Dentro do prazo (até ao final do ano) e sem gastar todo o dinheiro previsto (o que parece ser mais exceção do que regra nas grandes obras), a Comissão Técnica Independente (CTI) apresentou a sua recomendação para o novo aeroporto, mesmo com a queda do Governo e depois de “uma pessoa” — que a coordenadora da CTI não identifica — a ter aconselhado a adiar a entrega do relatório até ao próximo executivo. Em entrevista ao Observador, também emitida na Rádio Observador, Rosário Partidário assume que seria um desperdício de recursos públicos se o relatório que recomenda o Campo de Tiro de Alcochete como solução final para o novo aeroporto (com a Portela a operar numa primeira fase) fosse posto na gaveta. “Mas neste país tudo é possível”, desabafa.
A recomendação para a expansão da capacidade aeroportuária obriga o Estado a negociar os termos da concessão com a ANA, um contrato que regula um serviço público, mas que está a ser “orientado para objetivos e prioridades de uma empresa privada”. Rosário Partidário estranha que a concessionária esteja disposta a pagar uma solução (Montijo) que é de curto prazo (e mais barata) e que num cenário alto de procura poderia esgotar-se em 2029. E defende uma negociação da concessão que torne menos assimétrico o contrato que atualmente dá muito pouca margem ao Estado. Daí que à pergunta sobre quais os maiores riscos para a execução do projeto, não hesite na resposta: “os jurídicos”. Apesar de acreditar que a ANA vai querer negociar para não correr o risco de perder o seu ativo mais rentável (o aeroporto da Portela).
Um novo aeroporto custaria oito mil milhões de euros, uma conta que não inclui os acessos nem as infraestruturas que já estão previstas como a terceira travessia do Tejo. Mas Rosário Partidário diz que o aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete (CTA) pode operar sem a nova travessia, recusando a ideia de que esta opção é que obrigaria os contribuintes a pagar uma nova ponte sobre o Tejo. Ainda que a prazo a proposta considere usar a terceira travessia, mas apenas para o transporte ferroviário, e porque ela terá de ser feita por causa da rede de alta velocidade.
São muitas opções, combinações, o relatório é bastante extenso. Afinal, quanto vai custar a opção que recomendaram?
Os valores que tenho são para o investimento global, ou seja, para criar um aeroporto com uma cidade portuária, com todas essas estruturas e que vai durar muito mais tempo do que fazer uma pista e ter um terminal mínimo para começar a funcionar. São os tais já muito falados 8 mil milhões de euros mais um bocadinho. Mas isso é o investimento global. Ou seja, para construir uma primeira pista com um terminal no Campo de Tiro de Alcochete os números andam à volta dos três mil milhões. Ainda não será um terminal com a dimensão necessária para funcionar como aeroporto único e hub intercontinental. Para isso serão os 8.000 milhões.
Mas esses 8 mil milhões não têm o investimento do Humberto Delgado?
Não. Mas o investimento no Humberto Delgado faz parte das obrigações atuais da ANA.
[Já saiu: pode ouvir aqui o quinto episódio da série em podcast “O Encantador de Ricos”, que conta a história de Pedro Caldeira e de como o maior corretor da Bolsa portuguesa seduziu a alta sociedade. Pode ainda ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo episódio aqui, o terceiro episódio aqui e o quarto episódio aqui.]
E é uma infraestrutura que, como disse, paga-se a si própria?
Este é o investimento. E depois quem vai financiar? A partir do momento em que começam a funcionar, os investimentos começam a gerar receita. E aí vamos ver se o contrato de concessão permanece como está ou é modificado. Até porque tudo vai depender da ANA aceitar ou não esta solução e do que o próprio Governo vier a decidir. Tudo isto está muito condicionado, mas, de facto, a partir de determinada altura, o aeroporto e sua expansão deviam ser pagos pelas receitas de exploração.
A exploração da Portela e de uma primeira pista em Alcochete daria para pagar o investimento sem, por exemplo, ter necessidade de aumentar as taxas?
Para isso seria preciso que o concedente e o concessionário voltassem a discutir e a negociar a forma de divisão das receitas.
Que discussão é preciso ter com a ANA? O modelo das taxas aeroportuárias? O tempo da concessão?
Não só. No contrato de concessão está previsto que até agora (décimo ano) a ANA fique com todas as receitas. Portanto, até ao décimo ano todas as receitas do aeroporto pertencem à ANA. Depois, a partir do 11.º até o 15.º ano, a ANA tem de dar 1% das receitas ao concedente. Temos uma ideia de qual o valor da receita do Aeroporto Humberto Delgado (Lisboa), mas não sabemos exatamente porque não tivemos acesso.
Não tiveram acesso às receitas não reguladas (receitas da exploração comercial). Não tiveram acesso porque a ANA não vos quis dar?
Exato. A ANA não nos quis dar e explicou que é uma empresa cotada em bolsa [a dona, a empresa francesa Vinci, é que está cotada].
Os estudos ficaram limitados por essa não divulgação da informação da ANA…
Ficaram limitados, mas é evidente que o que eles nos deram foi o valor das receitas do grupo de aeroportos onde está Lisboa e que inclui os outros aeroportos da concessão em Portugal.
Ainda assim, concluíram que o Humberto Delgado é uma das operações mais rentáveis….
Sim e deduzimos que se calhar os outros aeroportos da concessão em Portugal têm prejuízos…
O que significa que a Portela está a financiar as outras infraestruturas.
Mas é a nossa dedução, uma vez que não tivemos acesso aos dados exatos para ter a certeza.
No pressuposto de que o aeroporto Humberto Delgado é um dos mais rentáveis, a ANA tem todo o interesse em atrasar o mais possível a entrada em operação de uma nova solução aeroportuária?
É aquilo que se pode deduzir. Atenção, não é atrasar uma nova solução aeroportuária. A ANA tem a sua proposta de eleição que é fazer um aeroporto no Montijo.
O presidente da ANA (José Luís Arnaut) voltou a dizer, já depois de conhecido este relatório, que a empresa só está disponível para pagar um aeroporto no Montijo. Pode ser já uma posição negocial para tentar obter alguma contrapartida, eventualmente prolongar a concessão em troca de aceitar fazer a solução que propõem?
Eu acho que às vezes as coisas tornam-se tão evidentes que não precisam de grande explicação. Há uma coisa que eu gostava de sublinhar que a ANA é privada [pertence à Vinci mas é a ANA que está aqui em Portugal], tem uma concessão para um serviço que é público. E portanto está em causa a prestação de um serviço público e esse serviço público neste momento está a ser orientado, no fundo, por objetivos e prioridades de uma empresa privada. Isto porque efetivamente tem como opção uma solução que não tem perspetiva de longo prazo, nem médio prazo. E se considerássemos o cenário de crescimento de procura alta, o Montijo deixava de ter capacidade em 2029. Por isso, nem trabalhámos com o cenário alto. O presidente da ANA acha que a procura não vai aumentar, o que é o oposto do que acha o presidente da Confederação do Turismo [Francisco Calheiros]. E estaria a aumentar ainda mais se houvesse capacidade para a procura.
Não aumenta porque não há capacidade para receber mais procura….
Temos uma situação que é estranha. Do ponto de vista nacional, é um bocado estranho ver surgir com tanta ênfase uma opção que, de facto, corresponde, digamos, a uma rentabilização de um ativo já existente e que essa solução, no fundo, mantém esse ativo. Estão dispostos a pagar [o Montijo] com as receitas da concessão, mas não estão dispostos a pagar outra solução, o que, do ponto de vista de serviço público, tenho alguma dificuldade em compreender.
Fizeram uma análise muito exaustiva ao contrato de concessão e das suas implicações e condicionantes. O contrato admite a possibilidade de, se o Governo não chegar a um acordo com a ANA, tirar a concessão aeroportuária e indemnizar a concessionária?
A nossa recomendação é a de que as partes consigam entender-se. Não é que o Estado, neste caso concedente, tenha uma iniciativa já a presumir uma resolução do contrato. Agora, de facto, o contrato é muito complexo e, portanto, tem uma série de percursos, de caminhos e opções que não são fáceis. Se estivermos a pôr em cima da mesa uma resolução de contrato, a indemnização pode ser muito significativa.
De quanto? Já se falou em 6 mil milhões e qualquer coisa por aí…
Tem a ver com as receitas no momento em que essa resolução contratual acontecer, mas não fizemos as contas.
Este contrato de concessão é mais favorável à ANA do que ao Estado?
Claro. Qualquer leigo tiraria essa conclusão e o contrato de concessão está disponível no site da ANAC (Autoridade Nacional da Aviação Civil). Qualquer pessoa pode ir ver o contrato de concessão.
Estava a perguntar no sentido de que se é mais fácil a ANA reivindicar algo a seu favor do que o Estado?
O Estado não vai conseguir reivindicar nada a seu favor, mas tem que ver com a capacidade negocial. Aquilo que temos sugerido é que haja uma modificação do contrato, nomeadamente para que haja uma harmonização dos interesses das partes, porque de facto há uma grande assimetria. É claro que essa negociação presume também que a ANA não está interessada em perder a concessão e, nomeadamente, a exploração do Aeroporto Humberto Delgado.
O contrato estabelece um calendário bastante longo para que essa negociação ocorra….
Os prazos estão estabelecidos de uma forma confortável para se pensar, ponderar, refletir. Mas não precisam de ser esgotados.
Mas a ANA pode querer esgotá-los?
É por isso que voltamos a falar do interesse público ou do serviço público. Não é o interesse público, porque manifestamente está claro que não é evidente que haja ali um [no contrato]. É para isso que tem a concessão, para prestar um serviço público. Nós só somos a comissão técnica independente e não vamos ter qualquer papel numa negociação do contrato. Portanto, não nos cabe a nós dizer agora como é que isto se vai fazer.
Mas vocês estudaram e dão pistas sobre a forma como isso pode ser negociado e dizem que este contrato dá muito pouca margem…
Neste momento tem muito pouca margem. O nosso objetivo era a avaliação das opções estratégicas, mas quando tivemos os pareceres jurídicos é que começámos a perceber a dimensão do contrato de concessão e das condições. E foi aí que resolvemos colocar o contrato da concessão como um segundo objeto de avaliação, porque era fortemente condicionador da decisão que venha a ser tomada.
Coordenadora tem dúvidas que Bruxelas deixasse Montijo avançar
A ANA insiste muito no Montijo, que para vocês é a pior solução. Teria sido um grande problema para o país termos avançado com Montijo que já estaria operacional nesta altura?
Tenho dúvida que se tivesse avançado porque as organizações não governamentais [ambientais] fizeram uma queixa em Bruxelas e portanto essa é uma situação que podia ter impedido a prossecução do projeto, independentemente daquilo que se passou da oposição por parte das autarquias. Há ali uma situação que é uma violação das diretivas de base da Rede Natura, porque, se houver alternativa, não há razão para se violentar, digamos, uma área protegida. [O projeto chegou a ter uma declaração de impacte ambiental favorável condicionada].
O PSD anunciou um grupo de trabalho para estudar este relatório. Tem receio de que um governo do PSD possa ser mais permeável ao interesse da ANA? Afinal foi um governo do PSD que fez este contrato de concessão que é tão criticado.
Nós, a comissão técnica independente, estamos inteiramente disponíveis para prestar esclarecimentos, colaborar com esse grupo de trabalho ou com qualquer outro partido político, nomeadamente os que têm assento na Assembleia para esclarecer e ajudar a clarificar a lógica. São muitas páginas para se conseguir ler aquilo tudo. O PSD tem muita gente. O presidente da Câmara de Lisboa [Carlos Moedas] disse que os resultados eram muito favoráveis à cidade de Lisboa, mas achava que era preciso tomar-se a decisão.
Mas não lhe passa pela cabeça que este estudo fique na gaveta?
Neste país tudo é possível. Depois de tudo aquilo que já passámos e pode acontecer, não digo que não.. Enfim, quem for o decisor decidirá, mas se for [posto na gaveta] é um desperdício muito grande de recursos nacionais.
O vosso mandato acaba em março. Admite que pode ainda ter que falar com o novo Governo?
Vamos usar esse tempo para preparar o relatório final, mas estaremos certamente disponíveis para prestar os esclarecimentos quando for caso disso. Para fazer mais avaliações teria que haver um novo contrato. Somos académicos, portanto temos consciência da disponibilidade que é importante. Não somos consultores como primeira atividade.
Não cobram à hora?
Não cobramos à hora.
Sete anos é o tempo previsto para a conclusão da primeira pista no Campo de Tiro de Alcochete. Não é muito tempo? Porque é que é preciso tanto tempo?
Porque há vários procedimentos burocráticos e administrativos, que é expressão que eu adotei há uns tempos e adoro utilizá-la. No caso do Campo de Tiro de Alcochete é necessário atualizar aquilo que são os estudos e projetos, tanto mais que nós, inclusivamente, temos uma proposta de ajustamento do layout, da posição das pistas para evitar afetar tanto…
Limitar o abate de sobreiros…
Não só os sobreiros, mas também a avifauna e as aves migratórias, porque ao puxar mais para baixo, nos dois mil metros, fica antes do fim do corredor das rotas migratórias e, portanto, será necessário desenvolver o projeto, admitindo que essa opção é escolhida. Depois, porque entre as várias atividades associadas à obra, os concursos, tudo isso são procedimentos extensíssimos. O concurso internacional… enfim não é construção em si, mas é mais os antecedentes.
Para primeira pista estar pronta em 2031, decisão política teria de ser tomada “hoje”
Isso parte do pressuposto que a decisão política já está tomada e, obviamente, as negociações com ANA já estão feitas.
A partir daí, exatamente.
Portanto, pode demorar bastante mais tempo…
Se demorar essa, também demoram as outras.
A primeira pista pode não estar feita em 2031 como se planeia. Quando é que teria de ser tomada a decisão política para conseguirmos ter o aeroporto em 2031?
Hoje.
Portanto, em março já vem tarde. Podemos por mais um ano em cima da projeção?
Se calhar já podemos por mais um ano. Ou antes começar a contar os anos a partir daí.
Os investimentos nos acessos rodoviários e ferroviários não estão naquelas contas que falámos do investimento. No caso da solução que recomendam quanto é que será o custo desses investimentos, quer na ferrovia, quer na rodovia de acesso direto ao aeroporto?
Não tenho. Confesso que não tenho. Embora isso tenha sido estudado.
Estaremos a falar de valores na casa das centenas de milhões de euros, mas parece que, numa primeira fase, o estudo não considera a terceira travessia para os acessos que estuda.
A terceira travessia é uma obra complicada, não é uma obra fácil. Se os processos de decisão forem mais rápidos, isso está tudo explanado nos cronogramas e o cronograma inclui cada uma das opções.
A solução Alcochete tem inscrita a possibilidade de começar a operar o aeroporto sem a obrigação de ter a terceira travessia.
Sim, sim, claro. Do ponto de vista da concessão do aeroporto, o aeroporto tem que ter ferrovia. Uma coisa é apanhar um comboio e estar em 20 minutos na estação do Oriente, outra coisa é vir apanhar a ponte Vasco da Gama, mais os trânsitos da Ponte Vasco de Gama. Inclusivamente tinha-se falado de uma possibilidade que era pôr tipo um shuttle a fazer a travessia da Ponte Vasco da Gama.
Inclusive reduzir o número de faixas [rodoviárias] e pôr uma faixa dedicada…
São soluções para se considerar, se e quando se chegar a esse ponto de discussão. Uma coisa é certa. A linha de alta velocidade está em marcha. Finalmente, mas está em marcha. Já vão ser adjudicadas obras até Soure, depois Soure até Carregado. As Infraestruturas de Portugal [empresa pública que está a lançar a alta velocidade] está à espera de ver qual é a solução para o aeroporto para poder decidir a entrada em Lisboa. Não nos deram a noção desses custos, mas se for pela margem norte [do Tejo] tem custos brutais, porque tem que ir em túnel e está um território super congestionado. Portanto o custo pela margem sul não será muito diferente.
O fundamental é que a terceira travessia seja ferroviária (e não rodoviária)
Esse custo pela margem sul implicaria a terceira travessia do Tejo?
Esse custo pela margem sul implicaria a terceira travessia do Tejo, mas isso está ligado à alta velocidade. Agora a terceira travessia do Tejo (TTT) é necessária, independentemente da alta velocidade e do aeroporto, porque é um projeto âncora na área metropolitana de Lisboa, que corresponde à circular ferroviária que está prevista há muitos anos.
E é uma travessia rodoviária e ferroviária?
Por nós é ferroviária.
E não rodoviária?
A rodoviária pode contribuir para aumentar o tráfego na cidade.
Um aeroporto na margem sul, neste caso no campo de tiro de Alcochete, pode ficar dependente apenas de uma ponte, da Vasco da Gama?
Mas não seria definitivo, não seria definitivo.
Mas do ponto de vista do acesso rodoviário teria só a ponte Vasco da Gama…
Fazer um aeroporto é um processo lento. Isto não é fazer uma estação de camionagem, é um processo lento porque é preciso, nomeadamente, criar uma economia à volta do aeroporto para ter sucesso. Porque se não temos Beja, que não tem uma economia à volta e que tem as dificuldades em receber voos porque não acontece nada.
Qual é o tempo aceitável para um passageiro que vem de Lisboa ou que vai para Lisboa demorar no transporte ferroviário ou rodoviário para chegar ao Campo de Tiro de Alcochete?
O que nós consideramos como um tempo limite aceitável, normalmente, é de 30 minutos no máximo. Nos acessos rodoviários, em particular em autoestrada, o contrato de concessão da Brisa prevê a realização de acessos e é a Brisa que explora. Não sai do dinheiro dos contribuintes, como algumas pessoas gostam de usar a expressão, porque isso está assegurado. Claro que depois há os acessos mais locais…
Sistematizando, para vocês a terceira travessia seria só ferroviária, não rodoviária? Para alimentar o aeroporto é suficiente a Vasco da Gama em termos de rodovia?
Sim, porque um dos objetivos da terceira travessia é fazer uma transferência modal da rodovia para a ferrovia. Nós não estudámos a terceira travessia, portanto, não faço ideia de qual é a expectativa dessa transferência e acho que já há muito tempo que não se estuda a terceira travessia.
Nem sequer está fechado o Chelas-Barreiro… poderá eventualmente ser reaberta a discussão?
Exatamente. Até essa discussão pode ser reaberta. Para nós, a terceira travessia é uma travessia da margem sul para a margem norte do Tejo e o fundamental é a ferrovia. O resto da discussão já nos ultrapassa. Mas o fundamental é a ferrovia para permitir justamente o acesso, nomeadamente, até da alta velocidade.
Esses custos não deviam estar integrados no custo global do aeroporto?
Porquê?
Porque a terceira travessia vai alimentar o aeroporto.
Mas não só. Admita que não há aeroporto. Admita que o lobby que defende o aumento da Portela ganha e que se consegue convencer, não sei bem como, que não era preciso fazer mais nenhum aeroporto, deixávamos de precisar de linha de alta velocidade e da terceira travessia? A terceira travessia vai ser importante para a linha de alta velocidade, quer a linha de alta velocidade venha pela margem norte ou pela margem sul. Ela tem que passar para sul.
É também importante na ligação a Madrid e há quem diga que o aeroporto pode, eventualmente até, antecipar um projeto que não tem um calendário definido…
Alguém falava da potencial procura desde Badajoz para o novo aeroporto de Lisboa, que com uma alta velocidade pode ficar mais perto do que Madrid. Não fomos nós, mas alguém falava isso. Isto para dizer o quê? Que a terceira travessia do Tejo se tiver de estar ligada a outro projeto é ao da alta velocidade, não é ao do aeroporto, porque se não fizer aeroporto continua a precisar da terceira travessia do Tejo.
Sem TAP não há hub, e sem reforço do aeroporto não há TAP com hub. Como é que vocês incorporaram a incerteza sobre o futuro da TAP agora?
Não incorporámos.
Em abril dizia numa entrevista ao Observador que a privatização da TAP iria condicionar um pouco o estudo. Portanto, não foi condicionado pela TAP?
Não foi condicionado. Não tínhamos informação suficiente sobre isso e, por outro lado, sabíamos que na própria compra da TAP — ou venda da TAP, se calhar compra, uma vez que o comprador é que está condicionado a saber qual é a solução no novo aeroporto — a escolha da localização do aeroporto iria condicionar exatamente essa compra e, portanto, nós resolvemos avançar sem entrar em conta com essa questão.
O aeroporto que vocês projetam parte do pressuposto que tem que haver um hub de uma companhia baseada em Portugal.
Isso já é uma situação que nós não fomos explorar. E isso obrigar-me-ia a fazer algum comentário sobre compra ou venda da TAP, que eu não quero fazer.
Os cenários de procura pressupõem que a TAP ou outra companhia continua a fazer os mesmos voos ou mais.
Exato. E se não há um hub intercontinental, se não houver pelo menos uma companhia aérea para o explorar. Se não mais… A pergunta da RCM (resolução do conselho e ministros) é: como deve ser a evolução? E nós respondemos: a evolução é possível através de um dual de início, com uma evolução para um aeroporto que seja único e que tenha condições para justamente ter as características de dimensão de conexão que um hub exige.
“Não me passou pela cabeça levar o selo Campo de Tiro de Alcochete”
Chegámos à solução defendida pelos grandes opositores ao aeroporto Montijo, como Matias Ramos, o presidente do LNEC que conduziu o estudo de 2008 que deu o favoritismo ao campo de tiro de Alcochete. Como responde às suspeitas de que a comissão técnica independente chegou a um resultado que estava definido à partida e que só teve de fundamentar com muitos números e muitos relatórios?
Eu integrei a equipa do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) e não me passou pela cabeça alguma vez, desde 2008, 2009 até agora, que fosse associada ou que levasse o selo CTA na minha testa. Pelos vistos houve alguém que se lembrou de o fazer. Quando participámos no estudo do LNEC, havia duas opções: Ota e CTA. E o que nós fizemos foi avaliar a Ota e o CTA e o CTA tinha melhores condições do que a Ota. Ponto final. Quando começámos este processo, abrimos o mapa e surgiram várias opções de que fomos à procura. E fomos avaliar qual era a melhor solução estratégica para aumentar a capacidade aeroportuária da região Lisboa. Isto é completamente diferente de fazer uma avaliação Ota versus Campo de Tiro de Alcochete. Quase que preferia ter encontrado outra opção…
Encontraram Vendas Novas…
Não temos só uma opção. O essencial daquilo que fizemos é aquela matriz (que aparece nos capítulos seis) de oportunidades e riscos, em que, para cada opção estratégica, vamos aos diferentes critérios de avaliação por fator crítico e dizemos aqui há oportunidades e aqui há riscos e esse é o essencial da avaliação. Mesmo dentro da nossa avaliação, havia uma análise mais de curto prazo e outra de longo prazo. E dentro do mesmo fator crítico (por exemplo o da competitividade), dois dos critérios apontavam para o favorecimento de Montijo, mas outros já apontavam o favorecimento de outras opções.
Admite que os políticos, olhando para essa grande diversidade de critérios, possam valorizar outras coisas que vocês não valorizaram e chegar a uma conclusão diferente? Há margem para isso?
Há sempre margem. Nós fizemos uma abordagem que, aliás, foi solicitada. Era uma abordagem interdisciplinar e integrada.
Para vocês os critérios não tinham ponderações e um governo pode determinar que o critério financeiro ou outro qualquer tem uma ponderação maior na avaliação?
Sem dúvida. Para nós, todos os fatores críticos têm o mesmo valor. Mas isso, para mim, é um dos pontos base da metodologia, aliás é uma das diferenças nomeadamente para uma avaliação multi-critério. Se eu começar a introduzir ponderações, eu já estou a fazer um enviesamento para determinada solução e a nós não nos cabe fazer isso. É o decisor que faz.
O projeto de Alcochete de agora é substancialmente diferente do de 2008, ou terá de ser substancialmente diferente?
Eu penso que será mais ao nível do tal posicionamento das pistas. A solução que nós propomos de puxar as pistas para baixo, foi já muito no final do processo. E não quisemos deixar de colocar no relatório, mas não fizemos essa avaliação com detalhe. Só fomos ver em relação aos sobreiros [mudança de layout poderia reduzir para metade abate de sobreiros que membros da CTI admitem ser 40.000]. E fomos ver em relação à avifauna. Agora não vimos, por exemplo, o tema das acessibilidades.
Disse na sessão pública que a comissão técnica recebeu muitas pressões, não do Governo. Pode dar-nos pistas sobre que tipos de entidades e que tipo de pressões é que vos chegaram ao longo destes meses?
No fundo, é através da comunicação social que as diferentes entidades ou indivíduos comunicam as suas mensagens e as suas posições.
Mas não houve pressões diretas?
Eu tive, houve uma pessoa, que não vou obviamente dizer quem é, que veio, uma semana antes mais ou menos, ter comigo ao LNEC sugerir-me que eu não apresentasse o relatório.
Com que argumento?
Porque já não havia Governo, já não havia decisor e, portanto, eu não devia apresentar o relatório. Era a sugestão que essa pessoa me fazia.
Era um político?
Era uma pessoa. Não, não era político, mas foi uma recomendação, uma viva recomendação que me vieram fazer.
Quais foram as maiores dificuldades e os problemas que teve este ano?
Primeiro foram as condições de contratação. Houve um jornal que disse que tivemos as primeiras verbas em dezembro. Mentira. De facto o dinheiro entrou no LNEC, mas como não foi possível fazer os contratos, essas verbas não puderam ser usadas em janeiro. Só em abril é que o LNEC recebe verbas para poder usar. E aí avançaram os primeiros contratos, os de adjudicação direta até 20.000 euros. Os contratos maiores que tinham que ver com projetos e estudos que precisavam de uma verba maior… [ficaram por fazer]. Ainda fizemos alguns até 75.000 com consulta limitada. Mas havia outros com custos superiores e aí só abrindo concurso internacional e [se fosse por aí] ainda hoje estaríamos à espera deles… Não ia funcionar. Só em julho a situação se resolve quando há uma exceção à lei de execução orçamental que nos permitiu fazer esses contratos maiores. Foi uma coisa horrível.
Ao longo deste ano teve três titulares da pasta das Infraestruturas [Pedro Nuno Santos, João Galamba e o próprio António Costa] e o Governo caiu. Que dificuldades é que isso lhe trouxe, nomeadamente a queda do Governo? Achava que já não iria ter que apresentar o relatório?
Quando o Governo caiu eu pensei: ‘e agora?’ A minha primeira reação foi ‘vamos fazer na mesma, a menos que alguém nos proíba, e que exista uma determinação do governo ou de um tribunal, seja o que for’. Falei com Mineiro Aires [presidente da comissão de acompanhamento] que confirmou: ‘vamos avançar’. Portanto, continuámos a trabalhar, mas há incerteza sobre o que acontece a este esforço todo, porque é um esforço muito grande. Além do investimento que o Estado fez neste processo. Nós felizmente conseguimos não gastar o orçamento todo que nos foi atribuído.
Gastaram quanto?
Gastámos 2,3 milhões e foi-nos atribuído 2,5 milhões de euros, incluindo o IVA. Mas ainda assim são 2,3 milhões, é dinheiro. E estudámos tudo e mais alguma coisa.
Do trabalho que fizeram, onde é que estão os principais obstáculos à execução desta recomendação para o novo aeroporto? Acha que são políticos, jurídicos, ambientais?
Jurídicos.
Não têm qualquer dúvida sobre isso?
Não.