À partida para conhecer os indicadores da evolução da economia em Portugal no segundo trimestre, poucos eram os analistas a apontaram para uma contração. Esperava-se um crescimento baixo, mas só o NECEP – Católica-Lisbon Forecasting Lab apontava à Lusa para uma contração em cadeia de 0,8%.
De resto os analistas contactados miravam um crescimento entre 0,3% e que até poderia superar os 2,5% do primeiro trimestre (crescimento face ao quarto trimestre do ano passado).
Só que os dados do INE revelaram outra realidade. O segundo trimestre mostrou um recuo da economia nacional, em cadeia, de 0,2%. Contactado pelo Observador, o Ministério das Finanças não comentou estes dados.
Estes ainda são dados preliminares e cujo detalhe não foi revelado. Mas o INE dá algumas pistas.
Portugueses retraem consumo
A contração, em cadeia, no segundo trimestre está relacionada com o menor consumo privado, segundo o Instituto Nacional de Estatística. Pedro Braz Teixeira, diretor do Gabinete de Estudos do Forum para a Competitividade, admite ter ficado surpreendido “sobretudo” com a queda trimestral do PIB. E explica: “Parecia que o consumo estava com algum dinamismo, mas teremos que ver os detalhes”.
O INE já tinha divulgado que “o indicador de confiança dos consumidores diminuiu em junho, após ter aumentado nos dois meses anteriores e de ter registado uma diminuição abrupta em março”. Em julho os consumidores voltaram a aumentar os níveis de confiança. Mas servirão os níveis de confiança para medir o pulso ao consumo privado? “Os indicadores qualitativos estão a ser menos informativos na atual conjuntura”, admite ao Observador João Borges de Assunção, coordenador do NECEP (Núcleo de Estudos de Conjuntura da Economia Portuguesa) da Católica, acrescentando que “a inflação acabará por pesar negativamente no consumo privado”.
Braz Teixeira aponta também: “Os indicadores de confiança são demasiado voláteis, mas a inflação elevada, a subida das taxas de juro e os riscos geopolíticos deverão continuar a conter o consumo”.
O BCE já avançou para a subida das taxas de juro, o que pode vir a ter impacto na confiança dos consumidores, que verão algumas das suas prestações associadas a créditos aumentarem.
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E, segundo o INE, a variação mensal do índice das vendas a retalho foi (negativa) de -1,9% em junho (face aos 1,9% no mês anterior). Os agrupamentos de Produtos Alimentares e Produtos não Alimentares passaram de variações de, respetivamente, 1,3% e 2,3% em maio, para -2,1% e -1,8% em junho.
O aperto da inflação
No mesmo dia que o INE revelava os dados referentes ao segundo trimestre eram também conhecidos os dados da inflação de julho. Os preços nesse mês em Portugal acelerou para 9,1%, depois de em junho se ter fixado nos 8,7%.
O Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) português, usado para comparações internacionais (e que consideram o turismo), registou, em Portugal, uma variação homóloga de 9,4% (9,0% no mês anterior), acima da evolução na zona euro onde a inflação homóloga terá atingido os 8,9% em julho.
Braz Teixeira vê dois sinais positivos, ainda assim, em relação à inflação registada. Por um lado, “o diferencial entre a inflação subjacente portuguesa e a da zona euro deixou de se alargar e estreitou-se, de 1,4% para 1,2%”. Por outro, “houve finalmente um abrandamento dos preços da energia, de 31,7% para 31,2%, mais nítido na zona euro, de 42,0% para 39,7%”. O que significa, na ótica do economista, que “embora ainda não se tenha assistido a um abrandamento da inflação, há um sinal tímido de que nos estaremos a aproximar disso.”
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Segundo o Eurostat, a inflação homóloga em Portugal foi a 11.ª mais alta da zona euro, mas ainda não atingiu os dois dígitos já alcançados em 10 países do euro, incluindo a Espanha onde o índice de preços ao consumidor harmonizado cresceu para 10,8% em julho.
Na Alemanha, a inflação já passou dos 7,9% em maio, para 7,6% em junho e 7,5% em julho.
Pedro Brinca, professor da Nova SBE, em declarações à Rádio Observador, lembra, no entanto, que a crise energética na Europa “está longe de ser resolvida” — e são os preços da energia a puxar mais pela inflação. E havendo “uma incerteza muito elevada”, sendo a energia a culpada para ainda não se estar a assistir à contenção da subida de preços. Mas a subida das taxas de juro — ainda que implique danos na confiança dos consumidores e redução de rendimento disponível — tem como objetivo conter a inflação.
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A expectativa das famílias e empresas, realça Pedro Brinca, é que os 2% de objetivo poderão ser alcançados dentro de dois anos.
Investimento em Portugal também contribui para recuo
O INE ainda revelou pouco sobre os fatores que poderão ter contribuído para a contração do PIB no segundo trimestre, mas além de falar do consumo interno realça também o menor nível de investimento.
“Em relação ao investimento, os dados da execução orçamental indicam uma queda do investimento público no trimestre, que terá agravado a queda do PIB, quando era suposto estar a contrariá-la”, reforça Braz Teixeira ao Observador.
O INE não divulgou ainda os dados detalhados, mas já assumiu que “o contributo da procura interna para a variação homóloga do PIB diminuiu no segundo trimestre, verificando-se um crescimento menos acentuado do consumo privado e do investimento.”
Esta atuação do investimento apanhou alguns economistas de surpresa, até porque está em andamento o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Ainda assim, segundo dados de 27 de julho da estrutura de missão ainda só chegaram ao terreno 751 milhões de euros, ou seja, 5% do valor contratado. Desse valor, 61 milhões chegaram às famílias e 13 milhões às empresas privadas (as empresas públicas já receberam 218 milhões de euros).
Turismo ainda não é suficiente
A recuperação do turismo era o fator que se esperava que puxasse pela economia portuguesa, depois dos dois últimos anos de apatia. O primeiro trimestre já tinha dado bons sinais e os indicadores do segundo trimestre estavam a ser positivos. No entanto, ainda não foi suficiente para contrariar a queda da procura interna.
“O turismo está a ajudar muito mas ainda não regressou aos níveis pré-pandemia”, salienta João Borges de Assunção, o qual é corroborado por Braz Teixeira: “Embora os números do turismo tenham sido favoráveis”, parece que o turismo não está a conseguir puxar pela economia. “Na zona euro, os países que mais cresceram foram justamente França, Espanha e Itália, onde o turismo ajudou ao desempenho da economia”, salienta o economista do Forum para a Competitividade. Aliás, este fator ajuda também a explicar a divergência de Portugal face à zona euro que teve um crescimento de 0,5% e da União Europeia que cresceu 0,6%.
“Os dados da zona euro beneficiaram do efeito base nalguns países como Espanha”, realça Borges de Assunção, admitindo que o “crescimento forte” da zona euro “foi uma surpresa”, alertando, no entanto, para o facto de a “conjuntura, porém, continuar a deteriorar-se”.
Braz Teixeira, admitindo que falta conhecer as componentes, admite que a divergência de Portugal face à zona em que está inserida possa estar também relacionada com o facto de “a carga fiscal ter subido no nosso país”, além de que “os apoios para lidar com a subida dos preços foram muito limitados” a nível nacional.
O Governo já prometeu divulgar em setembro um conjunto de novos apoios. Para já está em vigor, além de apoios para atenuar a subida do preço dos combustíveis, o apoio a família mais vulneráveis que receberão em julho e agosto um cheque de 60 euros.
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Nos dados relativos ao turismo, divulgados pelo INE, verifica-se que o setor do alojamento turístico registou no primeiro semestre deste ano 11,22 milhões de hóspedes e 28,59 milhões de dormidas, o que ainda está abaixo de 2019 no conjunto do país. Isto porque o turismo de não residentes ainda não foi totalmente recuperado. No caso dos portugueses, as dormidas no primeiro semestre deste ano já foram superiores em 5,2% face a igual período de 2019, antes da pandemia.
Em junho, 15,7% dos estabelecimentos de alojamento turístico ainda estiveram encerrados ou não registaram movimento de hóspedes.
O BPI acredita que foi a atividade turística que beneficiou as exportações do trimestre. O comportamento no segundo trimestre do PIB “é explicado pelo contributo negativo da procura interna, que mais do que compensou o contributo positivo da procura externa líquida. Esta, por sua vez, beneficiou de um aumento das exportações de bens e serviços superior ao das importações, o que deverá estar associado a uma performance muito positiva da atividade turística. Por exemplo, no acumulado de abril e maio, houve mais 65% de hóspedes não residentes do que no total do primeiro trimestre”, salienta o BPI numa nota breve divulgada esta sexta-feira. O turismo está incluído nas exportações e importações de serviços que ainda não foram reveladas.
Já nos bens, as exportações aumentaram 31,2% menos do que as importações que subiram 39,4% no segundo trimestre deste ano face ao mesmo período de 2021, segundo a estimativa rápida divulgada esta quinta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Face aos números divulgados esta sexta-feira, o BPI admite que há riscos na sua previsão para um crescimento do PIB no conjunto do ano de 6,6%, “considerando o contexto de elevada incerteza em torno do conflito na Ucrânia e crise energética, a par do aumento das taxas de juro e inflação em níveis elevados”.
O Governo tem uma projeção de crescimento para o ano de 4,9%, mas o otimismo é maior por parte das instâncias europeias e do Banco de Portugal que estima um crescimento anual de 6,3%. Já o FMI aponta para 5,8% e a Comissão Europeia (a mais otimista) para 6,5%.
Os dados finais do segundo trimestre serão divulgados a 31 de agosto pelo INE. Se em cadeia o segundo trimestre trouxe um recuo, em termos homólogos a economia cresceu 6,9%, refletindo, segundo o INE, ainda um efeito base, já que no primeiro trimestre de 2021 ainda “estiveram em vigor várias medidas de combate à pandemia que condicionaram a atividade económica”. No primeiro trimestre a economia portuguesa tinha registado um crescimento de 2,5%, na comparação com o quarto trimestre de 2021, e de 11,8% face ao período homólogo de 2021, que ainda tinha sido marcado pelo segundo confinamento devido à Covid-19.
Em relação ao terceiro período, “os indicadores disponíveis são ainda escassos, mas parecem apontar para um segundo semestre de enorme incerteza”, realça o BPI, dando exemplos: “O indicador de clima económico, apesar de ter recuperado em julho, revela sinais de abrandamento; apesar da confiança dos consumidores ter recuperado face ao mês anterior, continua em níveis consideravelmente mais negativos do que os observados antes da eclosão do conflito na Ucrânia; ao mesmo tempo, o sentimento deteriorou-se entre os vários sectores de atividade, com exceção da construção e obras públicas”. Ainda assim, conclui o BPI, “é também possível que o terceiro trimestre beneficie de uma performance bastante positiva da atividade turística, cujos indicadores se têm revelado animadores e que pode atenuar os efeitos adversos decorrentes do conflito na Ucrânia”.