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Quando a entrevista do Observador terminou, Mário Ferreira já estava pronto para receber as visitas da reunião seguinte. Não gosta de atrasos — nisso, “e no estilo de gestão”, é como os americanos. “Tenho de lhe dar na cabeça!”, disse o empresário do Douro referindo-se ao arquiteto que iria receber a seguir — e que enviou um projeto para o email errado das entidades competentes. “Isso foi em julho, só nos apercebemos do erro em outubro. Veja quantos meses se perderam…”. Pouco depois, enquanto a equipa do Observador saía da sala, disse (meio a brincar) ao surpreendido arquiteto: “Por causa de si tive de estar a ouvir as perguntas avinagradas destes senhores do Observador”.
A conversa de uma hora — conseguida após semanas de contactos com a equipa de Mário Ferreira — aconteceu em frente à Alfândega do Porto, nos antigos armazéns da Real Companhia Velha, em Miragaia, convertidos em escritórios da Douro Azul. A estrutura do edifício — como as arcadas — foram mantidas, e adicionados elementos mais modernos, ao gosto do empresário. O que talvez salte mais à vista é uma obra de Joe Black, que recriou o famoso quadro de Andy Warhol com Mao Tsé Tung, mas constituído por 9.000 soldados em miniatura a formar a cara do antigo líder chinês. Ou o retrato “irónico” da Princesa Diana, cuja cara surge dos pequenos carros destruídos.
[O melhor da entrevista ao empresário Mário Ferreira]
Partilha o gosto pela arte com o padrinho de casamento – nada menos do que Joe Berardo. Mas partilhar o gosto não significa que queira fazer dinheiro com ela. “Não faço coleção para depois vender. Compro os quadros de que gosto e fico com eles”. É neste cenário – entre funcionários que o abordam nos corredores para dar opiniões sobre alcatifas, azulejos e mármores para equipar os navios — que Mário Ferreira se sente melhor. E é também este cenário que descreve um homem que, mais cedo ou mais tarde, vai juntar-se a um dos maiores grupos de media em Portugal: a nova Cofina, previsivelmente já com a Media Capital, a dona da TVI.
Sobre os pormenores do negócio, não quer adiantar muito. “Até porque já tive de aguentar uma hora a dar explicações à CMVM” por declarações públicas feitas anteriormente. Mas não lhe falta o fôlego para dizer o que pensa sobre o futuro da comunicação social em Portugal. Sempre com um aviso: quando se mete em alguma coisa “é para ganhar dinheiro”. Prejuízos com um jornal? “Não acredito em estar a tirar dinheiro de outros negócios para sustentar uma coisa que não tem viabilidade”. Tudo dito.
Uma das pessoas com quem falámos sobre si disse-nos que é um especialista a explorar oportunidades geradas pela ineficiência do Estado. É mesmo assim?
Eish, vocês começam logo com perguntas complexas…
Nem por isso, não é assim tão complexa.
Não, ouça… encontrar oportunidades é uma coisa, agora que elas sejam deixadas pelo Estado isso é estranhíssimo. Isso não é verdade. Que goste de ver, que tenha olho para ver onde existem oportunidades tout-court, isso sim. É óbvio, mas isso é uma característica dos empreendedores: poderem ver, muitas vezes, oportunidades onde os outros veem problemas. Não sei quem disse isso, mas deverá estar a referir-se a dois ou três assuntos que possam ter algumas ligações e que sejam publicamente mais conhecidas… Sei lá, a questão do Tua, mas essa é uma questão privada, relacionada com a EDP. Não era [privada], mas agora já é. Sem falar em concreto dos temas é difícil. Agora, ver oportunidades, sim.
Mas o Estado é um bom gestor do seu próprio património?
É… diferente. É óbvio que o Estado tem que ser um gestor. Se é bom ou mau, depende das pessoas que lá tenha. Embora seja um empresário muito liberal, eu pessoalmente continuo a achar que situações estratégicas para um determinado país — como a distribuição elétrica ou de água — deveriam ter uma gestão profissionalizada mas um controlo dos Estados e dos governos, para não ficarem dependentes de terceiros. De todas as maneiras, não é isso que acontece, mas nas empresas que são controladas e geridas pelo Estado é muito difícil, pelos ordenados que são estabelecidos, relativamente baixos, conseguirem-se os melhores profissionais e gestores. Não ligo muito a essas áreas, mas é o que vejo e o que se ouve.
“Existe muita mesquinhice ainda nas secretarias das instituições” que aprovam investimentos
Acha que há demasiada burocracia associada aos negócios, nomeadamente aqui no Douro?
Ah, isso é outra pergunta. Por muito que se tenha dito ao longo destes anos que a burocracia desapareceu ou que se atenuou… é óbvio que não. Talvez pela base das leis que existem é permitido que um conjunto de instituições possa, de forma propositada e se assim entender, atrasar um processo. Veja, se tiver que pedir 16 ou 18 pareceres para uma determinada aprovação – e estamos a falar de casos concretos – é possível. Dou-lhe o exemplo de um processo que deve ser o campeão neste género. Andamos há 20 anos, eu até perco a conta… há 22 anos para licenciar um determinado projeto, que se chama Douro Marina Hotel. Na atura foi lançado como PIN 003, ainda hoje é um Projeto de Interesse Nacional que está ativo. E é o 003… Veja lá há quantos anos é que isto vai. Em teoria até teria um acompanhamento especial, por ser um projeto de interesse nacional. Saiu há mais de dez anos, publicado em Diário da República, que estava aprovado e continuamos ainda, neste momento, a não o conseguir implementar. Está quase… Mas já “está quase” há… 20 anos.
Houve pareces negativos da comissão de coordenação do Douro…
Não, vamos lá ver… Se dissessem assim: olhe, não queremos que isso se faça, está aqui uma indemnização e desista desse projeto. Mas não! Agora é porque o estudo de impacto ambiental, o primeiro, tinha algumas incorreções. E até é verdade que tinha. Depois o segundo é por isto e o terceiro é por aquilo. Agora estamos no terceiro. Depois é por causa da cota de cheia, depois por causa da cota não-sei-quê. Depois era porque não podia ter o telhado assim, depois é porque não podia ter o telhado assado…
São questões ambientais.
Não… Depois é porque a arquitetura não era do agrado das pessoas que lá estavam na altura a apreciar. E veja… Os técnicos deviam reger-se pela lei, mas dão opiniões próprias: gosto ou não gosto. O que é muito desagradável para os próprios colegas.
Acha que esse é um dos problemas, haver demasiado “achismo” nas pequenas estruturas de poder que depois conseguem bloquear um determinado investimento?
Há sujeitos especialistas em ter de colocar o seu cunho próprio num determinado projeto. Não sei se é por serem pessoas que… se calhar, por causa daquilo de que falámos há pouco, serem pessoas mal pagas, penso que algumas até estão relativamente frustradas nos trabalhos que exercem e isso vê-se em muitos casos. Felizmente, não estamos a dizer que são 100%, mas eu diria que mais de metade está na parte do frustrado porque, coitados, querem interferir, querem atrasar… E não veem com bons olhos que alguém possa querer comprar determinado ativo, transformá-lo e realizar dinheiro com ele. Isso incomoda muita gente.
Tem algum exemplo concreto?
Dou-lhe um: aqui o Hotel Monumental era um ativo que esteve durante 20 anos fechado, abandonado. A empresa que o tinha faliu por causa da crise e deixou aquilo ao banco. Nós comprámos, reabilitámos, remodelámos… Foi tanto o sucesso que nem conseguimos abri-lo — no dia da abertura já estava vendido a um grupo francês que o quis, porque era uma peça única. Mas, mesmo assim, tivemos críticas, com pessoas a dizerem:”‘Porque é que já vendeu? Então isto tem algum jeito? Ganhou tanto dinheiro a vendê-lo…” Mas essas pessoas que dizem isso e que pensam dessa maneira nunca lhes passou pela cabeça arriscar o seu próprio dinheiro ou ir ao banco pedir um financiamento, investir e transformar. Existe muita mesquinhice ainda nas secretarias destas instituições.
Mas acha que não tem a ver com as questões ambientais? Num dos seus projetos, um dos pareceres negativos foi precisamente o desse hotel, que seria uma ameaça à classificação do Alto Douro Vinhateiro.
Não, isso é uma mentira. Foi uma dessas pessoas que cataloguei da forma que acabo de descrever que disse isso. Sem qualquer tipo de fundamento. Se houvesse uma ameaça não deveria ter sido aprovado — e foi aprovado. Por acaso até me sinto perfeitamente à vontade porque, quando o projeto foi aprovado – o que existe hoje não posso fugir dele, porque é o que está aprovado (e nem foi por mim, foi por outra pessoa) –, nós tínhamos vendido aquela unidade, porque ao fim de tantos anos eu não queria perder mais tempo com aquilo. E vendi. Entretanto, a pessoa que comprou tinha pago só uma parte e entrou em dificuldades económicas. E achou por bem, ou não tinha capacidade, pagar a diferença e como aquilo tinha uma reserva de propriedade veio devolvido. E quando veio devolvido já veio com esse projeto aprovado, por isso, o projeto que lá está e que foi idealizado não é nosso, mas é aquele que temos de levar em frente. Obviamente, não tinha qualquer problema, nem existe essa questão. São mitos criados e colocados junto da opinião pública. Como não se podem fundamentar numa base legal e credível, inventam histórias e, infelizmente, existem um ou dois jornalistas que estão sempre disponíveis para fazer eco desse tipo de notícias, porque vende jornais.
Mas em relação ao Wine Lodge Hotel, outro projeto que também ainda não avançou, também são necessárias…
(interrompendo) Wine Lodge Hotel é um nome bonito…
É esse o nome, correto?
Não, não, não… É o nome de projeto, mas não será o nome. Já teve vários.
Mas ainda não teve pareceres positivos…
Não. Teve pareceres positivos, mas não teve pareceres finais. Aqui dentro o projeto é conhecido como “Hotel da Escarpa” porque está ali na escarpa do Douro. Esse teve uma curiosidade da qual soube esta manhã [quinta-feira, 24 de outubro]. O nosso arquiteto mandou as alterações que tinham sido pedidas para uma determinada instituição, em julho. E achámos estranho – até pensámos que tinha sido o próprio arquiteto que não tinha mandado as alterações pedidas – porque nunca mais vinha resposta nenhuma. E na verdade o que aconteceu foi que a técnica mudou de email e diz “Ah, os emails que mandou em julho para esse email já não dá, porque agora o email é outro”. Isto aconteceu em outubro, por isso, veja quantos meses se perderam por uma troca de emails… A culpa também é do nosso arquiteto, porque foi dando… deveria ter feito um follow-up. Mas hoje em dia se se faz um follow-up depois os técnicos também dizem que estão a ser pressionados. Por isso, já não sabemos o que havemos de fazer. Se não pergunta é porque não pergunta, se pergunta é porque pressiona…
Os dois empresários que sempre admirei? Belmiro de Azevedo e Américo Amorim
Mas que caminho há a dar a isto?
O caminho a dar a isto é, uma vez mais, uma profissionalização e que as pessoas que estão a trabalhar sejam avaliadas e tenham de justificar os seus bons ou maus atos e tenham uma avaliação concreta e credível. É muito simples. Pelo menos aqui no Norte, e tenho quase a certeza de que lá para baixo não há de ser muito melhor, é tudo demasiado burocrático e não havia necessidade disso. E isto tem impactos na economia. E há pessoas que desistem. Muitos grupos internacionais olham para Portugal, contratam gabinetes de grandes advogados para tentar resolver os problemas, mas… Vamos lá a ver: se os serviços dizem não, é não; se dizem sim, é sim. E se em determinados casos a resposta é não, mas pode ser de outra maneira, que digam o que é preciso fazer.
Imagino que isso cause problemas às empresas.
Normalmente, as empresas profissionalizadas como aquelas que nós aqui temos não se vão meter em projetos que não estejam dentro daquilo que são as possibilidades para aquele local específico. O problema é que depois as coisas vão-se transformando. Nós temos um caso em que cinco técnicos assinam um parecer e, depois, temos outro parecer feito pelos mesmos cinco a dizer uma coisa totalmente diferente. Este tipo de coisas acontecem em Portugal… Mas pronto, com o tempo e com a modernização…
Estava a falar do Norte e do Sul. Fala-se do centralismo e dos problemas que isso coloca. Sente obstáculos por ser um empresário do Norte?
Se as coisas funcionassem… O país é pequeno, não é tanto uma questão de Norte e Sul ou Centro. Tem mesmo a ver com o funcionamento das instituições. A maior parte das decisões que são tomadas aqui, localmente, têm de ser revistas em Lisboa. Por exemplo, um projeto de arquitetura naquele Hotel da Escarpa: as questões da APA (Agência Portuguesa do Ambiente) vão a Lisboa, as questões da cultura – que é importante porque estamos em zonas relacionadas com o Património da Humanidade —, mesmo que a Cultura do Norte aprove, tem de ir a Lisboa. Por isso, vai ter de ir sempre a Lisboa. E se Lisboa disser que não… é não.
Por isso lhe perguntava, se essa ‘ida a Lisboa’ lhe coloca problemas acrescidos.
Não é uma questão de problemas, mas sim processual. Quanto mais voltas as coisas tiverem de dar e quanto menos autonomia tiverem as entidades que estão a tratar dos assuntos na primeira linha, maior é a probabilidade de encontrar um técnico que queira criar algum tipo de problemas.
Já falámos destas questões dos gestores. Queria perguntar-lhe: há algum gestor em Portugal que admire particularmente?
Olhe, eu desde que vim para Portugal – vivi muito tempo fora, saí com 16 anos e voltei perto dos 25 – os dois empresários que eu sempre admirei foram o Américo Amorim e o Belmiro de Azevedo. Homens bastante diferentes, mas que sempre admirei como empresários.
E acha que Portugal tem bons gestores?
É assim… ehhhh… (pausa)
Não se acanhe agora…
Tem… então não tem? A nova geração gestores é muito bem formada. Infelizmente perdemos muitos dos bons gestores para o estrangeiro, e estão a fazer grandes percursos. Ainda na semana passada tivemos a honra de ter aqui na Fundação Ilídio Pinho uma pequena palestra daquele que é um dos grandes gestores mundiais e que é português, o António Horta Osório.
Há pouco falava de Américo Amorim e Belmiro de Azevedo. O que tentou trazer deles para as suas próprias empresas?
No Américo Amorim via-se que era uma gestão… de um homem (pausa). Como diria? Não queria dizer uma gestão mais dura, mas… vê-se um homem mais…
Mais austero?
Mais austero, mas também muito humano. Mais um estilo com aquele ar de “self made man“. E que sentia o orgulho nos accomplishments que ia tendo e no crescimento que tinha. O Belmiro via-se que era um homem mais estratégico. O que eu via é que era um homem que apostava muito na formação dos seus quadros.
É assim que se vê ao gerir o seu grupo? Austero, mas ao mesmo tempo humano?
Menos austero, se calhar mais humano e também a querer diversificar bastante na gestão, podendo trazer para dentro do grupo estrangeiros e pessoas que não sejam só portuguesas. Desde o início do crescimento desta empresa apostámos no mercado internacional para não depender praticamente nada do mercado nacional como clientela. E tivemos de procurar uma certa internacionalização da gestão da empresa. E essa foi uma grande aposta que fizemos.
“Quando chega a altura de ser o patrão eu não tenho medo de ser o patrão”
As pessoas com quem falámos dizem que tem um estilo particular, mais duro, à americana, e que não gosta que lhe façam frente. Concorda com esta descrição?
Não. Um estilo mais duro, não. Mas um estilo anglo-saxónico de gestão, mais à americana, sim, isso é perfeitamente verdade. Mas isso quer dizer um estilo mais aberto e que quando acho que tenho razão, não tenho problema nenhum em confrontar essa razão. Nós temos discussões bastante saudáveis com pessoas que dizem que não, ou que não estão de acordo. É para isso que lhes pago, para poderem ter ideias e para poderem inovar. Agora, não têm de estar sempre de acordo ou também não têm de estar sempre de acordo comigo e aí, sim, discutimos acesamente, de uma forma controlada, diversas questões. Ainda ontem estive num escritório da Alemanha e posso dizer que a um determinado momento tivemos uma discussão muito acesa em que eu tive de dizer: “Não me interessa o que o senhor quer ou não quer”. E estamos a falar do CEO, que é alemão… Eu disse: “Olhe, não me interessa o que o senhor quer. Eu quero desta maneira e pronto”. E assim acabou a discussão. Quando chega a altura de ser o patrão eu não tenho medo de ser o patrão e isso faz a diferença.
Mas na sua relação com os autarcas e com as entidades locais, teve problemas problemas, conflitos sérios?
Não, temos uma boa relação. Nos autarcas o que se nota é que a nova geração de autarcas é totalmente diferente. Eu ainda conheci, quando vim para cá — era miúdo, tinha 20 e tal anos —, muitos daqueles que eram considerados os dinossauros das autarquias. Boa gente, coitados, mas com uma formação muito básica, não falavam línguas, tentavam alguns deles até representar o Douro nos primórdios do turismo do Douro no estrangeiro, mas tinham muita dificuldade porque não falavam línguas estrangeiras. Mas era diferente. Hoje em dia os autarcas são bem formados, estamos a falar de gente capaz e os meios, nos dias de hoje, também são totalmente diferentes.
Na sequência daquela pergunta do estilo de gestão mais americano. Com quem é que faria mais rapidamente um negócio: com Elon Musk ou com Donald Trump?
Ui! Essa é uma tricky question. Deixe-me beber um bocadinho de água, por favor (risos) Essa é uma tricky question porque é muito difícil responder a isso de uma forma assim objetiva. Eu com o Elon Musk não faria e vou-lhe dizer porquê. Porque ele pode parecer um visionário…
… mas não acredita nele.
Não acredito em muitas das parvoíces que ele apresenta porque é muito fácil parecer um visionário com biliões que se estão a derreter de dinheiro que vem dos outros, que estão a investir na bolsa. Se alguém é um visionário e investe as suas próprias poupanças ou a sua própria riqueza para desenvolver determinados produtos ou projetos, aí acho que sim, que tem todo o mérito. Mas eu acho que ele derrete muito dinheiro em loucuras que não terão o mínimo de viabilidade comercial para quem lá mete [o dinheiro]. Em relação ao Trump, acho que é até demasiado básico nas cartas ou nas respostas que dá e é pouco ortodoxo na forma como se refere a determinados projetos, mas é definitivamente um businessman. Já faliu vários vezes, sabe o que é um negócio, sabe o que não é um negócio. É um homem de negócios. Obviamente muito focado no real estate, na área imobiliária, nos hotéis e nos golfes, mas é um homem de negócios e acho que nos Estados Unidos faria mais facilmente, sem sombra de dúvidas, negócios com o Trump, como homem de negócios, do que com o Elon Musk, que é um sonhador que sonha enquanto gasta o dinheiro dos outros.
Mas Trump poderia ser uma pessoa que poderia ter êxito nos cruzeiros fluviais, por exemplo?
(Bebe água)
Foi a pergunta sobre Donald Trump que fez aqui cair a gota de água… Ia perguntar se aquela maneira que ele tem de ser e a forma que ele tem de encarar os negócios fariam dele um concorrente perigoso nos cruzeiros fluviais.
Fariam dele um bom concorrente, porque ele tem capacidade de execução. Vendo o que fui lendo acerca dele, e ouvindo os amigos que tenho e que são amigos dele, que têm uma boa relação com os Estados Unidos, ele é um doer, um homem que faz acontecer. Por isso, obviamente seria um bom concorrente. Agora, eu acho que a concorrência não é uma coisa má, é uma coisa boa. E quantos mais bons exemplos existirem num determinado negócio, melhor é para esse negócio poder crescer.
E vê-se algum dia a fazer uma carreira política também?
Eu não, não!
Não lhe interessa nada?
Não tenho jeito para isso. É preciso ter uma certa tendência para aquilo.
Porque é que acha que não pode dar um contributo nesse sentido, mas pode dar no ponto de vista da economia?
Porque eu vivo as coisas de uma forma intensa e personalizo muito as coisas. Para mim seria horrível estar a tentar fazer algo positivo para o país e alguém perceber que o que eu estaria a fazer era positivo, mas vir dizer exatamente o contrário para uma televisão porque a sua ideologia política assim o obrigaria. E isso a mim faz-me muita impressão na política. Vê-se que as pessoas dizem aquilo que têm a dizer. É a mesma coisa que o Partido Comunista dizer que aquilo que se passa na Coreia do Norte é uma coisa boa. Eh pá, obviamente que aquelas pessoas que estão a dizer aquilo sabem que não é assim, que não pode ser assim. Ou que o que está a acontecer na Venezuela é uma coisa positiva para aquele povo. É óbvio que em casa, com os seus netos, não vejo que teriam coragem de dizer isso ao netinho quase de certeza absoluta.
Nos últimos quatro anos vimos um Partido Comunista diferente.
Sim…
Um bocadinho mais para consumo familiar, digamos assim.
Sim, mas eu não estou aqui a querer dar esse exemplo. Estou a falar de uma forma genérica. Eu não conseguiria viver bem com isso. E digo-lhe desde logo: quando voto, e voto sempre, voto em pessoas. Se eu achar que aquela pessoa que ali está poderá fazer o melhor pelo país, não tenho problema nenhum em votar no PS ou no PSD. Não sou daqueles seguidores de partidos e acho que as pessoas devem seguir aquilo que acham que é melhor para a gestão do seu país. Mas isso é uma forma de ver isto num perfil de gestão.
“Acho que Portugal só teria a ganhar com um António Costa forte e com o apoio do Rui Rio”
Quem é que acha que é melhor pessoa, António Costa ou Rui Rio?
É uma pergunta difícil porque eu sou amigo do Rui Rio e também simpatizo com o primeiro-ministro. Não sou amigo pessoal, mas gosto muito dele como pessoa, já do tempo da Câmara Municipal, porque também acho que é uma pessoa muito eficiente. Não é daqueles que quando temos uma reunião com eles diz “Ah não, é tudo fácil, é tudo possível” e depois nada acontece. Mas a primeira experiência que tive com António Costa foi na Câmara de Lisboa e o que ele disse que poderia ser feito, foi feito. Na altura, nós precisávamos de colocar um cais no Tejo e aconteceu exatamente e nos timings que ele disse. Valorizo muito esse tipo de pessoas. Com o Dr. Rui Rio tive uma experiência com ele aqui na Câmara do Porto. Conheci-o, ficámos amigos. Acho os dois muito bons gestores e aí a piada, não sei se isso terá muita piada ou não, vai para o ar, mas olhe, é o que é: acho que os dois se completariam muito bem num governo. Porque eu acho…
… há muita gente a falar nisso neste momento.
Mas eu vou-lhe dizer. Eu acho que o António Costa faria muita falta a um modelo de gestão de Rui Rio para as partes que o Dr. Rui Rio acho que não tem, como acho que o Dr. Rui Rio faria muito bem a um governo de António Costa. Mas isso seria… Estamos a falar de uma coisa espacial…
Em vez da geringonça, um bloco central.
Eu, pessoalmente —mas pouco interessa aquilo que eu penso, penso para mim, posso pensar, ninguém me pode proibir de pensar —, acho que Portugal só teria a ganhar com um António Costa forte e com o apoio do Rui Rio. Ganharíamos todos com isso.
Vamos ver quantos orçamentos de António Costa é que Rui Rio e o PSD vão aprovar.
Uma coisa é aprovar, outra coisa é que ele pudesse ter algum input e aí seria diferente. Não é andar a reboque, mas ter algum input, algum contributo.
Como é que é a sua relação com a classe política. Numa das últimas inaugurações de um dos seus barcos, esteve o primeiro-ministro, António Costa, e outros membros de governos anteriores. Antes já esteve Rui Rio, quando era autarca do Porto… Como a sua relação com a classe política?
A minha relação acho que é boa. Devemos no caso dos navios… o caso do World Explorer foi o primeiro navio de passageiros construído em Portugal e acho que foi muito simbólico poder ter um evento onde não estava só a classe política e não era só o governo… estava o primeiro-ministro, estava o ministro da Economia, mas também estava o Dr. Rui Rio, os autarcas locais, o presidente da Câmara de Viana. O importante, e acho que foi um ponto marcante, foi poder criar um evento daquela envergadura em Viana, no estaleiro. E o estaleiro poder mostrar-se ao mundo e poder mostrar que, para um estaleiro que foi considerado moribundo e arrumado, consegue construir um navio com aquela tecnologia e com aquele sofisticação. Acho que foi importante para todos e o poder ter estado o primeiro-ministro num evento destes acho que só deu grandeza ao evento. Não há qualquer outra relação, não existiram qualquer tipo de subsídios do Estado à construção do navio. O navio foi feito com capitais próprios, por isso, até os presidentes dos bancos que lá estavam presentes foram também importantes para o futuro crescimento dos navios que se venham a construir nos estaleiros.
Mas acha que isso possa ser visto pelos mais críticos como uma forma de o Mário Ferreira poder vir a ter alguma influência nas decisões dos políticos?
Não, porque acabei de lhe dar a resposta. Se não há qualquer tipo de interesse direto. O que aquilo dá é uma importância a cerimónia, não deixa de ser uma cerimónia, onde está um bispo a abençoar uma determinada embarcação e que nós demos como uma afirmação nacional e internacional do evento. Eu acho que é uma honra poder ter um chefe de Estado, seja o primeiro-ministro, seja o Presidente da República, numa situação destas, porque também para eles… Acho que tiveram muita honra em poder estar… Então se vão a uma inauguração de uma fábrica, ou de uma estrada qualquer, por que é que não hão-de estar num evento que foi marcante e devo dizer que este evento foi determinante para a manutenção do know-how da construção naval em Portugal. Acho que um país que se quer afirmar no mar cada vez mais só pode dar valor a situações do género.
Sente-se representado por estruturas como a CIP ou como a Confederação do Turismo?
Sim… Acho que sim…
Esse sim não foi muito convicto…
Nós estamos num setor muito sui generis. A Confederação do Turismo de Portugal é muito apoiada e muito assente e tem as influências dos grandes grupos hoteleira, é muito virada mais para a parte da hotelaria…
Vocês são um alojamento flutuante…
Nós somos um negócio um bocado diferente, somos hotéis que se movimentam…
Hotéis sem morada fixa.
É uma coisa um bocado diferente. A AHRESP, com os restaurantes, agora também se sente melhor representada. Mas acho que este presidente está a fazer um bom trabalho, nós apoiamo-lo e, na verdade, não posso dizer que sentimos que o setor, como setor em si, seja um setor que tenha um apoio excecional porque é um setor diferente e é um setor muito específico e é um setor que é pouco compreendido em geral.
“Eu o Paulo Fernandes somos amigos da caça, do ski, de família”
Passemos ao Mário Ferreira, o futuro patrão dos media…
Eh lá…
Que jornais lê de manhã?
Os alertas que recebo de manhã são três e normalmente seguidos. É o Eco, o Observador e o Jornal de Negócios.
E lê o Correio da Manhã [detido pela Cofina]?
Só leio o Correio da Manhã se alguma coisa muito extravagante aparecer, mas aí é se aparecer nas notícias da televisão e que chame a atenção quando se vê as capas dos jornais.
E em termos de televisão, vê o quê?
Em termos de televisão normalmente via sempre a SIC Notícias, mas aqui há uns meses mudei para a TVI24.
Por alguma razão?
Para variar um bocadinho.
Já foi anunciado que vai avançar com a Cofina no negócio da compra da TVI.
(Interrompendo) Não fui eu que anunciei.
Sim, foi anunciado
Alguém decidiu anunciar.
Como é que surgiu esse negócio?
Não posso falar desse negócio porque não existe nenhum negócio. Alguém disse que eu teria interesse em participar num determinado aumento de capital, e eu estou à espera, mas não posso comentar isso. Eu li nos jornais a mesma coisa que você leu.
Mas recebeu um convite por parte da Cofina?
(Silêncio)
Pode pelo menos dizer como conheceu Paulo Fernandes [presidente executivo da Cofina]?
Ah, isso não tem nada a ver uma coisa com a outra. Eu e o Paulo Fernandes somos amigos da caça.
Da caça?
Caçamos juntos, fazemos ski juntos, fazemos férias com a família, é uma coisa diferente. As pessoas é que misturaram tudo e os anúncios que saíram no jornal… O facto de eu não negar ou confirmar criou um falatório. Agora, investimentos nos media eu tenho, sou acionista do Eco, isso é conhecido. Se gostaria de investir num aumento de capital da Cofina? Provavelmente sim, mas isso em seu tempo as coisas deverão ser anunciadas como o caráter formal que é requerido pela CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários].
Em termos mais genéricos, o que é que pensa do panorama da imprensa em Portugal? O que é que lhe agrada mais e o que lhe agrada menos? Há pouco falávamos deste fenómeno das fake news…
Acho que a imprensa em Portugal está a sofrer uma transição, como no resto do mundo, que é a questão de o papel estar a desaparecer. É uma pena mas é o que é. Títulos como o DN, que eram importantíssimos, estão praticamente a desaparecer. O JN, que é um jornal importante para o país e para o Norte de Portugal, com uma história fabulosa, também está a passar pelas ruas da amargura e terá que, obviamente, se reinventar mais numa base digital. Acredito que, nesta fase de transição, poder estar ligado à parte digital é fundamental. Mas para isso é preciso fazer grandes investimentos e a transformação é grande. Em relação aos media, em geral, televisão e tudo mais, acho que o mercado é relativamente pequeno e que se puderem existir sinergias entre diversos grupos, mantendo a sua autenticidade e obviamente a sua base editorial e o seu estilo próprio, acho que isso só pode trazer vantagens no futuro.
Mas é atrativo? Ou seja, há dinheiro a fazer no negócio dos media em Portugal?
Eu, se algum dia fizer investimentos à séria nos media, é para ganhar dinheiro, não é para perder dinheiro. Não tenho outras aspirações, só mesmo se for um negócio, se não for negócio… Mas acho que obviamente existe negócio nos media em Portugal e a visão que para isso tenho tem muito a ver com aquilo que é um problema europeu. Vamos deixar de falar só sobre Portugal, é uma questão europeia. Eu posso vir a investir em Portugal, posso vir a investir em Inglaterra, ou até na Alemanha, nos media ou em setores em que o envelhecimento europeu possa trazer grandes vantagens. Está provado que a Europa está a envelhecer e Portugal em particular. As pessoas vão ter mais tempo, e, provavelmente, não estando a falar do Elon Musk, mas a robótica e a inteligência artificial vai facilitar a vida às pessoas.
E qual é o impacto disso para os media?
As pessoas vão acabar por trabalhar menos. Lembro-me do meu pai, que trabalhava aos sábados, por isso, trabalhava seis dias por semana. Nós agora trabalhamos normalmente cinco. No futuro, vamos trabalhar três ou quatro dias porque a robótica e a inteligência artificial vão permitir que a qualidade de vida seja melhor nesse aspeto do trabalho e que exista mais tempo livre. Existindo mais tempo livre, mais pessoas idosas, o que é que faz falta? São conteúdos. E o consumo de conteúdos, sejam eles noticioso ou sejam eles de lazer, sejam eles reality shows ou o que seja, ou telenovelas, vão ter uma importância muito grande no futuro. E isso é aquilo que eu vejo como negócio e é por isso que eu acho que isto é um setor que será importante investir no futuro.
Nunca na vida manteria um jornal que perde dinheiro
Há pouco falava do Belmiro de Azevedo e da Sonae, a Sonae investiu durante anos num jornal, um grande título em Portugal, que é o Público, e ainda não há notícia de que alguma vez tenha recuperado o que quer que seja desse investimento — mas criou-se um jornal que foi importante para a consolidação da democracia em Portugal.
Sim, para mim é muito difícil falar sobre o Público porque neste momento a relação que nós temos com o Público não é das melhores. Agora, isso não impede que eu, de uma forma isenta, possa dizer e concordar consigo naquilo que disse, que foi um jornal importantíssimo e um jornal de uma credibilidade brutal e um jornal sempre muito virado para acompanhar as questões culturais e políticas.
Mas nunca deu dinheiro, nem a Belmiro de Azevedo, nem a Paulo Azevedo, nem a Cláudia Azevedo…
Pois, mas isso aí, eles lá saberão porque é que querem investir. Eu pessoalmente nunca na minha vida iria manter um título… eu ouvi falar em prejuízos de 100 milhões de euros acumulados, nunca na vida… Para já não tinha esse dinheiro na altura para o poder perder, mas também nunca faria isso. Se investir nesse setor é para poder ser um negócio e um negócio sustentável. Não acredito em estar a tirar dinheiro de outros negócios para sustentar uma coisa que não tem viabilidade.
Mas tem algumas ideias para este negócio…
Não tenho ideias porque não existe negócio nenhum, falei em geral.
Mas disse recentemente que gostava de fazer coisas com piada.
Não, isso foi alguém que colocou essa expressão. Não foi assim que eu disse.
Mas teria intenções de se tornar num magnata dos media?
Não. Eu não posso fazer comentários desses… Não lhe posso dizer aquilo que quer ouvir, nem tenho esse tipo de intenções.
O que é que o Mário Ferreira queria ser quando era pequeno?
Era entre duas coisas: piloto de aviões ou engenheiro civil, construir coisas.
Num porta-aviões americano esteve.
Ah isso várias vezes.
Vimos ali à porta a certificação em como esteve no USS George W. Bush, mas como é que depois evoluiu para a carreira que tem hoje?
A história é conhecida e não é assim muito complexa. Eu comecei nas férias da escola a ir para Inglaterra para os Summer Camps no verão e de repente achei Portugal… É uma coisa assim um bocado estranha com aquela idade achar isso, especialmente quando olho agora para os meus filhos, ficava traumatizado se eles me fizessem a mesma coisa.
Fui para Inglaterra contra a vontade do meu pai. Se os meus filhos me fizessem o mesmo…
Não deixaria que eles fossem?
O meu pai também não deixou.
Foi à revelia
Contra a vontade dele. Mas com 16 anos achei que Portugal era um bocado atrasado, e era. Achei que Inglaterra é que era o futuro e achei que poderia evoluir lá, muito mais rápido e decidi aos 16 anos… Na altura havia uma coisa (que você se calhar nem sabe o que é) que era a emancipação. Já tinha no passaporte a possibilidade de viajar sozinho a partir dos 16 anos, e partir daí eu já comecei a viver sozinho, e a trabalhar em Inglaterra. E aos 20 anos tive a oportunidade de poder fazer o que eu queria que era ir ver o mundo de barco, sempre tive esse sonho.
Foi quando conheceu um dos administradores da Cunard.
O administrador da Cunard morava mesmo atrás no restaurante que eu já geria na altura e fez-me o desafio de poder ir a uma entrevista para a Cunard e embarcar e foi o que eu fiz. E andei durante cinco anos à volta do mundo, sempre no mesmo navio.
Que pessoas é que conheceu nessa altura?
Conhecemos todos o tipo de pessoas, embora sempre muito filtradas porque na altura o turismo de cruzeiros não era o que é hoje. Para lhe dar uma ideia, você hoje pode comprar um cruzeiro à volta do mundo por menos de 30 mil euros, 20 e tal mil euros. Na altura custava 200 e tal mil euros. Se fizer a relação custava 10 vezes mais. Não existiam estes mega navios que existem hoje, e o tipo de navio e de serviço que era dado na altura… Hoje acho que já não encontra em lado nenhum. Era uma coisa que estava além das estrelas. Quando você hoje fala num serviço de cinco estrelas isso era pouco para aquele tipo de serviço, aquilo chamava-se white glove service. Hoje as pessoas até se sentem intimidadas com esse tipo de serviço. Era verdadeiramente white glove service, era um serviço de luva branca, traduzido para português embora a expressão não queira dizer a mesma coisa traduzida à letra, o talher era em prata, os copos eram em cristal.
As pessoas vinham de smoking para o jantar.
Exatamente, imagine num cruzeiro de 15 dias, existiriam pelo menos quatro ou mais black tie, tinha uma coisa que era o high tea e o viennese tea em que faziam black tie, com uma orquestra a tocar para o chá das cinco.
Isso foi a sua vida durante cinco anos.
Foi.
Não o intimidava esse ambiente?
Não, eu achei aquilo um máximo. Achei mesmo o máximo.
Sentia que pertencia ali, àquele mundo?
Gostei muito, gostei das pessoas que conheci, aprendi muito com as pessoas que conheci. Conheci pessoas de todo o género, porque ali eram três grandes nacionalidades: eram ingleses, americanos e alemães. Aquela embarcação tinha a curiosidade de misturar essas três nacionalidades que curiosamente são as três nacionalidade que hoje lideram os clientes que temos no Douro e além fronteiras. Aprendia-se muito, e eu aprendi muito. Estava numa idade de aprender ainda muito. Estamos sempre a aprender mas naquela idade era uma esponja. E aprendemos obviamente os tais gostos e costumes americanos, ingleses ou alemães, que eram totalmente diferentes uns dos outros, e conheci gente muito interessante que tinha tempo para me contar histórias, que gostavam de falar, eu gostava de os ouvir e foi muito enriquecedor.
Pode-nos dizer uma lição de gestão que tenha aprendido com esses cinco anos.
Ui!
“Lição de vida: Os bons profissionais é que trazem de volta os clientes”
Uma lição, ou seja, algo que tenha retirado daí e tenha dito: ‘Isto é daquele género de lições que vou usar a vida toda’.
Existiram muitas, mas uma bastante marcante é que eu percebi que independentemente da força da marca da empresa, do navio e tudo mais, que as pessoas faziam a diferença. E isso teve a ver com um senhor, que era o senhor Rodriguez. O senhor Rodriguez foi colega de carteira, segundo ele dizia, do Fidel Castro. Era um cubano que estava exilado nos Estados Unidos, era um americano ao fim e ao cabo, e era casado com uma das herdeiras da Bacardi. E essa foi uma das pessoas que me marcou muito porque ele fazia todos os anos a circum-navegação do mundo. O navio onde eu estava fazia todos os anos uma volta ao mundo e então ele estava ali mais de três meses connosco. E na segunda volta ao mundo, já tinha feito a primeira com ele, tinha coincidido o arranque… O início da volta ao mundo começava em Fort Lauderdale, ali na zona de Miami. E depois passava o canal do Panamá, fazia aquela zona, as Caraíbas, o canal do Paraná, Los Angeles e depois começava a travessia do Pacífico, para aquelas ilhas muito engraçadas, onde o mergulho é top. As ilhas Kiribati e aquelas zonas todas do Pacífico. Os contratos eram normalmente de seis meses, dois meses de férias, seis meses, dois meses de férias.
E há quanto tempo estava a trabalhar?
E eu já tinha feito naquela altura 14 meses seguidos, sem férias, a trabalhar sete dias por semana. Então, eu tinha vindo dois meses de férias para Portugal. Estava aqui há duas semanas e os tipos ligam-me. E na altura não havia telemóveis, não é? Então ligam-me à noite para casa, para o meu número fixo e dizem: ‘Oh Mário, vamos precisar de ti daqui a uma semana’. Eu disse ‘não, eu não vou! Eu agora quero descansar um bocado’. E eles ‘não, mas tens que vir porque o senhor Rodriguez disse que se o Mário não tiver lá, só embarca em Los Angeles, e nós não podemos perder o senhor Rodriguez’. Então, na altura ofereceram-me bilhetes XPTO para eu poder voar para Miami e embarcar mais cedo. E não era por mais, mas o senhor Rodriguez era um senhor espetacular e para além do mais, em toda a volta da circum-navegação que fazíamos todos os dias me dava um ‘passou-bem’ de 100 dólares. Dobrava a notinha à maneira dele e todos os dias vinha ter comigo e dizia ‘Buenos dias, Mário, Buenos dias’ e ‘tumba’ lá me dava aquela notinha. E falava comigo, ele falava… veja, embora ele vivesse aqueles anos todos nos Estados Unidos, não gostava de inglês. Só queria falar em espanhol comigo.
Isto foi em que anos, início dos anos 80?
Final dos anos 80. Ele era uma pessoa espetacular, mas o que aprendi é que nós precisamos de ter bons profissionais, porque os profissionais é que trazem de volta os clientes. Entre muitas lições essa é uma delas.
Para finalizar, alguma vez pensou investir no futebol em Portugal?
Ui!
Se investisse investia em que clube, no Leça?
Não, nem futebol nem política. Só se falta a terceira. Quando se está à mesa não se discute nem futebol, nem política, nem religião.
Religião nós não vamos perguntar.
Futebol eu acho que é, e está provado, que é obviamente um excelente negócio. Se não fosse, esses passes que aí se veem e estrangeiros a investir em clubes portugueses. É assim, eu gosto de investir em negócios que perceba o racional económico daquilo e no futebol não percebo, não me meto em coisas em que não percebo o racional.
Não acredita no produto, também.
É diferente. Acho que há-de ser um bom negócio para quem perceba daquilo. Eu não percebo. Só posso meter-me naqueles negócios que perceba ou possa aprender facilmente. Esse é um negócio em que existe gente especializada nele e obviamente será um bom negócio, se não fosse também não se via os números que para aí andam e acredito que seja um bom negócio para quem perceba desse negócio.