Da privatização da TAP até ao novo aeroporto, passando pelo lançamento de concursos na energia e nas infraestruturas de transportes. Não eram poucos os dossiês relevantes para os quais se apontava o final do ano como a meta temporal para o salto decisivo e a aprovação que faltava. Ou, no limite, janeiro de 2024.
Com a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa de suspender no tempo a dissolução do Parlamento até à aprovação da proposta de Orçamento do Estado, a 29 de novembro, o Governo entrou num limbo em que, não estando em gestão corrente, porque está em funções, também não tem condições políticas para tomar decisões que comprometam o futuro executivo que sairá das eleições de 10 de março. Ou que vinculem o Estado a despesas ou receitas, para além das que estão previstas no Orçamento.
Essa reflexão interna está a ser feita e, sabe o Observador, há quem defenda no Governo que determinadas decisões só deverão avançar após uma consulta prévia ao Presidente, mas também, e sobretudo, ao líder do PSD e aos dois candidatos à liderança dos socialistas. Entre os dossiês mais sensíveis a uma mudança política e de protagonistas está, naturalmente, o decreto-lei de privatização da TAP, que o Presidente devolveu ao Governo duas semanas antes da crise política. Mas está também o processo negocial com os médicos. Este particularmente urgente face à situação nas urgências hospitalares.
Questionados sobre estas decisões, os ministros têm sido cautelosos nas declarações. O ministro Duarte Cordeiro explicou aos jornalistas (depois da audição sobre a proposta orçamental) que o Governo ia fazer uma reflexão em conjunto sobre as medidas e processos que podem avançar na situação demissionária, e quais as que devem passar para um próximo Executivo. O ministro do Ambiente sinalizou que um dos critérios para escolher esses processos era o facto de estar em causa a perda de fundos comunitários.
Um dos projeto que tem o selo de prioridade nestes tempos conturbados do Governo é a Linha Violeta do Metro de Lisboa, que prevê ligar através de um metro ligeiro de superfície (um modelo usado no Metro do Porto) Odivelas a Loures. Um sinal claro dessa vontade foi já dada no último Conselho de Ministros, com a aprovação, esta quinta-feira, do investimento que faz parte do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR).
O investimento total é de 528 milhões de euros, com fundos de 390 milhões de euros do PRR — que incorporam já o agravamento em 30% do custo do projeto por causa da topografia — e 137,3 milhões de euros de verbas do Orçamento do Estado. Ainda este segunda-feira, o secretário de Estado da Mobilidade, Jorge Delgado, explicou que as autarquias estavam a levantar obstáculos à assunção das obras de inserção urbana. “Estávamos, neste momento, a avaliar todos uma forma alternativa de resolver o problema, mas neste momento, temos de ver se estamos em condições de tomar ou não a decisão porque se trata de um grande investimento”. O Governo queria ter lançado este concurso na primeira metade do ano para o concluir em 2026 (o último ano de execução do dinheiro do PRR).
O que é a Linha Violeta?
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A Linha Violeta é um sistema de metro ligeiro de superfície que contará com 17 estações e cerca de 11,5 km de extensão. No concelho de Loures serão construídas nove estações para as freguesias de Loures, Santo António dos Cavaleiros e Frielas, numa extensão de 6,4 km. O concelho de Odivelas terá oito estações que vão servir as freguesias de Póvoa de Santo Adrião e Olival de Basto, Odivelas, Ramada e Caneças, numa extensão total de 5,1 km. O investimento engloba a conceção e a construção da infraestrutura ferroviária e o fornecimento de material circulante, bem como o reordenamento urbano envolvente no território dos dois municípios servidos, Loures e Odivelas.
Outro dos temas prioritários para avançar é o lançamento do concurso para o primeiro troço da nova linha de alta velocidade Lisboa-Porto. A contratação da construção do troço Porto-Oiã é um investimento de 1,9 mil milhões de euros a realizar através do modelo de PPP (parceria público privada), o que exige um conjunto de formalismos e avaliações ao nível dos Ministérios das Finanças e Infraestruturas.
Quando ainda recusava demitir-se, o então ministro João Galamba apelou aos partidos da oposição para não atacarem a decisão de avançar com este projeto, que qualificou de “consensual”. E explicou que não lançar o concurso em janeiro de 2024 significaria perder 750 milhões de euros em fundos comunitários que não podem ser recuperados. Isto porque, sem concurso, não pode haver candidatura à Connect Facility. A luz verde a este concurso da Infraestruturas de Portugal exige uma resolução do Conselho de Ministros e as condições legais para a mesma avançar só estarão reunidas em janeiro.
Para garantir conforto político para este concurso, os socialistas poderão tentar fazer aprovar ainda em plenário uma resolução a recomendar o avanço do projeto, que não teria efeito vinculativo.
Na sua última audição como ministro, João Galamba apelou aos partidos para não usarem o TGV como “arma de arremesso” político para atacar o Governo (e o PS) por avançar com o projeto nesta conjuntura. Com a demissão do ministro das Infraestruturas, o tema do TGV passa diretamente para o primeiro-ministro, que assumiu a pasta, renovando a confiança no secretário de Estado Adjunto (Frederico Francisco) que está com este dossiê.
Energia e TAP, os temas mais tóxicos por razões distintas
Já sobre outros concursos anunciados para a área da energia, permanece a dúvida. No caso das eólicas offshore foi dado um sinal de que o procedimento estava a avançar para a fase de diálogo, a decorrer em janeiro, com as 50 empresas que apresentaram manifestações de interesse, o que à partida inviabiliza o prazo do final do ano sinalizado pelo primeiro-ministro, mas não impede o seu lançamento ainda na atual legislatura.
Mais delicado politicamente seria avançar com o concurso para a atribuição de áreas de prospeção e exploração de lítio a nível nacional, dado que esta é uma das fileiras que está a ser investigada pela Operação Influencer, embora ainda se saiba pouco sobre esta parte do inquérito.
Mais espinhas terá uma eventual aprovação do diploma de privatização da TAP. Uma decisão política que dificilmente terá condições para avançar neste contexto, a não ser com um conforto muito grande dado pelo PSD e pelos candidatos ao PS. Ainda que sejam muito críticos dos ziguezagues do Governo na gestão da TAP, os social-democratas são a favor da venda da maioria do capital da companhia, como agora pretende o Executivo. Haverá, contudo, reservas relativas à transparência do processo que também foram suscitadas por Marcelo Rebelo de Sousa.
Por outro lado, é público que a dimensão da participação a vender — maioria ou minoria da TAP — separa Pedro Nuno Santos da opção defendida por António Costa, mas sobretudo pelo ministro das Finanças, Fernando Medina. O ex-ministro das Infraestruturas, que no passado afirmou ter salvo a TAP, também já questionou a pressa em avançar com a operação quando a empresa está a dar lucros. É precisamente esse o argumento do Governo para acelerar o negócio, aproveitando o momento em que o setor está pujante e as grandes empresas europeias mostram um grande interesse na TAP. Um cenário que pode mudar rapidamente num setor muito exposto a crises.
O Governo queria ter o caderno de encargos aprovado até janeiro de 2024 para fechar a transação nesse ano, mas o veto do Presidente ao decreto-lei já tinha feito derrapar este plano.
Também era objetivo para o início de 2024 a escolha da solução do novo aeroporto a partir de um relatório aprofundado e fundamentado sobre as vantagens e desvantagens das localizações estudadas pela Comissão Técnica Independente (CTI). O calendário da CTI prevê que o relatório preliminar com a avaliação comparativa (e por vários critérios) seja divulgado este ano para entrar em consulta pública durante um mês. Só depois seria produzido o relatório final que serve de base técnica para uma decisão política e que poderá só chegar às mãos deste executivo já depois da assembleia dissolvida (a data prevista neste momento é meados de janeiro).
Ainda que a metodologia de escolha do aeroporto tenha sido um dos poucos, se não mesmo o único, “acordo de regime” feito entre o PS e o PSD nesta legislatura, dirigentes social-democratas como Miguel Pinto Luz têm vindo a por em cheque a credibilidade e isenção de alguns membros da comissão. Por outro lado, este foi o dossiê que primeiro colocou Pedro Nuno Santos em rota de colisão com o atual primeiro-ministro.
O ex-ministro João Galamba assumiu que a decisão ficava para o próximo Governo, ainda que todo o trabalho de habilitação para essa tomada de decisão fique feito. Tal como no caso da TAP. E para um país que esperou mais de 50 anos por uma decisão, uns meses não farão assim tanta diferença, apesar da urgência tantas vezes repetida.
Ministro da Saúde: Governo está a examinar as condições para negociar com os sindicatos
A saúde é outra das áreas em que há uma forte pressão da classe para o Governo tomar decisões, num longo braço-de-ferro em que os médicos já conseguiram o regresso às 35 horas semanais, mas onde exigem aumentos salariais superiores aos propostos. As estruturas sindicais querem retomar as negociações que foram suspensas após a demissão de António Costa, mas o ministro da Saúde indicou que estavam a ser examinadas as condições para retomar o processo. Apesar de estar em plenas funções, Manuel Pizarro afirmou também “que não pode olhar para o futuro como antes da crise política”.
Fruto do diálogo próximo com as estruturas sindicais da Administração Pública, foi possível antecipar os efeitos das medidas de avaliação de desempenho dos trabalhadores que aceleram as progressões. #xxiiigoverno https://t.co/jpq0BOOAg8
— Presidência do Conselho de Ministros (@mpresidencia_pt) November 16, 2023
Enquanto que na saúde há um compasso de espera, na função pública parece haver um sinal verde. Esta quarta-feira, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, reuniu com os sindicatos para indicar que o Governo vai antecipar a aceleração das progressões das carreiras com efeitos a partir de 2025, em vez de 2026 como estava previsto antes da queda do primeiro-ministro.