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O triângulo Peru, Canadá e Reino Unido que já fez sair mais de 8 milhões da Santa Casa sem retorno

Projeto que levou a Santa Casa à lotaria do Peru implicou compra de 26% de empresa sediada no Reino Unido e empréstimo a uma tecnológica no Canadá. Investimento de 8,2 milhões não dá sinal de retorno.

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Tem sido quase uma nota de rodapé na desastrada aventura de internacionalização da Santa Casa: foram investidos mais de oito milhões de euros, sem grandes expectativas, para já, de retorno. E a conta pode aumentar, já que a Santa Casa pode vir a ser “obrigada” a converter um empréstimo em capital numa tecnológica no Canadá, controlada por uma sociedade com sede no Reino Unido. Foi nesta última companhia, a Ainigma, que a Santa Casa entrou em 2020, comprando uma participação de 26%, atraída por um ativo do outro lado do Atlântico, a exploração da lotaria Torito de Oro no Peru. Um triângulo desastroso.

Sem atingir a dimensão e as suspeitas de ilegalidades (e até de ligações ao crime organizado) das operações no Brasil, os projetos no Peru também seguiram um padrão de falhas na informação e de sustentação financeira, sobretudo pela falta de autorização por quem a devia dar — pelos estatutos da Santa Casa, e pelo despacho da então ministra Ana Mendes Godinho, qualquer investimento tem de ser aprovado previamente pela tutela —, a que se junta omissões de controlo devido por parte dos responsáveis que representavam a Santa Casa. Tudo isto de acordo com dados identificados na auditoria forense da BDO à Santa Casa Global e aos quais o Observador teve acesso.

O documento aponta para saídas de fundos da Santa Casa para este projeto de 8,2 milhões de euros até julho de 2023 e o principal ativo deste investimento — exploração da lotaria no Peru — foi suspenso pode decisão regulatória.

Para a auditoria da BDO, este projeto não estava dentro do espírito das balizas definidas no despacho da ministra Ana Mendes Godinho para a expansão internacional. Não só porque fica fora da geografia da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), mas também por causa do perfil de risco dos investimentos da Ainigma. Considerando a condição de não comprometer a estabilidade financeira da Santa Casa, investimentos em economias emergentes ou startups deviam ser limitados. Além de que o perfil de risco acrescido deveria ter sido acautelado com uma análise exaustiva por entidades externas credíveis e due diligences que não aconteceram.

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Os primeiros passos foram dados antes mesmo da constituição da empresa que iria por em marcha a estratégia de internacionalização, a Santa Casa Global (SCG).

O tema foi alvo de deliberações no conselho da mesa da Santa Casa que, em abril de 2020, analisou uma proposta feita pela Ainigma Holdings Limited com a possibilidade de compra de 26% do seu capital. O objetivo era promover projetos de jogos na América do Sul, tendo então já garantida uma licença para a exploração da lotaria no Peru.

Foi dada luz verde à continuação dos contactos com os acionistas da Ainigma. Contactos esses que, meses mais tarde, em outubro de 2020, resultaram numa deliberação já da Santa Casa Global (constituída um mês antes) a aprovar a aquisição de 26%, depois de ter sido discutida esta operação pela mesa da Santa Casa, em setembro, que analisou a carta enviada pelo diretor da Ainigma, Graham Bruce, ao responsável da Santa Casa Global, Ricardo Gonçalves, a propor um valor para essa participação de 5 milhões de dólares.

O grande ativo da Ainigma, que segundo as contas da SCG tinha registo no Reino Unido, era uma fatia de controlo (69%) da Nexlot, empresa peruana concessionária da exploração da lotaria do país, o Torito de Oro. Outro ativo valorizado nesta operação era a participação de 100% que a Ainigma tinha na AHS, uma tecnológica do Canadá com potencial para criar soluções de suporte a jogos e lotarias e que seria uma peça importante para o desenvolvimento da plataforma da Nexlot no Peru.

Foram aceites as condições de pagamento — uma tranche inicial de um milhão de dólares destinados à Nexlot ainda em 2020 e os outros quatro milhões em janeiro de 2021 transferidos para a Ainigma. Este pagamento da Santa Casa teria como propósito financiar o arranque da lotaria no Peru, a dividir por custos de marketing e de instalação do negócio. Este investimento valorizou a empresa em 19 milhões de dólares (quase 18 milhões de euros).

A auditoria da BDO procurou perceber a racionalidade financeira deste investimento que olhou para a avaliação da Ainigma com base num modelo simples considerando as contas de 2019 e o orçamento para 2020. Ainda que tenham considerado a metodologia adequada, os auditores notaram o escasso histórico de dados financeiros e contabilísticos e a incerteza sobre a existência de uma auditoria ou certificação às contas para apontarem a dificuldade em certificarem uma avaliação da Ainigma de 82 milhões de dólares (em 2026), num horizonte a seis anos e tendo por base um modelo financeiro previsional simplificado muito assente nas receitas esperadas da lotaria do Peru. Foi esta avaliação que levou ao investimento de 5 milhões.

Além da avaliação não convencer, os auditores também não encontraram evidências de que tenha sido feita uma verificação prévia de background sobre os acionistas, due diligences financeira e jurídica, estudo sobre o mercado do jogo no Peru e identificação de riscos.

Esta operação fez parte do projeto de internacionalização lançado pela mesa presidida por Edmundo Martinho e com os gestores da Santa Casa Global, Francisco Pessoa e Costa e Ricardo Gonçalves.

Fachada do edifício da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 16 de abril de 2024. Museu de São Roque. Estátua do Padre António Vieira. CARLOS M. ALMEIDA/LUSA

Santa Casa anunciou parceria com o Peru para o Torito de Oro em agosto de 2021

CARLOS M. ALMEIDA/LUSA

Foi só no ano seguinte (2021) à aprovação do negócio que a Santa Casa Global anuncia o lançamento da lotaria Torito de Oro no Peru, em parceria com a Nexlot Juega Perú, operador de lotarias, a iTech Labs e o grupo El Comercio. O produto tinha associado uma “plataforma tecnológica inovadora” e um “novo conceito de jogo, garantindo a entrega de todos os prémios oferecidos, dado que todas as vendas de bilhetes e pagamentos de prémios são notificados através de telemóvel”. A lotaria estava também ligada a uma rede física com 120 mil postos em todo o Peru, mas apostava claramente nos meios digitais — o bilhete virtual da lotaria era enviado por SMS ou por email (caso fosse usado o site) para contornar os constrangimentos da pandemia.

Também no Peru as coisas correram mal. As atas das reuniões da administração da Nexlot assinalam em junho de 2021 quatro fatores que estavam a condicionar o lançamento da operação — a pandemia de Covid-19, a política, a procura latente e questões regulatórias. Em agosto desse ano eram reportadas vendas inferiores às esperadas; e, em setembro, a administradora da Santa Casa, Ana Vitória Azevedo, foi ao Peru na qualidade de administradora não executiva da Nexlot. Em dezembro, já era assinalado um crescimento significativo das vendas tendo sido lançados vários produtos novos, mas chega um novo imprevisto — a empresa é notificada de uma queixa contra a sua atividade.

Em outubro de 2022 o instituto do consumidor e concorrência peruano aplicou uma sanção financeira à Nexlot e ordenou o fim da atividade da lotaria. Esta ordem foi emitida pelo INDECOPI na sequência de uma queixa pelo facto de a Nexlot não ter um contrato de associação com uma entidade de apoio social, como prevê e lei peruana. A empresa contestou esta sanção e recorreu, mas interrompeu a exploração do Torito de Oro em 2023.

A auditoria à operação internacional da Santa Casa considera que sem este ativo, o grupo terá dificuldade em gerar os fundos que permitam reembolsar o investimento feito na compra da posição e o reembolso de um empréstimo que a Santa Casa Global concedeu ligado a este projeto e que eleva o impacto financeiro da Santa Casa no Peru aos 8,2 milhões de euros (considerando ainda um empréstimo à Ainigma de 100 mil euros — que surge na auditoria sem especificação de data e objetivo).

Empréstimo obrigacionista a empresa do Canadá ainda não pagou juros e pode passar a capital

O investimento na Ainigma foi acompanhado de uma outra operação ainda menos conhecida e que, tal como a primeira, não foi submetida à tutela. Trata-se de um empréstimo obrigacionista subscrito pela Santa Casa Global à AHS, a empresa tecnológica do Canadá. Esta operação foi contratualizada em abril de 2021 com um limite de 4,5 milhões de dólares (4,2 milhões de euros), com a finalidade de financiar o desenvolvimento da plataforma tecnológica para gerir apostas desportivas, raspadinhas, jogos de lotaria e casino online.

O contrato de financiamento tinha um prazo de cinco anos, com o início de pagamento de juros (de 4%) dois anos após a emissão, o que remetia para maio de 2023. A auditoria da BDO diz que, no entanto, até agora não foram pagos quaisquer juros. Mais. Existe uma opção de conversão do empréstimo em ações (são obrigações convertíveis) em alternativa à extensão (também possível por três anos) do empréstimo. E, a qualquer momento, a AHS tem o direito potestativo de converter as obrigações em ações, transformando dívida em capital.

A SGC passará de credora a acionista desta participada (AHS) e fica vinculada a um acordo parassocial já existente onde estão definidos os seus direitos e deveres. Ficará impedida de vender as ações sem a aprovação da AHS por um período de quatro anos.

Os últimos desenvolvimentos apurados sobre este projeto no Peru são de 2023 e referem que a Nexlot estava a tentar lançar outros jogos. No site da empresa peruana são referidas outras lotarias Torito, mas não o Torito de Oro, em parceria com uma sociedade de beneficiência (apoio social).

A documentação obtida pela auditoria menciona a existência de um empréstimo concedido pela tecnológica AHS de um milhão de dólares para dar apoio à tesouraria da empresa no Peru que a empresa do Canadá não está disposta a reforçar. Admitia-se então a necessidade da entrada de novo acionista. De acordo com a informação recolhida pelo Observador, há um parecer jurídico pedido pela Santa Casa Global e recebido em abril deste ano, mas do qual não saíram dados adicionais relevantes ao já apurado.

 
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