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Fractured Aqueduct sketch n.o 5 (colagem e grafite sobre papel, 2023; Corpo Atelier e Eglantina Monteiro)
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Fractured Aqueduct sketch n.o 5 (colagem e grafite sobre papel, 2023; Corpo Atelier e Eglantina Monteiro)

Corpo Atelier

Fractured Aqueduct sketch n.o 5 (colagem e grafite sobre papel, 2023; Corpo Atelier e Eglantina Monteiro)

Corpo Atelier

É pelo futuro da água que Portugal vai chegar à Bienal de Veneza: "Temos de colocar a arquitetura ao serviço"

"Fertile Futures" é a exposição que vai discutir a escassez da água na Bienal. Entrevistámos a curadora, Andreia Garcia, que convidou jovens arquitetos para proporem reservatórios do futuro.

O projeto “Fertile Futures”, apresentado pela curadora Andreia Garcia (Architectural Affairs), irá representar Portugal na próxima edição da Bienal de Arquitetura de Veneza, que decorrerá entre 20 de maio e 26 de novembro sob o tema “O Laboratório do Futuro”, com curadoria da arquiteta e escritora escocesa-ganesa Lesley Lokko, partindo de uma aprendizagem que convoca o contexto africano, como outros que há muito testemunham condições climáticas extremas. Selecionado no âmbito de um concurso promovido pela Direção-Geral das Artes, a mostra expositiva defenderá, entre Portugal e Veneza, a pertinência do contributo da arquitetura no redesenho do futuro descarbonizado, descolonizado e colaborativo, respondendo diretamente à convocatória de Lokko.

Com foco em sete distintas hidrogeografias nacionais, profundamente marcadas pela ação do homem, “Fertile Futures” encomendou a jovens arquitetas e arquitetos, em colaboração com especialistas de outras áreas de conhecimento, a apresentação de modelos propositivos para um amanhã mais sustentável, saudável e equitativo, em cooperação não hierarquizada entre disciplinas, gerações e espécies. No fundo, para que estes pudessem propor aqueles que serão os “reservatórios do futuro”. Partindo desse propósito, o Observador esteve à conversa com Andreia Garcia que concebeu o projeto para aportar à arquitetura, enquanto domínio disciplinar, um outro entendimento sobre as suas possibilidade de futuro. “Chegou o momento de falarmos de novas possibilidades, de se criar algo novo, com novas intenções do que será produzido, e em novos modelos de projetar arquitetura, não a reduzindo apenas como área cientifica.”

O conhecimento dos diferentes contextos nacionais, envolvendo a utilização do recurso hídrico, explica, são essenciais para dar a conhecer melhor os territórios, mas são igualmente forma de olharmos para uma problemática urgente e que ultrapassa fronteiras. “É um problema político mundial, mas também é um problema que vem do sul para o norte. A partir do hemisfério sul, daí recorrermos a África como exemplo neste projeto, podemos aprender com esse continente e com outras regiões que lidam com a escassez de água doce há bastante tempo.” A Representação Oficial Portuguesa, comissariada pela DGARTES, ficará instalada no Palácio Franchetti, situado nas margens do Grande Canal de Veneza, onde será possível conhecer este projeto expositivo que irá ao longo dos próximos meses continuar a propor um debate mais alargado e uma produção de conhecimento sobre o problema da escassez de água.

Andreia Garcia (Guimarães, 1985) é arquiteta, curadora e professora universitária em áreas da arquitetura e da cidade. Fundou o atelier Architectural Affairs em 2016 no Porto, onde vive

Ana Viotti

Se há cerca 50 anos pensássemos que na Bienal de Veneza de Arquitetura de 2023 estaríamos a discutir a escassez de água, talvez a perspetiva fosse outra ou talvez dissessem que não era o sítio certo. De que forma é que esta problemática se liga hoje à arquitetura?Há cerca de 50 anos, provavelmente, o tema seria encarado de uma forma mais idêntica a esta que trazemos hoje do que nos anos mais recentes das últimas bienais. Isto porque nos primórdios desta bienal estava um campo mais experimental e partia muito mais dessa ideia de laboratórios, de uma arquitetura mais sistémica, como forma de apresentação de ideias e como uma convocatória às novas gerações. Esse processo perdeu-se de alguma forma, mas a curadora geral deste ano, a Lesley Lokko, ao lançar o tema de “O Laboratório de Futuro”, vai de alguma forma aos princípios da bienal e acaba por nos convidar a regressar a essa ideia iniciática.

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Há, portanto, um recentrar em termos temáticos?
Quando a curadora escolhe este tema para a edição deste ano, ela no fundo orienta para um modo de fazer. Mas é a metodologia, a partir da qual se exploram estes temas que fica muito sublinhada. Isso é que é novo: um modo de fazer associado aos temas que convoca nesta evidência mais prospetiva, isto é, de lançar o desafio para o futuro, sob uma premissa laboratorial, ou seja, num local idílico para se testaram novas hipóteses.

O papel da arquitetura mudou substancialmente quando toca a problemas de escassez, de clima e de organização harmoniosa do espaço.
Chegou a altura de percebermos que é tempo de voltarmos a ser humanos. Ou seja, é tempo de nós – arquitetos e não arquitetos – trabalharmos as nossas capacidades humanas de forma colaborativa e percebermos que a nossa habilidade para modificar os danos que causamos enquanto espécie é aquilo que nos obriga a ter uma atenção redobrada no desenho que vamos propor. Aqui, a arquitetura, no conhecimento que domina, desempenha um papel pelas ferramentas e soluções que pode trazer. E um facto é que para hoje em dia falarmos da arquitetura como parte da solução não basta falarmos no habitar. Chegou o momento de falarmos de novas possibilidades, de se criar algo novo, com novas intenções do que será produzido, e em novos modelos de projetar arquitetura, não a reduzindo apenas como área científica. Com estas possibilidades, chegou o momento da arquitetura já não se reduzir a um conjunto limitado de funções.

"Temos de colaborar com outras áreas disciplinares sob a única forma de trabalharmos em grupo, com especialistas, que podem construir um objeto de conhecimento que é partilhado e que, no fundo, consegue dar respostas aos problemas comuns."

Uma arquitetura mais dialogante com a sociedade?
Sim. Ou seja, já não podemos estar só numa linha auto congratulatória, em que esta cumpre a sua função e desenha as suas tipologias recolhidas de forma individual. Dessa forma torna-se obsoleta e retira-se de acompanhar uma evolução constante do tempo e de se adaptar a esses novos tempos. Portanto, o que a proposta desta bienal provoca é, precisamente, a necessidade de percebermos que cada época tem as suas aflições e agora cabe a nós perceber qual é a aflição do momento. Temos de colocar a arquitetura ao serviço. Mais do que isso, temos colaborar com outras áreas disciplinares sob a única forma de trabalharmos em grupo, com especialistas, que podem construir um objeto de conhecimento que é partilhado e que, no fundo, consegue dar respostas aos problemas comuns.

O mundo mudou, mas o problema da água bem como das alterações climáticas não é de agora. Como é que surge esta premissa de intervenção?
No próprio manifesto da bienal havia esta ideia de uma estratégia que fosse, assumidamente, descarbonizada e descolonizada, como forma de melhorar uma estrutura de futuro. Numa ideia de que o planeta devia ser um único lugar. Nesse sentido, naturalmente está também a ideia de que quando falamos do planeta não falamos apenas deste para o humano, mas de um ecossistema amplo que se objetiva num bem comum. Para nós, era importante que o tema que servisse como apresentação do pavilhão português não fosse exclusivo ao cenário nacional. A questão deveria ter um impacto global, mas um reconhecimento muito forte da situação vivida no território português. A nossa missão foi perceber qual era, no conjunto das questões com as quais nos confrontamos sobre as alterações climáticas e os seus impactos emergentes, a que mais se evidenciava. A questão do recurso hídrico foi aquela que problematizou mais esta forma de pensar o futuro fértil. Até mesmo se pensarmos de forma metafórica, o recurso da água traz, até poeticamente, a premissa de se regar para colher. Quando somos confrontados com um cenário de refugiados climáticos a aumentar, e com um problema de distribuição geográfica que vai acontecer na sequência da escassez de água e de alimento, surgem logo um conjunto de premissas que têm a ver com esta dimensão do significado da água… mas depois há todo um outro conjunto de questões até mais políticas.

Não é de agora que a escassez de água se tornou num problema político.
É um problema político mundial, mas também é um problema que vem do sul para o norte. A partir do hemisfério sul, daí recorrermos a África como exemplo neste projeto, podemos aprender com esse continente e com outras regiões que lidam com a escassez de agua doce há bastante tempo. São estas regiões que, em simultâneo, trabalham há mais tempo sobre estratégias de como lidar com essa escassez.

Mapa de trabalho de campo da hidrogeografia do Tâmega (desenho, 2023)

Space Transcribers

Daí que o projeto pegue primeiro no contexto africano. Havia algum motivo ou algum caso particular para essa escolha?
Há alguns casos. Na nossa equipa temos dez consultores que aportam ao projeto algumas especificidades e conhecimento internacional que permitem dotar depois as equipas que convidamos de um conhecimento sobre todas estas lógicas, por vezes até mais capitalistas, das pessoas, das mercadorias, numa rede que é absolutamente global e onde Portugal também se assume e se manifesta presente. Sobretudo pela dimensão das políticas que se vão perpetuando ao longo do tempo, em diferentes geografias. Temos por exemplo a Margarida Waco, que é uma escritora e investigadora de Angola, que nos traz uma visão muito informada sobre estas temáticas no contexto africano e que reforça uma ideia sobre a solidariedade entre geografias, que é necessária e urgente. Também convidámos a Marina Otero, que nos traz um conhecimento muito amplo sobre o extrativismo, sobretudo de lítio. No seu livro Lithium: States of Exhaustion (2021), que tem sido absolutamente bíblico, estas temáticas estão bem presentes e ligam-se plenamente com o que pretendemos debater. Está também connosco a Patti Anahory, que vem de Cabo Verde e que trabalha a questão da descolonização, num discurso que se centra mais em questões de identidade e de presença que, no fundo, também estão associadas aqui ao investimento descontrolado do turismo de massas.

Exemplos de problemáticas várias que não afetam apenas o continente africano.
Sim, e por isso mesmo também temos casos da América Latina, nomeadamente do Chile, com o Pedro Ignacio Alonso, em que a questão já é muito diferente. O caso específico dele vem da parte académica e tem que ver com o Deserto do Atacama. Ele, através da Universidade Católica do Chile, cria dispositivos de recolha de água neste deserto e reflete, a partir de um projeto de arquitetura, uma estratégia de recolha de água mas sem adulterar o planeta, num cenário hiper árido e de situações extremas, onde ele trabalha academicamente e aporta à nossa discussão uma experiência de campo e de soluções de escala. No fundo, todos estes exemplos sustentam uma base de trabalho que foi fundamental para o nosso projeto.

Do seu lado, como é que nasceu a motivação para fazer a curadoria deste projeto?
O facto de ter sido um concurso por convite funcionou como estímulo, com extra responsabilidade curatorial. Muitas vezes temos de ser encorajados para propormos, de alguma forma, exposições um pouco mais ativistas, como acho que esta acaba por ser, porque tem essa perspetiva de “como estar no mundo” e não tenta apenas mediar conhecimento e conceitos já pré-estruturados. Assumi este desafio com a responsabilidade de recolher soluções, a partir também da falta de representatividade que sentia nas outras exposições, e fazer isso aqui como olhar para o futuro. Acaba por ser uma exposição, não pondo em causa as anteriores representações portuguesas, que não se propõem a apresentar obra construída… vemos isto como uma oportunidade para apresentar um conhecimento sobre esta ideia possibilidade de experimentar e de propor. Sublinho uma coisa: esta é uma representação que se assume, eu diria, particular porque ela tem uma metodologia de trabalho que advém destes vários laboratórios de trabalho que formámos. Foi um trabalho construído ao longo do tempo e que não se restringe à ideia de uma exposição em Veneza. Assume o carácter experimental da arquitetura e o desenvolvimento da cooperação, de uma experiência direta, intergeracional, multidisciplinar e multisituada. Para nós, isto passou a ser uma definição, porque as equipas de projeto encaram as especificidades de diferentes hidrogeografias, que não são cidades ou regiões, mas sim locais que convocam o que a questão da água e a conjuntura das alterações climáticas traz para cada uma delas, que são muito distintas entre si, mas que paralelamente são representativas de um problema global.

"Acredito no que é ser arquiteta e fazer curadoria de arquitetura. A arquitetura é uma [área] criadora e fazedora, mas não acredito que as nossas capacidades mudem alguma coisa se não o fizermos colaborativamente. É preciso um processo partilhado e feito em rede, com outras disciplinas e outras habilidades."

As equipas incluem os Space Transcribers e Álvaro Domingues (Tâmega), Dulcineia Santos e João Pedro Matos Fernandes (Douro), Guida Marques e Érica Castanheira (Tejo), Pedrez Studio e Aurora Carapinha (Alqueva), Corpo Atelier e Eglantina Monteiro (Mira), Ilhéu Atelier e João Mora Porteiro (Sete Cidades) e Ponto Atelier e Ana Salgueiro Rodrigues (Madeira). Como foi feita esta escolha?
Nesta ideia de laboratório, a ideia de imersão sobre o território era importante. Haver uma proximidade genuína – com conhecimento de causa e domínio sobre a especificidade destas hidrogeografias – bem como uma prática que já procurava conhecer essas realidades, foram os elementos que nos permitiram perceber e selecionar estes perfis. E mais do que práticas jovens no domínio da arquitetura, haver em comum este envolvimento com as especificidades territorialmente dispersas. Se pensamos em soluções propositivas, que no fundo encomendamos a cada equipa, para que ela promovesse um conhecimento mais rico possível e que operasse de forma mais ampla, era preciso começar não pelas equipas, mas por selecionar as hidrogeografias. Fomos primeiro à procura dos problemas.

Só depois vieram as pessoas, muitas das quais com um trabalho de anos sobre estas problemáticas.
Exatamente. Independentemente do ano de formação de cada uma destas equipas de arquitetura, elas detêm um tempo de aprendizagem sobre o território específico que é mais valorizável do que o tempo de prática de arquitetura. Entendemos que no fundo é esse conhecimento que cada equipa detém do seu lugar que permite um olhar e a produção de manifestações, que no curto espaço de tempo em que o projeto se tinha de apresentar, assenta numa lógica e numa narrativa mais humana. E porque se estamos a falar de futuro, acreditamos que são as novas gerações que vão ter a responsabilidade em responder a esse mesmo futuro. Este é claramente um projeto que arrisca a enquadrar-se numa narrativa que já está a acontecer, mas que tenta propor soluções.

O que é destaca destes modelos propostos e das suas singularidades? São propostas que um dia podem ser fabricadas e disseminadas?
Antes de mais, dizer que, em comum, todas as equipas estão num processo que não se encerra na exposição e que depois, no Fundão vai haver um outro momento laboratorial e de produção, inclusivamente de teste de elementos, maquetes e protótipos que até poderão ser testados. Paralelamente, há uma produção de textos e artigos, que se estende até novembro. Todos eles, de forma distinta, estão a dar respostas desconcertantes, ousadas e muito observadoras, muito zelosas do futuro. Mas não assombradas e isso deixa-nos muito felizes. Sobre as propostas, há respostas que podem ser facilmente prototipadas. Há soluções de escala, com tecnologia e um sistema apurado, que podem ser efetivamente produzidas e com relevância técnica, que representam a transformação de uma dimensão que podia ser meramente simbólica para uma dimensão artesanal. Depois há outros lados e outras respostas, mais no sentido desta ideia de regresso à origem e de terra, onde em vez de se pensar na arquitetura como algo que acrescenta camadas de construção, propõem uma subversão dessa tendência e onde se olha para natureza e para aquilo que os ecossistemas nos oferecem. Depois temos outras propostas que nos convidam a pensar que as soluções podem passar mais por repensarmos o nosso lugar como mediador entre a arquitetura e a paisagem. E também há manifestos um pouco mais performáticos, como é o caso do cenários dos Açores com uma reflexão ampla sobre o processo de eutrofização.

Postal ilustrado do caminho da água (colagem digital sobre fotografia de Perestrelos; Cabo Girão, Madeira, 2023 © Ponto Atelier); Atlas de Parede, 2023 (© Ilhéu Atelier, com João Mora Porteiro)

Ponto Atelier

Em termos da exposição que vais estar em Veneza, que ideias é que sustentam a sua curadoria?
Vamos ter, do ponto de vista do que se poderá ver, uma sala central com uma linha de água que, simbolicamente, traz o elemento para a discussão, vai convocar a tal dimensão metafórica e preparar a experiência sensorial e real que se vai ter. Depois há sete salas, das sete hidrogeografias, com a resposta de cada uma para as tais especificidades dos seus problemas. No fundo, é como uma folha de palmeira. Temos as sete salas que ladeiam esta sala central, mas voltamos sempre ao veio central, a essa linha de água.

Acredita que muitos destes modelos podem vir a ser adotados num futuro próximo ou pelo menos vistos como princípios de solução a explorar?
Acredito no que é ser arquiteta e fazer curadoria de arquitetura. A arquitetura é uma [área] criadora e fazedora, mas não acredito que as nossas capacidades mudem alguma coisa se não o fizermos colaborativamente. É preciso um processo partilhado e feito em rede, com outras disciplinas e outras habilidades.

Neste projeto iniciou-se também um ciclo de “Assembleias de Pensamento”. Há resultados que se esperam poder conhecer?
Sim, cada uma destas assembleias são uma forma do projeto continuar a polinizar no futuro. Continuamos a colocar questões mesmo depois da exposição ser inaugurada. Porque o futuro visa diferentes futuros e envolvermos a comunidade académica e a participação de estudantes nesse cenário, bem como o facto de abrirmos essa mesma discussão a um envolvimento mais público é essencial. Por isso é que temos uma série de ações que estão a decorrer e outras parcerias que vão estender esse conhecimento. Temos uma parceria com a plataforma e-flux, que está a convidar autores, como o filósofo Emanuele Coccia, para produzir artigos a partir do nosso manifesto e criando outras relações, sendo que essas reflexões também vão estar no nosso catálogo. Até novembro vão estar a ser publicados estes artigos e análises profundas que vão escrutinar a problemática. Noutra parceria, a revista Umbigo vai fazer uma edição especial sobre o “Fertile Futures”, em que irá convidar artistas e pensadores para pensarem sobre estas temáticas. E por último, o Canal180 está a realizar um conjunto de entrevistas com as equipas e outras pessoas convidadas.

"É fundamental encontrarmo-nos e perceber como é que conseguimos não ser apenas espectadores que emprestam a pele para ser moldada, mas percebermos como é que, através das catástrofes, podemos ter uma utilidade e uma voz. Neste caso, como é que a arquitetura se permite à construção de um novo enquadramento sobre a forma de estar e sobre as relações que encetamos com o mundo e a sua paisagem."

Seria interessante alargar essa discussão a outras esferas da sociedade?
Penso que as repetidas ocorrências de uma série de catástrofes naturais, agravadas por tudo o que já sabemos, convocam-nos, enquanto arquitetos, políticos e não só, a uma consciência de que todos somos parte dessa participação e cada um de nós tem uma responsabilidade redobrada a partir do momento em que sabemos do problema e que este nos imiscui uma responsabilidade. No fim disso, queremos que o desafio do nosso projeto seja o de efetivamente consciencializar, mas sem condescendência, e aprofundar o conhecimento específico sobre estas hidrogeografias nacionais, mas também alertar para aquilo que é um cenário mundial e urgente.

Numa entrevista cunhou o slogan “somos todos África”. Há uma reflexão particular sobre esta parte do globo que vai ser decisiva no futuro do mundo?
Partindo do principio de que não podemos mais adiar o nosso tempo, a convocatória alcançada pela Leslie Lokko permitiu-nos configurar estratégias de esperança que defendemos e, de facto, acredito que só serão possíveis de enfrentar se deixarmos pelo caminho ideias preconcebidas de contextos desfavorecidos como se isso não fosse aqui, e para os problemas que temos em cima da mesa, igualmente significativo de reforço de conhecimento que não detemos. Daí o olhar para África, porque África detém um conhecimento que, por exemplo, a Europa não tem, temos de aprender a saber lidar com isto. Porque se até agora fomos poupados e privilegiados, agora que temos de lidar com um problema, que inclusivamente vislumbra a hipótese da água doce poder vir a ser rastreada, a questão é como é que conseguimos preservar vida neste planeta que é de todos, que não tem fronteiras e que se pode começar a conhecer numa lógica muito mais geográfica… mas em vez de falarmos em limites que são política e economicamente definidos, reforçar a ideia de maior equidade racial e mais justiça climática. São tudo faces da mesma moeda. Falamos num contexto europeu e norte-americano, mas como é que aprender com África e com outros territórios não é também uma estratégia de descolonização? Quando digo “somos todos África” quero dizer que neste momento temos de assumir que os problemas já não são distintos, as ideias é que são. Continuamos muito pouco sensíveis a enriquecermos as nossas abordagens com o conhecimento de quem já sabe

Há um futuro fértil que ainda é possível almejar?
Claro que há. Este projeto vislumbra uma sobrevivência e um encontro com o futuro em que nos encontramos num espaço existencial e acredito que é possível falar… muitas vezes a imaginação é considerada como um domínio da arte; mas penso que cada uma de nós tem a capacidade de imaginar a sua existência através das experiências e de estímulos que recebe do lugar que ocupa. Nessa perceção do que poderá vir a ser o amanhã, certamente com toda a indefinição que isso traz, acredito que este projeto lembra que a nossa capacidade de imaginação representa também a qualidade que cada um de nós aporta da sua autoconsciência. Diria que é, por isso, fundamental encontrarmo-nos e perceber como é que conseguimos não ser apenas espectadores que emprestam a pele para ser moldada, mas percebermos como é que, através das catástrofes, podemos ter uma utilidade e uma voz. Neste caso, como é que a arquitetura – entendida como lugar de política – não é apenas uma realidade sobre o uso e a função, mas se permite também à construção de um novo enquadramento sobre a forma de estar e sobre a relação que encetamos com o mundo e a sua paisagem.

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