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The Funeral Of Pope Emeritus Benedict XVI Takes Place In St Peter's Basilica
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Apesar de debilitado, o Papa Francisco quis acompanhar de pé o caixão do antecessor

Getty Images

Apesar de debilitado, o Papa Francisco quis acompanhar de pé o caixão do antecessor

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O coro ancestral, o paralelo com Jesus e a luta contra os abusos na Igreja. Francisco lembrou um Papa incompreendido, mas firme na fé

O funeral de Bento XVI foi simples, como o próprio pediu — tão simples quanto pode ser o funeral de um Papa: Francisco apeou-se para a última despedida e ouviu-se o coro da Capela Sistina.

Enviado especial ao Vaticano

Até no momento da morte, como aconteceu sempre durante o pontificado, foi difícil avaliar corretamente a popularidade do Papa Bento XVI. Eleito em 2005 para suceder a João Paulo II, teve sempre uma vida difícil devido às comparações inevitáveis com o adorado Papa polaco. Com frequência se profetizava que as viagens apostólicas de Bento XVI seriam um fracasso e que o alemão — frio, distante, académico e intelectual — seria incapaz de atrair grandes multidões. E, com a mesma frequência, surgia a surpresa. Isso mesmo aconteceu em Portugal, como explicava ao Observador, esta quarta-feira no Vaticano, o bispo D. Carlos Azevedo, que coordenou a visita de Bento XVI a Portugal em 2010.

Nesta semana, em que decorreram as homenagens fúnebres a Bento XVI na Basílica de São Pedro, essas contradições voltaram a registar-se. Inicialmente, as autoridades italianas e vaticanas previam que acorressem à Praça de São Pedro cerca de 35 mil pessoas por dia durante os três dias em que o corpo de Bento XVI esteve exposto aos fiéis em velório. Na quarta-feira à noite, feitas as contas, todas as expectativas tinham sido excedidas: cerca de 195 mil pessoas passaram pelo Vaticano entre segunda e quarta para um último adeus a Bento XVI, o Papa que morreu no último sábado aos 95 anos de idade, quase dez anos depois de ter feito história ao tornar-se o primeiro Papa moderno a renunciar ao pontificado.

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A grande afluência de peregrinos nos dias do velório levou as autoridades a elevar a estimativa do número de fiéis esperados na missa fúnebre, que aconteceu na manhã desta quinta-feira: a previsão inicial de 60 mil pessoas passou a 100 mil, mas, ao contrário do que aconteceu no velório, as estimativas para o funeral acabaram por se revelar demasiado elevadas. Os primeiros dados divulgados pelo Vaticano no fim da celebração apontam para a presença de cerca de 50 mil fiéis na Praça de São Pedro durante a missa.

Ainda assim, perante a expectativa, a enorme praça desenhada por Bernini no século XVII começou a encher-se bem cedo. Por volta das 6h da manhã, quando a cidade de Roma ainda estava escura e sob um nevoeiro cerrado, os fiéis começaram a chegar em grande número à Praça de São Pedro para ocupar os lugares da frente. Quando rompeu o dia, já uma grande parte dos setores da praça destinados ao público estavam ocupados. Seria um momento inédito: pela primeira vez na história, um Papa em funções enterrou o seu antecessor.

Chefes de Estado e quase 4000 sacerdotes na Praça de São Pedro

Entre a multidão, a assistir à cerimónia, estiveram presentes vários chefes de Estado e de Governo. Oficialmente, a secretaria de Estado do Vaticano fez apenas dois convites formais: aos líderes italianos e alemães. Mas, além de Giorgia Meloni, de Sergio Mattarella (primeira-ministra e Presidente italianos) e de Frank-Walter Steinmeier (Presidente alemão), estiveram também Marcelo Rebelo de Sousa, a Rainha emérita de Espanha, Sofia, o Rei da Bélgica, Filipe, e a Rainha da Bélgica, Matilde. Estiveram também presentes 130 cardeais e um total de 3700 sacerdotes, segundo os números avançados pelo porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, aos jornalistas.

Mas duas línguas predominavam na Praça de São Pedro: o italiano e o alemão, já que foram muitos os peregrinos alemães que estiveram em Roma por estes dias para o funeral do compatriota. E, apesar da celebração não se ter aproximado da dimensão do funeral de João Paulo II — estima-se que se tenham deslocado a Roma cerca de quatro milhões de pessoas para as cerimónias em 2005 —, a despedida de Bento XVI ficou marcada pela repetição de uma das palavras de ordem mais ouvidas nesse outro funeral papal: “Santo Subito“, italiano para “Santo já!” No caso de Ratzinger, vários analistas concordam numa ideia: mais provável do que a canonização será a declaração de Bento XVI como “Doutor da Igreja”, um título atribuído pela Igreja às grandes figuras históricas que definiram o pensamento católico.

As imagens do funeral de Bento XVI na Praça de S. Pedro

O primeiro grande momento de emoção na Praça de São Pedro aconteceu mais de meia-hora antes do início da missa propriamente dita, quando o caixão de Bento XVI foi transportado da Basílica de São Pedro para o centro da praça, onde ficaria durante a missa de corpo presente. Transportado por 12 homens, o caixão foi colocado em frente ao altar com a praça em total silêncio — só quebrado por um enorme aplauso no momento em que os restos mortais de Bento XVI foram pousados no chão.

O caixão ficou colocado numa plataforma especialmente montada para o efeito durante a recitação do terço, que terminou com mais um momento simbólico: a discreta chegada do Papa Francisco ao recinto, de cadeira de rodas, a partir da lateral direita da Basílica de São Pedro. Se não fosse pelo burburinho que se gerou quando o Papa, empurrado na cadeira por um assistente, começou a aproximar-se do altar, a chegada do pontífice teria passado despercebida à maioria: o centro das atenções, esta quinta-feira, era mesmo Bento XVI.

A caminhada do Papa até ao caixão e os cânticos de um coro ancestral

Francisco, muito debilitado fisicamente, vestiu os paramentos já no lugar a partir do qual presidiu à missa. Uma grande parte dos ritos que exigiam movimento físico, incluindo o incensar do caixão de Bento XVI, não foram feitos por Francisco, devido às suas limitações físicas, mas pelo cardeal italiano Giovanni Battista Re, atual decano do Colégio dos Cardeais.

Ainda assim, no final da celebração, lentamente e sempre apoiado numa bengala e no corrimão, o Papa Francisco não abdicou de caminhar até à porta da Basílica de São Pedro, para se deter durante alguns segundos junto ao caixão do seu antecessor, antes de Bento XVI entrar pela última vez na igreja cujo trono ocupou durante quase oito anos.

A acompanhar esse momento, as vozes da Capela Musical Pontifícia — o coro da Capela Sistina, um dos mais antigos do mundo — ecoaram na Praça de São Pedro ao entoarem o tema fúnebre “Que os anjos te conduzam ao paraíso”.

As últimas palavras de Bento XVI e o paralelo com Jesus Cristo

Antes, durante a missa, o Papa Francisco tinha evocado Bento XVI numa homilia curta, mas profundamente significativa. A partir do excerto do Evangelho segundo São Lucas, lido na missa, em que são descritos os últimos momentos da vida de Jesus Cristo, Francisco traçou um paralelismo entre as últimas palavras de Jesus — “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” — e a vida de Bento XVI.

“São as últimas palavras que o Senhor pronunciou na cruz; quase poderíamos dizer, o seu último suspiro, capaz de confirmar aquilo que caraterizou toda a sua vida: uma entrega contínua nas mãos de seu Pai. Mãos de perdão e compaixão, de cura e misericórdia, mãos de unção e bênção, que o impeliram a entregar-se também nas mãos dos seus irmãos”, disse o Papa Francisco, poucos dias depois de o Vaticano ter revelado que as últimas palavras de Bento XVI foram “Senhor, amo-te” — palavras que também caracterizaram a vida de Joseph Ratzinger, segundo Francisco.

“Bento XVI lembrou-nos, pelas palavras e pelo exemplo, que a totalidade da nossa existência é encontrada apenas no encontro pessoal com Jesus Cristo”, escreveu Francisco no prefácio de um livro que recolhe os pensamentos de Bento XVI e que deverá chegar às livrarias ainda este mês.

Na homilia de evocação de Bento XVI, um Papa cujo pontificado ficou marcado por múltiplas crises, incluindo o eclodir do drama dos abusos sexuais de menores na Igreja e os escândalos financeiros no Banco do Vaticano, Francisco salientou que também Jesus Cristo carregou “aos ombros todas consequências e dificuldades do Evangelho até ao ponto de ver as suas mãos chagadas por amor”.

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“Mãos chagadas que se nos estendem numa oferta incessante a fim de conhecermos o amor que Deus tem por nós e acreditarmos nele”, acrescentou o Papa.

Para Francisco, as últimas palavras de Jesus são também “o programa de vida que inspira e pretende modelar, como um oleiro, o coração do pastor até que palpitem nele os mesmos sentimentos de Cristo Jesus: dedicação agradecida, dedicação orante e dedicação sustentada pela consolação do Espírito”. Em vários momentos ao longo da sua vida, Bento XVI sublinhou que o seu grande propósito de vida tinha sido a busca de um encontro pessoal com o rosto de Jesus Cristo — e, mesmo nos momentos turbulentos em que as várias crises abalaram a Igreja Católica, não deixou de procurar esse encontro na oração.

Na homilia do seu funeral, o Papa Francisco destacou como as últimas palavras de Jesus, lidas à luz do momento da morte de Bento XVI, falam de uma “dedicação agradecida, feita de serviço ao Senhor e ao seu Povo que nasce da certeza de se ter recebido um dom totalmente gratuito”. “‘Pertences a eles; pertences-me a mim’: sussurra o Senhor. ‘Tu estás sob a proteção das minhas mãos, sob a proteção do meu coração. (…) Permanece no espaço das minhas mãos e dá-me as tuas'”, acrescentou ainda o Papa, sublinhando como aquelas palavras ilustram a “condescendência” — no sentido etimológico original, de “descer em conjunto” — de Deus.

O Papa Francisco presidiu à celebração do funeral de Bento XVI

dpa/picture alliance via Getty I

Ainda falando sobre como as últimas palavras de Jesus inspiram os pastores católicos, numa mensagem carregada de simbolismo associado ao pontificado de Bento XVI, o Papa Francisco salientou que, como Jesus, também o Papa “carrega sobre os ombros a canseira da intercessão e o desgaste da unção pelo seu povo, especialmente onde a bondade é contrastada e os irmãos veem ameaçada a sua dignidade”.

“Neste encontro de intercessão, o Senhor vai gerando a mansidão capaz de compreender, acolher, esperar e apostar para além das incompreensões que isso possa suscitar”, disse Francisco, perante aquele que terá sido um dos Papas mais incompreendidos da história contemporânea, frequentemente classificado como irredutível conservador apesar dos radicais progressos teológicos que trouxe à Igreja Católica no século XX, promovendo um diálogo harmonioso entre a fé e a cultura contemporânea.

O Papa Francisco não terminou a homilia sem contar uma história particularmente relevante para compreender Bento XVI: “No final da Regra Pastoral, São Gregório Magno convidava e exortava um amigo a prestar-lhe esta companhia espiritual: ‘No meio das tempestades da minha vida, conforta-me a confiança de que tu manter-me-ás à superfície sobre a tábua das tuas orações e, se o peso das minhas culpas me abater e humilhar, emprestar-me-ás a ajuda dos teus méritos para me elevar’.”

No túmulo, a mensagem de uma “luta firme” contra os abusos de menores

Citando São Gregório Magno, Francisco evocava um homem que, como Bento XVI, foi Papa e foi um intelectual — hoje considerado Doutor da Igreja —, além de ter sido monge da Ordem de São Bento, uma das inspirações que estiveram na origem da escolha do nome papal de Joseph Ratzinger.

Preparativos finais para a colocação dos restos mortais de Bento XVI no mesmo túmulo onde esteve sepultado João Paulo II

Simone Risoluti

“É a consciência do pastor que não pode carregar sozinho aquilo que, na realidade, nunca poderia sustentar sozinho e, por isso, sabe abandonar-se à oração e ao cuidado do povo que lhe está confiado. É o Povo fiel de Deus que, congregado, acompanha e confia a vida de quem foi seu pastor. Como as mulheres do Evangelho no sepulcro, estamos aqui com o perfume da gratidão e o unguento da esperança para lhe provar, uma vez mais, o amor que não se perde; queremos fazê-lo com a mesma unção, sabedoria, delicadeza e dedicação que ele soube dispensar ao longo dos anos”, continuou o Papa Francisco.

"Bento, fiel amigo do Esposo, que a tua alegria seja perfeita escutando definitivamente e para sempre a sua voz."
Papa Francisco

“Também nós, firmemente unidos às últimas palavras do Senhor e ao testemunho que marcou a sua vida, queremos, como comunidade eclesial, seguir as suas pegadas e confiar o nosso irmão às mãos do Pai: que estas mãos misericordiosas encontrem a sua lâmpada acesa com o azeite do Evangelho, que ele difundiu e testemunhou durante a sua vida”, disse o Papa. “Bento, fiel amigo do Esposo, que a tua alegria seja perfeita escutando definitivamente e para sempre a sua voz.”

Bento XVI sepultado em três caixões e com vestes, moedas e medalhas cunhadas durante pontificado

No final da missa, o caixão de Bento XVI entrou na Basílica de São Pedro pela última vez, sob fortes aplausos da multidão reunida na Praça de São Pedro. Já no interior da basílica, os restos mortais de Bento XVI foram sepultados, a pedido do próprio, no túmulo onde o seu antecessor, João Paulo II, tinha sido originalmente colocado — depois da canonização, em 2014, o corpo de João Paulo II foi levado para um novo altar no piso térreo da Basílica de São Pedro e a sua capela ficou livre.

No seu caixão, além dos símbolos papais e de um conjunto de moedas cunhadas durante o seu pontificado, foi também colocado um documento, num tubo metálico, contendo uma descrição em latim do seu tempo como líder da Igreja Católica. Nesse texto, é salientado o empenho intelectual de Bento XVI na procura do conhecimento sobre Jesus, particularmente através da sua trilogia Jesus de Nazaré — e é dito que Bento XVI “lutou firmemente contra os crimes cometidos por representantes do clero contra menores e pessoas vulneráveis, apelando continuamente à conversão da Igreja, à oração, à penitência e à purificação”.

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