar o foco e o ritmo do nosso investimento em áreas como data centers e maquinaria e no marketing e nas viagens não essenciais.”

Já este mês, o CEO da empresa terá transmitido aos empregados a urgência de a tecnológica ser mais eficiente e mais produtiva. De acordo com um documento visto pela CNBC, Sundar Pichai transmitiu o seu descontentamento: “Há preocupações reais de que a nossa produtividade como um todo não esteja onde deveria estar com o número de trabalhadores que temos”. Além disso, o líder da Google e da Alphabet terá lançado uma iniciativa interna, chamada “Simplicity Sprint”, para que os trabalhadores possam partilhar algumas ideias sobre como tornar a empresa mais eficiente. Os contributos podem ser enviados até 15 de agosto, com os empregados a responderem a questões como: “o que poderia ajudar a trabalhar com maior clareza e eficiência para servir os utilizadores e clientes” ou “onde é que deveríamos retirar ‘lombas’ que nos estão a tirar velocidade?”.

De acordo com os números mais recentes revelados pela Alphabet, a empresa tinha um total de 174.014 empregados no final de junho, uma subida de quase 21% face aos números do mesmo período do ano passado. No segundo trimestre, foram contratadas mais de 10 mil pessoas, a maioria para funções ligadas a questões técnicas.

A Meta tinha em junho deste ano um total de 85.553 empregados, o que reflete uma subida homóloga de 32%. Esses números de crescimento deverão, agora, acalmar. No início de julho, foram notícia, em meios como a Reuters, as declarações de Mark Zuckerberg, que, numa sessão de perguntas com os empregados, não dourou a pílula – a empresa tem demasiados empregados. “De forma realista, há provavelmente uma quantidade de pessoas na empresa que não devia estar aqui”, terá afirmado o CEO e fundador da Meta. “A minha esperança é que, ao aumentar os objetivos — tornando-os mais agressivos — e ao aumentar a pressão [para os trabalhadores], alguns decidam que este lugar não é para vocês e, para mim, essa auto-seleção está ok”, terá dito Zuckerberg.

A Reuters quantificava na altura que a vontade do patrão do Facebook e do Instagram passaria pelo abrandamento das contratações em 30%. Se o plano para 2022 passava pela contratação de 10 mil engenheiros, Zuckerberg avançou que o objetivo emagrecido passará agora por um número entre 6 mil e 7 mil engenheiros.

Dona do Facebook quer reduzir planos de contratação e Zuckerberg deixa avisos sobre “tempos sérios”

Só em três meses, a dona do Facebook contratou mais 5.700 pessoas – a maioria para funções técnicas. “Terminámos o trimestre com mais de 83,5 mil empregados a tempo inteiro, um aumento de 32% face ao ano passado”, disse o diretor financeiro da companhia na conversa com analistas. “O nosso crescimento no trimestre reflete o progresso de contratação face ao ano anterior”, antecipando que “o crescimento do total de trabalhadores vá abrandar no resto do ano devido à redução dos nossos planos de contratação”, disse o CFO da Meta, Dave Wehner.

O serviço de streaming sueco Spotify foi mais uma das empresas a anunciar a necessidade de abrandar as contratações. O aviso foi feito ainda a meio de junho, mais de um mês antes da divulgação de contas. Num email enviado por Daniel Ek, CEO do Spotify, aos empregados, o executivo explicava a intenção de “reduzir as contratações em 25%”, mas sublinhava que a empresa “vai continuar a contratar e a crescer, fazendo-o apenas a um ritmo mais lento e a ser um pouco mais prudente nos números totais de novas contratações ao longo dos próximos trimestres”.

A mensagem de Daniel Ek ficou clara algumas semanas depois, já na apresentação de resultados do segundo trimestre. Embora diga que “ainda não se está a ver um impacto material” nos utilizadores ou no crescimento de subscritores devido à “atual incerteza”, perante um possível abrandamento económico decidiu tomar medidas “proativas”. “Como já disse, acredito que só os paranóicos sobrevivem e estamos a preparar-nos para as coisas piorarem… Mas é difícil ser outra coisa se não otimista perante o que estou a ver”, disse na chamada com analistas.

No caso da Microsoft, um “realinhar de grupos empresariais e de papéis”, no fim de um ano fiscal, vai mesmo levar a despedimentos. No mês passado, foi avançado que a empresa pretende reduzir o número de empregados, algo que afetará menos de 1% do total de 180 mil trabalhadores. Mais tarde, uma declaração oficial da tecnológica de Redmond confirmaria a decisão, explicando que os despedimentos não seguiram um padrão de funções ou geografia específicas. “Tal como todas as empresas, avaliamos as nossas prioridades de negócio de forma regular e fazemos ajustes estruturais de acordo com isso”, era possível ler num comunicado da empresa. Ainda assim, a empresa frisava que pretende “continuar a investir no negócio e a fazer crescer de forma geral o número de trabalhadores no próximo ano”.

Há mais empresas a anunciar cortes nos números de trabalhadores

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Há diversas empresas ligadas ao setor tecnológico a anunciar despedimentos ou a sugerir um abrandamento das contratações devido às condições económicas. A empresa de comércio eletrónico Shopify, por exemplo, anunciou que vai cortar 1% da força de trabalho — o equivalente a quase mil trabalhadores. Também a Just Eat, empresa de entrega de refeições, vai despedir cerca de 350 pessoas em França.

De acordo com a Forbes, também a tecnológica norte-americana Oracle estará a planear despedimentos, no âmbito de uma reestruturação.

Já esta semana, foi notícia o corte de 23% do número de trabalhadores da aplicação para investimento em ações e negociação de criptomoedas — a segunda vez em que a empresa vai fazer despedimentos este ano. No total, a juntar com os despedimentos de abril, a empresa deverá eliminar mais de mil trabalhadores.

Intel surpreende com prejuízo. CEO acredita que empresa“está no fundo”

Fora do universo das big tech, a Intel destacou-se pela negativa, inclusive surpreendendo a indústria. A fabricante de semicondutores norte-americana apresentou no segundo trimestre não só um tombo de 22% nas receitas mas também uma passagem de lucros de 5,1 mil milhões a prejuízos de 454 milhões de dólares.

“Os resultados do trimestre ficaram abaixo dos parâmetros que definimos para a empresa e para os nossos acionistas”, reconheceu Pat Gelsinger, CEO da Intel. “Temos e vamos fazer melhor. O repentino e rápido declínio da atividade económica foi o principal motivo, mas a queda também reflete questões da nossa próxima execução.” E, em comunicado, frisou que a empresa está “a responder às condições de negócio em mudança” e a manter-se “muito focada na estratégia e oportunidades a longo prazo”.

Afinal, é preciso recuar uma década para encontrar uma queda de receitas tão abrupta nos resultados da fabricante de chips, notou o Wall Street Journal. Em parte, o tombo da empresa esteve ligado aos menores gastos com a compra de computadores em vários mercados. A consultora IDC, por exemplo, estima que as vendas globais de PC venham a cair 8,2% este ano, para 321,2 milhões de unidades, muito devido ao contexto económico.

Olhando para as principais áreas de negócio da Intel, a maior quebra face ao mesmo trimestre do ano passado foi sentida nos “foundry services”, a unidade de negócio que produz semicondutores para outras companhias. Nesta área, as receitas no trimestre tombaram 54% para 122 milhões de dólares. Já a área de computação para clientes e a de data center e inteligência artificial, os principais motores de receita da Intel, recuaram 25% e 16%, para 7,7 mil milhões e 4,6 mil milhões de dólares, respetivamente.

Em entrevista à Yahoo Finance, o CEO da Intel referiu que, apesar do trimestre desapontante, é pouco provável que a situação se agrave mais. “Acredito que estamos no fundo”, disse durante a entrevista. No entanto, destacou que “alguns dos ciclos naturais da segunda metade do ano”, como as compras de Natal, dão “alguma confiança” à companhia.

Panorama de subida de juros mexe com ações

O aumento da inflação e o recurso à subida das taxas de juro por parte de vários bancos centrais, inclusive a Reserva Federal dos Estados Unidos, para tentar controlá-la, está a pressionar o desempenho em bolsa destas companhias.

Luís Alves, analista financeiro do Banco Carregosa, nota que um panorama de subida das taxas de juro “é por norma mais penalizador para os setores de crescimento rápido, como o tecnológico”. “Quanto maiores forem as expectativas de cash flows futuros e quanto mais distantes estes estiverem projetados no tempo, maior será a sensibilidade da cotação dessas empresas a variações nas taxas de juro. Desta forma, as ações tecnológicas são associadas ao estilo growth [crescimento] e, em termos gerais, são penalizadas em períodos de subida das taxas”, explica este analista.

Ainda assim, é importante distinguir que, embora estas companhias estejam mais expostas ao risco da taxa de juro, “por serem estimados elevados lucros para o futuro”, também “apresentam maior resiliência devido ao domínio dos seus modelos de negócios, à diversificação e capacidade de lidar com os desafios de curto prazo, em comparação com empresas tecnológicas de menor dimensão”, diz Luís Alves.

Já Pierre Veyret, analista técnico da ActivTrades, destaca que, “após o acentuado sell-off registado entre as empresas do setor tecnológico no primeiro semestre de 2022, “as ações tecnológicas tornaram-se especialmente atrativas em comparação com outros setores”.

“Até agora tem sido um ano mau para os negócios tecnológicos, embora também tenhamos visto uma descida muito agressiva das avaliações de muitos destes negócios”, reconhece Jamie Mills O’Brien, gestor de investimentos da Abrdn. Mas este gestor nota também que “as perspetivas de resultados para um grande número destes negócios não sofreram alterações – e em alguns casos até melhoraram”. “Vemos na verdade os próximos retornos como extremamente atrativos em muitos dos casos.”

“As ações tecnológicas bateram numa parede na primeira metade de 2022, levando alguns investidores a perguntar-se se a revolução digital já poderá ter chegado ao fim da linha."
Chris Buchbinder, gestor de portefólio do Capital Group

Cloud continua a ser uma área em expansão

Apesar do contexto desafiante, algumas áreas de negócio continuam a representar uma oportunidade para os executivos de algumas empresas. A computação cloud, por exemplo, onde a Google, Amazon e Microsoft têm negócios, é um dos exemplos.

“As ações tecnológicas bateram numa parede na primeira metade de 2022, levando alguns investidores a perguntarem-se se a revolução digital já poderá ter chegado ao fim da linha”, referia Chris Buchbinder, gestor de portefólio do Capital Group, num comentário a propósito da época de resultados das tecnológicas. Mas isso não será bem o cenário, acredita este gestor. “As taxas de juro crescentes e a inflação têm certamente toldado o retrato dos resultados a longo prazo para muitas destas companhias”, reconhece, mas acredita que “ainda há empresas de software bem geridas em segmentos de rápido crescimento e com perspetivas favoráveis”.

E, nesse sentido, dá como exemplo a área dos serviços cloud, que se tem expandido à medida que várias empresas estão a migrar a infraestrutura tecnológica para a nuvem. “Há uns anos, quando a Amazon Web Services foi apresentada, era realmente um novo segmento de negócio”, diz o gestor de portefólio do Capital Group. “Já não é novo, mas ainda está numa fase inicial da transição”. Este comentário vai ao encontro das declarações do administrador financeiro da Amazon, que na conferência com analistas destacou que a “AWS é uma grande oportunidade, já que ainda se está numa fase inicial da curva de adoção”.

“A Microsoft não foi a primeira empresa a mover-se neste mercado, mas está a crescer de uma forma mais rápida do que a AWS e a Google Cloud devido ao forte legado nas relações empresariais”, aponta Chris Buchbinder. No entanto, este analista lembra que o facto de haver espaço para crescimento “não é uma certeza de que os negócios de cloud atinjam o crescimento de lucro para justificar as elevadas avaliações”.

Jamie Mills O’Brien, gestor de investimentos do Abrdn, também vê a cloud como “um espaço que continua a ser muito atrativo”, especialmente para os chamados hyperscalers, justamente como estas big tech. Este gestor refere que “de momento, há elementos cíclicos que estão a pesar no crescimento a curto prazo”.

A AWS, da Amazon, viu as vendas aumentarem 33% em termos homólogos para 19,7 mil milhões de dólares. Esta área teve um lucro operacional de 5,7 mil milhões de dólares, um aumento homólogo de 28%. Do lado da Microsoft, este segmento gerou receitas de 25 mil milhões de dólares, uma subida também de 28%. No caso da Google Cloud, as receitas aumentaram quase 37% face ao ano anterior, para 6,3 mil milhões de dólares; já o resultado operacional foi negativo, agravando os prejuízos para 858 milhões de dólares.

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