João Paulo II morreu a 2 de abril de 2005, após um pontificado de quase 27 anos. O conclave para eleger o seu sucessor começou na manhã de 18 de abril e só terminou na noite de 19 de abril. Estava “muito em jogo”, sintetiza o jornalista do espanhol ABC Javier Martínez-Brocal, que publica na próxima semana um livro com entrevistas com o Papa Francisco em que este conta como, naquele conclave decisivo de 2005, foi alvo de uma “manobra” que tinha como objetivo bloquear a eleição de Joseph Ratzinger.

O ABC faz a pré-publicação de um excerto do livro “O Sucessor”, que será lançado em Espanha a 3 de abril, onde Francisco rejeita que “quase” tenha sido eleito no conclave após a morte de João Paulo II e revela que foi “usado” por colegas cardeais que queriam evitar a eleição de um Papa que não fosse italiano.

A ideia de um grupo de cardeais, diz, seria bloquear durante vários dias a eleição de Ratzinger, votando em si, Jorge Bergoglio. O impasse levaria o cardeal alemão a desistir da corrida e, então, os cardeais por detrás do plano escolheriam um terceiro nome. “Estavam a usar-me, mas nas minhas costas já estavam a pensar em propor outro cardeal. Ainda não tinham chegado a acordo sobre quem, mas já estavam prestes a lançar um nome”, refere.

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Na altura, as regras ditavam que para que um cardeal fosse eleito precisaria de dois terços dos votos mais um, ou seja, teria de ter o apoio de 77 dos 115 votantes. Se ao fim de 33 votações o impasse se mantivesse, passaria a ser necessária uma maioria simples.

Na terceira votação do enclave de 2005, que se realizou a 19 de abril, Francisco reunia 40 dos 115 votos, o que impedia a eleição de Joseph Ratzinger. “Se tivessem continuado a votar em mim, ele não teria conseguido atingir os dois terços necessários”, diz Francisco.

Quando se apercebeu do esquema, garante que sinalizou a um cardeal colombiano, Darío Castrillón, que se retirava da corrida: “Não brinquem com a minha candidatura porque agora mesmo vou dizer que não vou aceitar. Deixem-me ficar por aqui”. E “foi assim que Bento foi eleito”.

O jornalista Javier Martínez-Brocal explica que o movimento anti-Ratzinger não encontrou um candidato alternativo para a votação da tarde de dia 19, a quarta, em que o cardeal alemão obteve 84 dos 115 votos. O fumo branco saiu da Capela Sistina às 17h50.

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Francisco conta que votou em Ratzinger porque era o único que reunia as condições na altura. “Depois da revolução de João Paulo II, que tinha sido um pontífice dinâmico, muito ativo, com iniciativa, que viajava… era preciso um Papa que mantivesse um equilíbrio saudável, um Papa de transição”, entende. E mostra admiração pelo antecessor, com quem tinha uma “relação muito profunda”. “Foi um homem que teve a coragem de renunciar e, a partir daí, continuou a acompanhar a Igreja e o seu sucessor”.

Bento XVI viria a mudar as regras da eleição de um Papa, passando a exigir sempre uma maioria de dois terços. Após os 33 escrutínios, a escolha passaria a ser entre os dois mais votados.