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Com a preparação do Orçamento do Estado para 2023 e as negociações da concertação social e com os sindicatos da função pública a correr em pistas paralelas, o Governo apostou forte num acordo de rendimentos a vários anos, para ir até ao fim da legislatura (2026), com patrões e centrais sindicais. E foi no quadro deste acordo que surgiram algumas das medidas mais significativas em matéria de salários, impostos e custos para as empresas.

O acordo de rendimentos, dos salários e da competitividade foi assinado este domingo, sem a assinatura da CGTP.

Já na sexta-feira, enquanto decorriam, em duas frentes, reuniões com parceiros sociais e com os representantes dos funcionários públicos, o Governo apresentava aos partidos com assento parlamentar o seu cenário macroeconómico para 2023, dando a conhecer alguns dos indicadores mais importante sobre a evolução económica e que servem para calcular as receitas e as despesas do Estado e calibrar medidas dos dois lados.

O que esperar da economia e da inflação?

Tal como António Costa já tinha antecipado na cerimónia do 5 de outubro, o Governo não espera uma recessão em 2023. A proposta orçamental assenta num crescimento moderado da economia de 1,3%, em clara travagem face à evolução esperada para este ano. Mas, ainda assim, com crescimento.

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De acordo, com o cenário dado a conhecer aos partidos esta sexta-feira, o Executivo mantém a trajetória de redução do défice e da dívida pública. A meta do défice é fixada em 0,9% para 2023 e a dívida pública em 110,8% do PIB. Nestas estimativas, a inflação é cortada quase a metade face ao final de 2022, projetando-se uma subida de preços de 4%. Segundo o BdP a inflação este ano deverá atingir os 7,8%. O cenário mantém uma perspetiva otimista de contenção do desemprego, com uma taxa de 5,6% e aposta num crescimento de 3,7% do investimento em ano de plena execução do PRR.

Rendimentos dos trabalhadores:

Salário mínimo aumenta para 760 euros em 2023

O Governo quer agora que o salário mínimo nacional atinja os 760 euros em 2023, face a uma intenção inicial de 750 euros, mas mantendo o objetivo de chegar em 2026 aos 900 euros, depois de passar para 855 euros em 2025 e e 810 euros em 2024. Com o aumento do salário mínimo há subidas automáticas de outros custos e de outros salários, conforme previsto nas convenções coletivas.

Escalões do IRS atualizados para aumentos salariais de 5,1%

A atualização dos escalões do IRS deve assegurar a “neutralidade fiscal das atualizações salariais”. A referência para a atualização dos escalões é um aumento nominal dos salários de 5,1% no próximo ano. Na prática, os valores de cada escalão dos rendimentos do IRS — quando mais alto o escalão, mais alta a taxa a pagar — têm de subir para evitar que mais rendimento caia num escalão que tem uma taxa superior de IRS, o que resultaria num agravamento da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho. Esta atualização deverá também ser feita para os pensionistas cujo aumento anunciado para janeiro será entre 4,43% e 3,53% (para os que têm atualização).

IRS. Atualização dos escalões proposta pelo Governo não chega para limpar impacto da inflação nos salários em 2023

Também se coloca a intenção de fazer convergir mais a retenção na fonte do IRS do imposto devido, ou seja, diminuindo no final o valor dos reembolsos. Tem o objetivo de “assegurar que as valorizações salariais se traduzem em ganhos líquidos mensais para os trabalhadores”.

Mínimo de existência e a distorção no IRS: rendimentos até 1.000 euros com bónus

O Governo quer evitar a distorção que penaliza os trabalhadores que ganham um pouco acima do salário mínimo nacional e que por via do pagamento de IRS e contribuição para a Segurança Social podem levar menos para casa ao fim do mês. Para isso vai mexer nas regras do mínimo de existência, patamar até ao qual um rendimento de trabalho fica livre do imposto, para passar de uma lógica de liquidação final do imposto para uma lógica de abatimento ao montante que irá beneficiar apenas os rendimentos até 1.000 euros por mês.

Uma forma é aumentar a dedução específica nos rendimentos de trabalho, e que começa nos 4.104 euros no primeiro escalão. Na prática esta solução permite a uma parte maior do rendimento bruto escapar à tributação do IRS. Esta fórmula, acredita o Governo, elimina a distorção atual da tributação a 100% dos rendimentos que estão imediatamente acima do salário mínimo.

Função pública com mais salário, mas só cobre inflação na remuneração mínima

A função pública vai ter atualizações salariais em 2023 entre 2% e 8%. Os 2% serão dados a quem ganhe mais de 2.600 euros e será de 8% para quem ganhe atualmente 705 euros, a remuneração mínima que o Estado quantifica em 120 mil trabalhadores que passam assim a ganhar em 2023 um total de 761,58 euros, mais 56,58 euros que atualmente. Se as remunerações mais baixas terão o aumento de 8%, a escalada nos ordenados de cerca de 52 euros brutos por pessoa a partir daí começa a diminuir percentualmente, o que determinará perda de poder de compra já que será abaixo da evolução da inflação. Até aos 1000 euros a subida será de 5,5%, abrangendo cerca de 260 mil pessoas.

A valorização média será assim de 3,9%, considerando que o subsídio de refeição vai subir para 5,20 euros (+9%). Mas considerando outras rubricas, como progressões, a massa salarial subirá 5,1%, custando ao Estado 1.300 milhões de euros — Governo disse que não tem mais margem. Está aqui incluído o aumento de 104 euros brutos (52 euros para todos e um adicional de 52 euros) para 84 mil assistentes técnicos, mas que poderá vir a apanhar alguns técnicos superiores (os que estão neste momento na terceira posição — 1.424 euros — e quarta posição remuneratória — 1.633 euros).

Jovens vão ter maiores isenções no IRS

O IRS Jovem deve passar a prever uma isenção de imposto de 50% no primeiro ano (atualmente está nos 30% nos dois primeiros anos), passando para 40% no segundo ano, 30% nos terceiro e quarto anos (está nos 20%) e no quinto ano (o último) 20% (face aos atuais 10%), de acordo com a intenção do Governo expressa no acordo com os parceiros sociais. O Governo aponta ainda para o “aumento dos limites máximos do benefício em cada ano”, mas não são referidos os valores. O que vigora atualmente é um limite de 7,5 vezes o IAS (indexante de apoios sociais) — 3.324 euros — nos dois primeiros anos; 5 vezes o IAS (2.216 euros em 2022) nos terceiro e quarto anos e de 2,5 vezes o IAS (1.108 euros) no último ano.

Podem pedir estes benefícios os jovens que comecem a receber e que tenham até 26 anos (ou 28 anos no caso dos doutorados), o que significa que poderão ter vantagem tributária até aos 31 e 33 anos, respetivamente, já que o programa está desenhado para cinco anos.

Programa Regressar estendido

O Governo quer estender o Programa Regressar (que estava em em vigor até 2023) até ao fim do acordo de rendimentos, 2026. Este programa dá benefícios no IRS aos sujeitos passivos que voltem a ser fiscalmente residentes em Portugal se não tiverem residido cá nos três anos anteriores mas que já tenham sido imediatamente antes desses três anos. Quem estiver neste programa beneficia de uma isenção de IRS sobre 50% dos rendimentos.

No acordo de rendimentos, no entanto, abre-se a porta a alterações no acesso ao programa, já que se pretende assegurar que o Regressar  “se destina ao incentivo ao regresso de quadros qualificados e, em particular, de atração de jovens”.

Horas extraordinárias vão receber mais

O Governo pretende aumentar o valor a pagar pelas horas extraordinárias, e baixa o número de horas a partir da qual é pago um valor suplementar. Assim a partir das 100 horas (e não das 150 como na primeira proposta do acordo), o trabalho extraordinário será remunerado em 50% (duplicando o valor atual de 25%) na primeira hora/fração; passando para 75% (atualmente 37,5%) na segunda hora/fração em dia útil; e será pago a 100% por cada hora/fração em dia de descanso semanal ou em feriado (atualmente é 50%).

Além dos valores a pagar serem superiores, o Governo promete reduzir “a taxa de retenção na fonte de IRS para metade nestas horas suplementares”. Ficou também acordado com os parceiros a redução da extensão da isenção da taxa liberatória de IRS dos trabalhadores agrícolas não residentes às primeiras 50 horas de trabalho suplementar.

IRS sobre subsídio de refeição só a partir de 5,20 euros

O valor da isenção em sede de IRS e contribuições para a segurança social do subsídio de refeição aumenta. Só passam a pagar imposto os valores acima dos 5,20 euros, contra os atuais 4,77, quando é pago em dinheiro. O valor de isenção atualmente em vigor é superior (7,63 euros) quando é pago por outras vias.

IRC mais baixo para quem dê aumentos salariais

O Governo quer incentivar as empresas a subir salários, dando um benefício em sede de IRC. Para isso, promete uma majoração de 50% dos custos com a valorização salarial (remunerações e contribuições sociais) no IRC para as situações em que as empresas: tenham contratação coletiva dinâmica, ou seja, que tenham renovado os acordos coletivos há menos de três anos; aumentem os salários conforme ou acima dos valores do acordo (5,1% em 2023; 4,8% em 2024; 4,7% em 2025 e 4,6% em 2026); e reduzam o gap salarial entre os 10% dos trabalhadores que ganhem mais e os 10% que ganhem menos.

Medidas para o reforço da segurança laboral e proteção de desempregados

Indemnizações para despedimentos passam para 14 dias

Uma das propostas que chegou aos parceiros sociais representa um recuo, ainda que moderado, numa das medidas mais emblemáticas da reforma laboral do tempo da troika e que resultou na diminuição das indemnizações por despedimento. Atualmente as compensações são de 12 dias por cada ano trabalhado. Antes da troika eram de 30 dias. A compensação quando um trabalhador for despedido passa para 14 dias.

Desempregados de longa duração vão poder acumular salário e subsídio

Na proposta do Governo apresentada aos parceiros sociais, pretende-se estimular a contratação de desempregados de longa duração. Segundo o Governo, será criado “um incentivo de regresso ao mercado de trabalho, direcionado a desempregados de longa duração, permitindo acumulação parcial de subsídio de desemprego com o salário pago pela entidade empregadora”.

Medidas para as empresas 

Injeção de 3.000 milhões para baixar preços da eletricidade e do gás. IVA inalterado

Foi uma das novidades do acordo assinado este domingo face à proposta apresentada pelo Executivo e que procura responder a uma das maiores queixas das associações patronais. E na prática é o reconhecimento de que as medidas já adotadas para conter o custo da fatura energética, com ajudas públicas às empresas, são insuficientes.

O Governo compromete-se a passar um cheque adicional de 3.000 milhões de euros para conter os preços da eletricidade e do gás natural em 2023. Esta super-almofada virá do Orçamento do Estado — financiada pelas receitas do Fundo Ambiental com a venda de licenças de CO2 —  mas também de medidas regulatórias que vão alocar fundos do próprio sistema elétrico e que serão decididas pela entidade reguladora na proposta anual de tarifas para 2023, a conhecer no dia 15 de outubro.

Para o gás natural, o governo dirige os apoios às empresas que não podem regressar ao mercado regulado (onde gás tarifas são mais baixas) e promete poupanças de 20% a 30% face ao preço que pagariam em 2023 sem estes apoios.

De fora, fica para já, a redução generalizada do IVA do gás e da eletricidade, iniciativa que iria beneficiar as famílias, mas não as empresas. Fica assim o que tinha sido anunciado no pacote anti-inflação que já previa o prolongamento a 2023. A descida do IVA da eletricidade na componente dos consumos aplicada aos primeiros 100 kWh consumidos por mês, e com potência contratada até 6,9 kVA, que passa de 13% para um IVA de 6%.

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Empresas já não têm de fazer contribuições para fundo de compensação

O Governo cedeu aos patrões na questão do fundo de compensação do trabalho (FCT). O acordo alcançado estabelece o fim das contribuições — de 0,925% da remuneração base e diuturnidades de cada trabalhador — por parte das empresas para este fundo que foi constituído para criar uma poupança para o pagamento de até 50% do valor da indemnização que as empresas tenham de pagar aos trabalhadores que estejam dentro do fundo. Só que acabou por ter 600 milhões de euros no total, mas individualmente não consegue cobrir as indemnizações. Por isso, face ao dinheiro que lá está o Governo compromete-se, no acordo de concertação social, a reconverter o Fundo de Compensação do Trabalho (FCT) de forma a que o dinheiro possa ser utilizado na qualificação e formação dos trabalhadores e no apoio à autonomização dos jovens trabalhadores, “suportando uma parte dos encargos com habitação.”

Por outro lado, proceder-se-á ao “reforço do Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho (FGCT) com transferência excecional do FCT, de forma a garantir capacidade de resposta face ao histórico de sinistralidade”.

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Prejuízos fiscais sem prazo para dedução

O prazo para dedução dos prejuízos fiscais pelas empresas vai deixar de ter limite, ainda que possam deduzir menos do que atualmente. No acordo de rendimentos ficou decidido que “no quadro do princípio da solidariedade dos exercícios, retira-se o limite temporal de reporte de prejuízos fiscais”. Os prejuízos fiscais, atualmente, têm um prazo de reporte de cinco anos, sendo de 12 anos para as micro, pequenas e médias empresas. Mas diminui-se o limite da coleta para a sua dedutibilidade. Atualmente é de 70%, passa a 65%.

E vai também ser mais fácil transmitir os prejuízos fiscais em processos de reestruturação de sociedades, “passando estes a ser diretamente declarados pelas empresas”, lê-se no acordo de rendimentos.

Taxas mais baixas de IRC no interior apanha mais rendimento

Em 2023, vai subir o valor da matéria coletável para as empresas que são beneficiadas com taxas de imposto mais baixas como as pequenas e médias (PME) e as do interior do país. O limite da matéria coletável a que se aplicam as taxas especiais de IRC passa de 25 mil euros para 50 mil euros. Até este valor as empresas têm taxas mais baixas. As PME têm atualmente até aos 25 mil euros uma taxa de 17% e as empresas no interior de 12,5%. Não há proposta para alterar as taxas em si, mas apenas o valor da matéria coletável. Há ainda outra proposta que deve estar vertida já na proposta de Orçamento para 2023: estas taxas mais baixas vão aplicar-se não apenas às PME mas também às small & mid caps que, segundo o IAPMEI, são empresas que pelo facto de estarem integradas num grupo com mais de 250 trabalhadores que não seja uma PME, tenha, individualmente, menos de 500 trabalhadores (pode ser até apenas um trabalhador).

Promete-se ainda a aplicação da taxa reduzida durante dois anos para empresas que resultem de operações de fusão de PME. António Costa explicou que se pretende que as PME que pagam 17% de IRC mantenham essa mesma taxa em caso de fusão “ainda que, da fusão, o seu volume de negócios ultrapasse o limite fixado para a taxa de 17%”. Segundo a classificação de PME são empresas nesta categoria as que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.

No caso das micro, pequenas e médias empresas haverá, por outro lado, vai haver ainda a limitação em 50% do terceiro pagamento por conta do IRC de 2022, uma medida que António Costa diz que “será de grande espectro”. Um alívio, disse, para a tesouraria este ano. Não é uma medida de aplicação em 2023, ainda que possa ter o seu impacto nesse ano.

Compra de carros híbridos por empresas vai ter menos tributação. E vem aí novo apoio ao abate

Em 2022 e 2023 não vai haver agravamento das tributações autónomas às empresas com prejuízos fiscais num período de três anos, que estejam em início de atividade e se forem cooperativas e PME. Estava previsto que passariam a ter um agravamento de 10 pontos percentuais, mas a sua suspensão é agora decretada para 2022 e 2023, ficando já a promessa de até 2026 haver uma redução gradual da tributação autónoma em aproximadamente 10%.

E há outra novidade prevista para o Orçamento de 2023. O Governo vai reduzir a tributação autónoma na compra dos veículos híbridos plug in e para veículos a gás natural veicular. A tributação autónoma (adicional para empresas) passou a determinar, em 2021, que a compra de veículos híbridos era de 5% (para carros até 27.500 euros), 10% (entre € 27.500 e € 35.000) e 17,5% (para mais de 35 mil). Estas vão de “imediato” ter um corte de 2,5 pontos percentuais. O mesmo corte será aplicado na compra de  veículos a gás natural veicular (mais amigo do ambiente que o GNL) cujas taxas aplicadas hoje são, respetivamente, de 7,5%, 15% e 27,5%.

No acordo final de concertação ficou ainda prometido um novo apoio ao abate de veículos ligeiros em fim de vida, não tendo sido explicado em quanto. Já houve um apoio ao abate, que terminou em 2017.

Prestações sociais

As pensões vão ser atualizados mas sem aplicação da fórmula legal

É a medida com mais expressão financeira e ao mesmo tempo a mais polémica do pacote de resposta à inflação. O Governo antecipou o pagamento em outubro de metade do valor da pensão, mas em contrapartida introduz um travão face à regra legal na atualização das reformas. Em vez de subirem o que resultaria da combinação da inflação de 7,4% (prevista pelo Governo) com o maior crescimento do PIB em muitos anos, que daria subidas entre 7,1% e 8% — as pensões vão subir até 4,43% em 2023. Em janeiro, os pensionistas que ganham até 886 euros têm o valor da reforma atualizado em 4,43%; 4,07% para pensões entre 886 euros e 2.659 euros; e 3,53% para as restantes pensões sujeitas a atualização (até 5.318,4 euros). Acima desse valor, não há atualização. Na polémica das pensões, o Governo recusou para 2023 qualquer aumento extraordinário (como tem havido nos últimos anos) para as pensões mais baixas.

Pela quinta vez, Governo volta a passar por cima da fórmula das pensões para travar aumentos. Pensionistas começam a perder a partir de 2024

O tabu do IAS. Quanto vai subir o indexante que atualiza as prestações sociais?

Tem sido até agora o grande tabu do Governo sobre as respostas à inflação, e espera-se que fique esclarecido na proposta orçamental, se o Governo optar também aqui por não seguir a fórmula de atualização prevista na lei, que considera valores do crescimento do PIB e da taxa de inflação (de novembro). Qual vai ser, afinal, a atualização dos indexantes de apoio social. Seguirá a inflação prevista para este ano, ou tal como as pensões, vai ter uma subida travada? A pergunta foi feita aos ministros das Finanças e do Trabalho e Segurança Social, várias vezes ao longo das últimas semanas.

A hesitação na resposta pode ser atribuída ao grande impacto orçamental que terá uma atualização expressiva deste indicador. A sigla IAS dirá pouco a muita gente. Mas é ela que determina a variação anual de várias prestações sociais — de abonos de família e bolsas de estudo, passando por subsídio de doença e subsídio mínimo de desemprego, a prestações por morte e despesas de funeral.

De acordo com a lei de bases da Segurança Social, o IAS é atualizado em resultado de dois fatores: o índice de variação média dos preços ao consumidor (sem habitação) dos últimos 12 meses disponível em dezembro, acrescido de 20% do crescimento real do PIB tendo como referência o crescimento médio dos últimos dois anos com um limite mínimo de 0,5% Mas no passado, a sua atualização foi várias vezes congelada, sobretudo em tempos de crise. O IAS ficou parado entre 2010 e 2016, mas este foi um período marcado por uma inflação historicamente baixa.

Há travão às rendas e estão a ser preparada ações para mitigar subida dos juros da casa.

Teto às Rendas e compensação aos inquilinos

O Governo estabeleceu para o próximo ano um teto de 2% à atualização das rendas dos contratos feitos depois de 1990 (os anteriores têm-se mantido com as atualizações congeladas, e assim deverá continuar) e até dezembro de 2021, que, sem esta iniciativa, iriam ser aumentadas em 5,4%, à boleia da inflação. Mas comprometeu-se a garantir uma compensação integral aos senhorios, feita através da isenção de imposto de uma parte dos rendimentos prediais — que podem atingir entre 9% e 13% dos rendimentos de arrendamento geral e entre 10% e 30% no arrendamento permanente e de longo prazo.

Senhorios com contratos de arrendamentos de 2022 ficam fora da compensação fiscal. As novidades e as dúvidas

Crédito à habitação. Bancos não vão poder cobrar comissão nas amortizações

A posição do Governo é que os indexantes de crédito (as taxas Euribor) estão em “padrões normais” – entre 2% e 3%. Porém, o secretário de Estado do Tesouro, João Nuno Mendes, reconheceu no parlamento esta quinta-feira que a subida tem sido “extraordinariamente rápida”. Por isso, vai ser lançado um “diploma específico” para a banca que irá conter algumas medidas de alívio.

Uma das propostas que devem constar nesse diploma, que tem vindo a ser negociado com a Associação Portuguesa de Bancos, é que ao longo de 2023 os bancos não possam cobrar comissões de amortização antecipada. Os bancos cobram, habitualmente, uma comissão de 0,5% na amortização antecipada no caso dos empréstimos a taxa variável (2%, por regra, na taxa fixa).

Não haver comissão pode ser um incentivo para que alguém utilize poupanças para fazer amortizações de crédito e, assim, baixar o montante em dívida e dessa forma atenuar o impacto da subida dos juros. Porém, João Nuno Mendes não revelou se essa medida irá ter impacto em todos os créditos à habitação ou se será apenas nos créditos com taxa variável (e não naqueles que têm taxa fixa).

Prazo do crédito pode ser prolongando (e depois poderá voltar-se atrás)

Uma das principais ideias que irão estar na base de um “diploma específico” para a banca é que “exista um dever que se impõe à banca para fazer face ao agravamento significativo da taxa de esforço que possa apresentar uma nova proposta” de crédito à habitação, ou seja, entre o banco e o cliente. Não ficou claro, aqui, de que forma é que o novo diploma vai trazer mudanças em relação àquilo que já é feito ao abrigo dos programas de renegociação e reestruturação de créditos que já existem na lei (PARI e PERSI).

Porém, o secretário de Estado revelou que se vai criar um mecanismo que permite que ,numa eventual extensão dos prazos do empréstimo, “dentro de um determinado prazo, o cliente terá o direito a voltar ao prazo original”, porque “aumentar o prazo diminui a prestação mas o cliente pagará sempre mais juros”.

O governante indicou também, sobre o mesmo diploma, que “pode também haver alteração da tipologia da taxa aplicável aos créditos ou a consolidação de créditos sem aumento das taxas de juro”.

Não se sabe, ainda, quando é que esse diploma vai ser publicado e entrar em vigor.

Juros pagos no crédito à habitação vão poder ser deduzidos no IRS?

Mas o Governo pretende apoiar as pessoas que estão a pagar mais nas prestações de crédito por três vias. Além do referido diploma para a banca, as outras duas são aquelas que passam pelo acordo de rendimentos e, também, medidas de cariz orçamental. E, sobre estas últimas, a única sobre a qual o Governo levantou o véu foi a possibilidade de deduzir os juros no IRS. Isso é algo que pode ser feito por quem comprou casa antes de 2011 mas, por exigência do programa de ajustamento da troika, quem celebrou créditos à habitação depois desse ano deixou de poder fazer essa dedução.

Se avançar nestes contornos, esta será uma medida, porém, que não terá um impacto imediato na gestão dos orçamentos das famílias – já que a entrar no Orçamento do Estado para 2023 só irá beneficiar os reembolsos de IRS que forem feitos em meados de 2024.

Medidas de mitigação do aumento de preços. Da certeza nos transportes públicos à incerteza sobre a continuidade dos descontos fiscais nos combustíveis. E o apoio à agricultura

Descontos nos impostos sobre os combustíveis vão passar de temporários a definitivos?

A redução extraordinária do imposto sobre os produtos petrolíferos em cerca de 25 cêntimos por litro e o congelamento da atualização da taxa de carbono foram estendidos até ao final do ano. Mas não se sabe o que vai acontecer em 2023. E é provável que a proposta de Orçamento do Estado deixe em aberto o cenário, ainda que faça algumas sinalizações.

Face à extrema volatilidade dos preços internacionais, o Governo tem feito uma gestão de curto prazo, com revisões primeiro semanais e agora mensais, do nível de desconto no imposto. Já no início de outubro, e aproveitando uma folga temporária nas cotações internacionais do petróleo com mais impacto na gasolina, o Executivo aproveitou para recuperar uma parte da redução do imposto neste combustível, elevando o ISP deste combustível em mais de 4 cêntimos por litro. Por azar, a OPEP+ acordou no dia seguinte um corte na produção que voltou a inflamar o preço dos combustíveis.

Gasolina sobe duas vezes numa semana, por via fiscal e por causa das cotações internacionais

Segundo as Finanças, os atuais descontos na carga fiscal dos combustíveis são de 28,3 cêntimos no gasóleo e de 26 cêntimos por litro na gasolina. Estes valores estão provavelmente subestimados porque não incluem o agravamento da taxa de carbono que deveria ser aplicado em 2023, o que eleva o impacto de um eventual descongelamento desta taxa de cinco para 11 cêntimos por litro, de acordo com estimativas da consultora Deloitte.

Qualquer medida de inversão destes descontos fiscais será progressiva. Por outro lado, e em caso de novas valorizações dos preços o Governo tem agora margem, dada por Bruxelas, para baixar o imposto petrolífero no gasóleo para além do mínimo europeu.

Passes sociais congelados e gasóleo profissional para os transportes públicos

O congelamento dos passes sociais e dos bilhetes da CP para 2023 foi anunciado no pacote de medidas anti-inflação. Os preços cobrados pelas empresas prestadoras do serviço de transportes públicos deviam ser atualizados anualmente com base na TAT (taxa de atualização tarifária). A manutenção de preços irá abranger 1,2 milhões de passes e evitar aumentos que o Governo estimava serem de 8%.

O congelamento dos passes implica compensar as empresas pelas perdas sofridas devido ao aumento de custos (combustíveis e com pessoal) que não podem passar para os clientes. Para 2023 essa compensação será de 66 milhões de euros. Há um custo assumido pelas empresas que ficou por compensar, pelo menos no caso dos privados. A ANTROP estima em 60 milhões de euros o prejuízo suportado pelo setor devido à não revisão dos preços este ano.

Mas a associação dos transportadores rodoviários privados consegue concretizar uma ambição antiga: a extensão do gasóleo profissional (com desconto) ao setor dos transportes públicos. A medida poderá custar 20 milhões de euros, nas estimativas de Cabaço Martins, presidente da ANTROP. Acordo com parceiros sociais cria também o gás profissional para o transporte de mercadorias que usa este combustível.

Agricultura tardou mas viu fixar medidas de apoio no acordo de rendimentos

Na versão final do acordo de rendimentos, o setor agrícola viu-se contemplado com medidas de apoio. Além de lhe ser garantido um apoio imediato extraordinário, para todo o ano de 2022, de 10 cêntimos por litro, tendo em consideração os consumos de gasóleo agrícola reportados ao último ano completo, a agricultura viu ser incluída uma medida de apoio pela subida de outros custos.

A majoração em sede de IRS e IRC para os gastos com rações para animais, fertilizantes e adubos, corretivos orgânicos e minerais e extensão para a água para rega vai subir de de 20% para 40%.

Que novos impostos, alguns com uma discussão que tem anos, devem avançar?

Lucros inesperados vão ser taxados no petróleo, mas vão dar receita?

O regulamento europeu pelos ministros da Energia prevê a cobrança de uma contribuição extraordinária sobre os lucros das empresas de petróleo e gás. O Governo já sinalizou que vai cumprir esta determinação, ainda que não esteja muito confiante no seu alcance.

A medida deverá apanhar em Portugal apenas uma empresa, a Galp, e nas operações que geram lucro em território nacional, neste caso a refinação. De acordo com fiscalistas da Delloite a taxa de 33% a aplicar a resultados tributáveis que sejam 20% superiores à média dos últimos três anos irá apenas implicar um agravamento marginal da taxa de IRC já aplicada a esses resultados em Portugal e que nas empresas com lucros acima dos 35 milhões de euros já ultrapassa os 30%, incluindo a derrama estadual de 9%. Logo a diferença para os 33% da contribuição europeia é residual. Esta medida europeia tem a validade de um ano.

É em 2023 que avança a tributação sobre as operações com criptoativos?

Em maio, a avaliação pedida pelo Governo à Autoridade Tributária com uma proposta de tributação sobre os ganhos em operações com criptoativos já foi entregue. De acordo com o Expresso, o fisco propõe taxar as mais-valias realizadas nas transações com estes ativos às mais-valias de rendimentos de capital no IRS, às quais se aplica a taxa de 28% se forem detidas por mais de um ano.

A menos de um ano, essas operações são classificadas como especulativas e pagam taxa mais elevada. No entanto, só na proposta de Orçamento é que será clarificada a intenção do Governo em termos de calendarização e intensidade da medida. Uma das questões que tem de ficar esclarecida é o momento da tributação e se esta deve acontecer apenas quando o criptoativo é convertido em moeda.

Englobamento das mais-valias “especulativas” vai mesmo avançar?

O englobamento obrigatório das mais-valias mobiliárias para as pessoas que estão no último escalão de IRS (em investimentos detidos por menos de um ano) foi uma das medidas mais polémicas da última negociação orçamental. O Orçamento do Estado para 2022, aprovado em maio último, reiterou a intenção de avançar com a medida – mas com indicação para entrar em vigor apenas no início de 2023.

O Governo não deu qualquer indicação de que a medida pode desaparecer no próxima proposta de Orçamento do Estado, mas o setor dos investimentos mantém alguma esperança de que o primeiro orçamento feito de raiz por Fernando Medina poderá abandonar a ideia.

Nos termos do que está aprovado, quem estiver no escalão de IRS mais elevado (atualmente superior a 75.009 euros de rendimento anual) deixa de poder optar entre englobar as mais-valias na totalidade dos seus rendimentos (taxados a 48%) ou, em alternativa, vê-las taxas à taxa liberatória de 28%. Se a proposta avançar, a segunda hipótese deixa de ser válida.

A TAP vai ser vendida. Vai voltar a pesar no défice?

Questionado sobre a intenção de vender a TAP nos próximos 12 meses, António Costa foi perentório: sim. O primeiro-ministro espera que a operação não gere perdas para o Estado, mas não pode afastar essa possibilidade, que é aliás provável dado os montantes injetados na companhia (2,5 mil milhões de euros de ajuda pública a injetar até final de 2022).

De acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas, a TAP SA é uma unidade institucional pública, mas gera receitas que cobrem em mais de 50% os seus custos, como tal, explica ao Observador o INE, é um produtor mercantil e fica classificada no setor das sociedades, fora do setor institucional das administrações públicas. Isto significa que o seu défice de exploração não pesa nas contas do défice. Injeções financeiras do Estado contaram no passado para o défice público, devido à situação económica e financeira da empresa.

“Eventuais operações (de apoio) que se venham a realizar em 2022″ — este ano está prevista a última tranche de apoios públicos de 990 milhões de euros — “serão analisadas oportunamente tendo em conta o período contabilístico a que respeitam”. Já “o valor recebido por uma possível venda da empresa (privatização) não é registado como receitas da administração pública, dado que, em contas nacionais, é uma operação financeira”.