Há anos à margem da itinerância internacional de grandes exposições, e vigorando ainda algumas mostras inauguradas no início do Verão — como “Vanguardas e Neo-vanguardas” no Museu do Chiado, a retrospectiva de José Escada na Gulbenkian, “As Reservas” do Museu Nacional de Arte Antiga, e “Old Meets New”, de Paula Rego, na Casa das Histórias em Cascais —, a oferta de novidades nas próximas semanas em Portugal é escassa, sem grande magnetismo ou especial efeito cultural.

O principal destaque vai, afinal de contas (mas ainda sem contas finais), para a apresentação na Fundação de Serralves dos quadros de Joan Miró confiscados durante o imbróglio BPN, e cuja eventual permanência em Portugal, como património estatal, tem sido alvo de intenso debate. A inaugurar a 30 de Setembro, “Joan Miró. Materialidade e metamorfose” bem poderia chamar-se “Joan Miró, sim ou não?”, pois será a primeira vez que o público português poderá vê-los e assim julgar a validade dos argumentos daqueles que defendem que os quadros não devem ir ao anunciado leilão da Christe’s.

O Porto chegou-se à frente na defesa e exibição deste conjunto de obras, e o facto de o arquitecto Álvaro Siza Vieira aparecer como autor do projecto expositivo é outro sinal dessa ambição, faltando agora a prova de fogo que é sempre a força da bilheteira como indicador firme de que uma exposição permanente — haverá onde? — permitirá ir reembolsando (e será sempre por longuíssimos anos….) a inusitada e nada meiga despesa de 35 milhões de euros. As reflexões de Alexandre Pomar sobre este assunto merecem ser tidas em ponderação.

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“Joan Miró. Materialidade e metamorfose” inaugura a 30 de Setembro em Serralves

Em Lisboa, quem veio de férias ou está a caminho delas poderá ver até 18 de Setembro, na Sala Azul do Museu de História Natural e da Ciência, à Escola Politécnica, uma bela exposição fotográfica dedicada à ilha do Príncipe, um pequeno paraíso tropical que é reserva mundial de biosfera desde 2012. A partir de 13 de Outubro, no Museu Nacional de Arte Contemporânea, apresenta-se uma retrospectiva da obra fotográfica em estereoscopia do naturalista açoriano Francisco Afonso Chaves (1857-1926), figura eminente mas ainda pouco reconhecida, entre nós, fora dos meios científicos. Redescoberto como fotógrafo através de uma grande exposição em Ponta Delgada (v. O Olhar Fotográfico de Francisco Afonso Chaves, 2011, 55 pp.), só cinco anos depois chega das ilhas ao continente, mostrando — uma vez mais — quanto os maiores talentos açóricos são ainda hoje obscuros ou praticamente arredados de exposição ou prestação nacional a que têm pleno direito.

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No dia seguinte, 14 de Outubro, o Museu do Design e da Moda, encerrado para obras, leva ao antigo convento da Trindade a exposição “Letreiros de Lisboa”, um primeiro inventário do muito louvável trabalho do casal de designers Rita Múrias (curadora) e Paulo Barata Corrêa na recolha e preservação de letreiros comerciais e industriais desactivados e em risco eminente de sucata. É de alguma maneira uma parte da cidade tipo-grafada em fachadas de edifícios em decadência que aqui é tida e reconhecida como património cultural a preservar como memória urbana, e muito mais do que como refugo de artefactos vintage que ficariam bem na decoração trendy de novos comércios em moda ou do apartamento “contemporâneo” duma estrela de revistas…

O design também estará em evidência no Museu do Oriente, que apresenta já a partir de 15 de Setembro uma exposição de cerâmica — que é quase o relatório dum bolseiro — produzida por Bruno Carvalho durante duas estadas (2014 e 2016) em Jingdezhen, capital chinesa da porcelana, com apoio da Fundação: num diálogo entre tradição e contemporaneidade, trinta peças originais do artista português serão confrontadas com as da colecção de porcelana chinesa imperial do Museu.

Perfis e memórias

Na Gulbenkian, o angolano Antonio Ole (1951-) regressa a Lisboa depois de duas apresentações, na Culturgest em 2004 e na Galeria 111 em 2007, onde mostrou a sua obra multimédia, que inclui pintura, fotografia e cinema. A partir de 17 de Setembro, “Luanda, Los Angeles, Lisboa” apresenta uma retrospectiva da obra deste africano em que o espaço da galeria foi concebido como um contentor e a obra cinematográfica, menos conhecida entre nós, é posta em destaque.

António Ole

“Luanda, Los Angeles, Lisboa” – a obra de Antonio Ole vai estar na Gulbenkian

Em Novembro, a Culturgest apresenta “Álbum de Família” de Lourdes Castro, desdobrando de alguma maneira a energia, o brilho e a excelência da exposição “Todos os Livros” promovida pela Biblioteca de Arte da Fundação Gulbenkian e nomeada para o prémio de melhor exposição de 2015 em Portugal. Trata-se agora de ver — ou folhear, com recurso à mais moderna tecnologia digital — os 36 cadernos que desde 1963 a artista madeirense foi preenchendo como arquivo de imagens e textos das mais diversas proveniências, tendo a sombra, nas suas variadas expressões, como seu conhecido motivo condutor.

E também em Novembro inaugura-se no Museu Nacional de Soares dos Reis (dia 1), no Porto, uma exposição histórica tentando reconstituir aquela que — há precisamente um século — Amadeo de Souza Cardoso realizou no pavilhão do Jardim Passos Manuel (actualmente o Coliseu do Porto) e escandalizou pela novidade estética dos seus quadros. Serão 80 dos 114 quadros mostrados pelo pintor amaratino na cidade invicta e pouco depois na Liga Naval de Lisboa. Apesar da importância desta realização, o seu anúncio não consta ainda dos websites da Direcção-Geral do Património Nacional e do próprio MNSR, tendo chegado à imprensa por suposta iniciativa da sua comissária, a historiadora de arte Raquel Henriques da Silva. Algo falhou redondamente no afamado “Ministério”…

Não tem sido assim com a Galeria Municipal do Porto, que desde o início do ano faz constar da sua propaganda a exposição “Os Tesouros da Biblioteca Pública”, inaugurada esta sexta-feira, 2 de Setembro — coincidindo com a abertura da feira do livro da cidade, ali mesmo ao lado no jardim. Projecto herdado do saudoso vereador Paulo Cunha e Silva, a Câmara Municipal do Porto mostra uma centena de espécimens de todas as épocas, escolhidos por Fernando Pinto do Amaral de um riquíssimo acervo que inclui, além de livros, manuscritos, códices, mapas e um documento visigótico iluminado que será tema duma sessão com o professor de design e curador José Bártolo. É sem dúvida de elogiar a iniciativa de deslocar duma biblioteca para outra esse património excepcional, transferindo-o de estantes de acesso reservado para a livre vista d’olhos de quem — e serão certamente milhares — passe pela feira do livro ou pelo auditório da Biblioteca Almeida Garrett, em que a programação da feira incluiu debates, lançamentos e cinema. (Este elogio e defesa das bibliotecas patrimoniais não poderia surgir em melhor ocasião, quando o que se passa, por exemplo, na Biblioteca Nacional é merecedor de alarme público. Adiante!)

Tesouros BP

“Os Tesouros da Biblioteca Pública” já inaugurou na Galeria Municipal do Porto

Do Centro Cultural de Belém, pelas informações disponíveis, nada há a esperar senão em Abril de 2017, com a exposição na Garagem Sul dedicada aos arquitectos Victor Palla e Bento d’Almeida. Da EGEAC, Câmara Municipal de Lisboa, também nada a assinalar, restando “Lisboa e Edimburgo” no Torreão Sul do Terreiro do Paço. Já a companhia Artistas Unidos e o Teatro da Politécnica, por cumplicidade do seu director artístico Jorge Silva Melo com artistas plásticos, acolhem a partir de 14 de Setembro uma exposição de quadros novos do pintor João Jacinto (1966-), intitulada “Noite, noite mais do que hoje”. Outro artista da mesma geração, Luís Silveirinha, apresenta “Impulsão” numa pequena e simpátia galeria, Alecrim 50, onde habitualmente expõe

No resto da Europa

A oferta de exposições nas principais cidades europeias e não só, ao alcance duma viagem de fim de semana em voos low cost, é que é considerável — e recomenda-se muito.

Desde logo, em Madrid, acaba de ser anunciado o prolongamento da exposição “El Bosco”, no Museu do Prado, até 25 de Setembro, com a vantagem de o horário se prolongar até à meia-noite nos sábados e domingos. Um mês depois, a 25 de Outubro, o mesmo Prado apresenta Clara Peters, pintora flamenga de naturezas-mortas e uma das poucas mulheres artistas activa na Europa da primeira metade do século XVII, fazendo valer as quatro obras de sua colecção e uma parceria com o Museu Real de Belas-Artes de Antuérpia.

No Museu Guggenheim de Bilbao, inaugura-se a 11 de Novembro “A Colecção de Hermann e Margritt Rupf”, coleccionadores suíços de arte abstracta, que em 1954 cederam os seus 250 quadros e livros de arte para um museu em Berna, a Fundação Rupf, que desde então triplicou o seu património artístico. Amigo e cliente do galerista parisiense Daniel-Henry Kahnweiler, o empresário de comércio alimentar foi dos primeiros a comprar obras de Picasso, Braque, Derain e Friesz (1907) e do seu compatriota Paul Klee (a partir de 1913), mas foi também um crítico de arte em revistas e jornais, com um forte contributo para a actualização do gosto artístico.

Na Pinacoteca dos Modernos de Munique, abre a 16 de Outubro “Murano. Milano. Venezia. Glass”, com uma retrospectiva de duzentos trabalhos de Murano apresentados à Trienal de Milão e à Bienal de Veneza durante décadas do século passado, centrada na colecção Holz, de Berlim, uma das mais extensas dessa famosa produção, incluindo peças dos anos 1950-70, tido como mais experimentalistas. Trabalhos de Luigi Scarpa Croce inspirados no expressionismo abstracto raramente vistos, as séries Rotellato de Barovier e Toso, e peças das suecas Tyra Lundgren, Birgitta Karlsson e Ove Thorseen e do escultor norte-americano Thomas Stearns, estão entre os mais representativos dos anos 60-70 e depois deles.

No Rijksmuseum de Amesterdão, inaugura-se a 7 de Outubro uma exposição que interessa particularmente a Portugal: “Frans Post. Animais no Brasil”, resultado da sua viagem de sete anos ao serviço do governador da colónia holandesa do Brasil, Johan Maurits de Nassau-Siegen, com obras que são confrontadas com um largo número de animais empalhados cedidos pelo Centro de Biodiversidade Natural de Leiden. A partir de 21 desse mês, exibem-se no pavilhão asiático do mesmo museu trajes do Teatro Nô ao longo dos séculos, uma exposição que sucede a outra — “Japão Moderno” — de 170 gravuras japonesas dos primórdios do século XX pertencentes à Colecção Elise Wessels, quimonos e objectos de laca da Colecção Jan Dees e René van der Star e de cartazes cedidos pelo National Museum of Modern Art in Tokyo, que encerra a 11 de Setembro.

Em Paris

Nesse preciso (e fatídico) dia, também acaba no Palais de Tokio de Paris a mostra “Michel Houellebecq: Rester vivant”, curioso exercício de descoberta dos interesses artísticos (cinema, fotografia, música) de um escritor hoje absolutamente central para a consciência europeia.

No Petit Palais, inaugura-se a 28 de Setembro aquela que é considerada a primeira grande exposição francesa dedicada a Oscar Wilde, francófilo e francófono declarado, que viveu na capital francesa sucessivas estadas entre 1883 e 1890 e foi sepultado no Père Lachaise em 1895. Com o preciso título de “O impertinente absoluto”, a exposição reúne mais de duzentas peças vindas de vários países europeus e dos Estados Unidos e do Canadá, muitas delas nunca mais vistas em conjunto ou simplesmente inéditas como 27 retratos fotográficos do escritor feitos por Sarony, durante uma viagem à América, além de aguarelas pintadas pelo próprio. As célebres ilustrações de Beardsley para Salomé (escrito em francês em 1893) constam da exposição, assim como quadros pré-rafaelitas aos quais Wilde dedicou especial atenção crítica, manuscritos das obras principais e memorabilia.

Também na capital francesa, no gracioso Musée du quai Branly, a partir de 4 de Outubro (e antecedendo um colóquio internacional sobre este tema em Janeiro), atenção é dada a “The Color Line. Os artistas afro-americanos e a Segregação”, enfrentando um período nefasto da história norte-americana que merece não seja esquecido. Um século e meio de testemunhos da riqueza criativa e do activismo dos seus artistas negros, que teve em “Strange Fruit” cantada por Billie Holiday um carimbo inapagável.

A partir de 22 de Novembro, a Ópera de Paris e a Biblioteca Nationale de France apresentam “Bakst: dos Bailados Russos à alta costura”, celebrando os 150 anos do nascimento do pintor, decorador e teórico russo Léon Bakst, um “artista total” que tão influente foi para a revolução, ainda com epicentro em Paris, das artes do palco, das artes decorativas e da moda logo após a primeira guerra mundial. Um conjunto de 130 peças permitem seguir o percurso da sua vida e obra.

Noutro tipo de abordagem, o Musée d’Orsay — que festeja os seus trinta anos — prefere dar atenção ao Segundo Império (1852-70), abrindo a partir de 27 de Setembro as suas portas a uma reavaliação dum período da história francesa tido como de decadente, faustosa e superficial festa imperial e de grande mudança de quadros culturais — também apoiado por conferências, um colóquio, filmes e um documentário inédito.

E Londres

Há muito por ver e conhecer: no British Museum, a partir de 27 de Outubro, “África do Sul, a arte duma nação”, mostra a criatividade regional desde artefactos descobertos por arqueólogos que testemunham os primórdios do pensamento artístico às produções mais vibrantes da arte de hoje, passando pela arte colonial, pelo despontar duma arte dita nacional que viria a ter no século passado um papel decisivo na contestação ao apartheid e à segregação racial. Sem dúvida, um prospecto histórico a considerar.

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“África do Sul, a arte duma nação”, no British Museum

Desde 6 de Outubro, a National Portrait Gallery recolhe mais de oitenta retratos pintados por Pablo Picasso ao longo da vida, alguns dos quais vistos pela primeira vez no Reino Unido (e supõe-se que por gente doutras paragens). Até 30 de Outubro, a Tate Modern apresenta outra grande pintora de referência, a norte-americana Georgia O’Keffe: uma oportunidade única para ver ao vivo algumas das suas mais conhecidas flores ou paisagens do Novo México, mas também alguns dos seus trabalhos mais antigos. Outra exposição que pode ser vista em Londres até 6 de Novembro é “Engineering the World: Ove Arup and the Philosophy of Total Design”, na Porter Gallery do Victoria & Albert Museum, dedicada ao engenheiro (1895-1988) cuja obra mais conhecida é a Ópera de Sidney.

Será também neste museu, já a partir de dia 10 de Setembro, que os anos 1960 serão reavaliados em “You Say You Want a Revolution? Records and Rebels 1966-1970” — uma exposição patrocinada pela Levi’s… — cruzando música, cinema, moda, revolução sexual, pacifismo e radicalismo político. E no Museu Judaico, em Camden, também pode ser apreciada, mas só até 16 de Outubro, “Jukebox, Jewkbox! A Century on Shellac and Vinyl”, uma mostra acerca da contribuição judaica para a indústria musical, dos industriais de gramofones aos designers das capas dos discos de longa-duração e aos próprios artistas, naturalmente. Em salas cobertas de alto a baixo de capas de discos, iPads postos à disposição dos visitantes permitem-lhes ouvir gravações dum século inteiro.

Em Edimburgo, a retrospectiva “William Gear 1915-1997: The Painter That Britain Forgot” apresenta até 14 de Outubro 80 telas abstracionistas no City Art Centre.

Em Nova Iorque, o destaque vai sem qualquer dúvida para “Jerusalem 1000-1400: Every People under Heaven”, no Metropolitan Museum of Art a partir de 26 de Setembro.