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As tensões entre Rússia e Ocidente têm implicações económicas.
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As tensões entre Rússia e Ocidente têm implicações económicas.

As tensões entre Rússia e Ocidente têm implicações económicas.

Os 6 choques que o conflito na Ucrânia vai causar nas economias

Petróleo, gás natural e cereais mais caros; inflação (ainda) mais preocupante; banca vulnerável a "disrupção grave"; riscos subestimados nas bolsas? Eis os 6 choques que o conflito pode causar.

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Um conflito bélico tem sempre impacto na economia. Esta tensão entre Rússia e Ocidente, a propósito da Ucrânia, não foge à regra. Mas os economistas vão dizendo que tudo dependerá da dimensão do conflito ou do nível de sanções e, claro, do tempo que durar. A intervenção armada traça novos choques, ainda não calculados. Podemos estar perante “uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia que seria uma tragédia humana e, possivelmente, a maior ameaça para a segurança global desde a crise dos mísseis cubanos em 1962”, considera Holger Schmieding, do banco Berenberg.

Uma coisa parece consensual. Esta escalada do conflito, que vai implicar mais gravosas sanções à Rússia — e mais fechamento da economia russa e impacto mundial —  vai ter uma primeira óbvia implicação: os preços vão continuar a subir, nomeadamente pelo efeito da subida das tarifas de gás natural e do petróleo, que já bateu esta quinta-feira nos 100 dólares e deverá seguir nesse patamar, ultrapassando, mesmo, esse marco. E um agravamento dos preços da energia arrasta outros setores.

Os bens alimentares podem também ser atingidos. Afinal a Ucrânia é chamada de celeiro do mundo por algum motivo. E assim, embora ainda ninguém aponte escassez, já se antecipa mais preços elevados, até porque, em Portugal, se vive um momento de seca.

A inflação que já tem vindo a subir — na Zona Euro atingiu os 5,1% em janeiro — estava a ser o mote para a intervenção dos bancos centrais. Mas agora a perspetiva do conflito ter impacto ao nível do crescimento económico pode baralhar contas. Março é um mês determinante para as decisões na Reserva Federal norte-americana (Fed) e do Banco Central Europeu. Os polícias monetários voltam a ser chave.

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Nord Stream 2 gas pipeline

A Alemanha travou a certificação do Nord Stream II que iria levar mais gás da Rússia à União Europeia

dpa/picture alliance via Getty I

Energia. Portugal está longe do olho do furacão, mas não escapa aos preços caros

A crise energética está na primeira linha dos impactos da escalada na Ucrânia. Para já, os reflexos sentem-se nos preços: do gás natural, mas até mais do petróleo, agravando uma escalada que já se verificava nos últimos meses por causa da retoma económica e aumentando a pressão sobre os preços de produtos alimentares e serviços. Mas a grande preocupação tem mais a ver com o abastecimento. A Rússia fornece 40% do gás à Europa e Putin tem garantido que irá continuar a fazê-lo. Mas, em conflitos passados, não hesitou em usar o gás como arma, reduzindo fornecimentos a alguns países da esfera na antiga União Soviética, o que por sua vez teve impacto em estados da Europa central.

Nesta crise, a Europa está mais bem preparada para responder a eventuais ruturas ou falhas no abastecimento e a estratégia de diversificação de fornecedores está a ser comandada ao nível da Comissão Europeia. Mas apesar de alguns países como os Estados Unidos estarem disponíveis para reforçar as exportações, aproveitando os preços altos para fazer negócio, há limitações várias, a começar pelas infraestruturas de transporte e distribuição do gás — os navios que trazem o gás liquefeito até à Europa e os gasodutos que os transportam pelo continente.

Portugal, em conjunto com Espanha, podia fazer parte da solução, já que a Península Ibérica tem oito terminais de gás natural liquefeito cuja capacidade ultrapassa em muito as necessidades dos dois mercados, mas a fraca interligação com França não permite fazer da Ibéria uma alternativa, como referem os autores de uma publicação colocada no think tank Bruegel com o título: “Pode a Europa sobreviver sem dor se não tiver o gás russo”?

Ainda assim a resposta a esta pergunta não será a mesma, agora quando o inverno está a chegar ao fim, do que seria, por exemplo, no outono, período onde a procura por gás natural é maior, antecipando o inverno. Considerando que a Europa atravessou um inverno menos frio, os analistas da Bruegel consideram que a economia europeia aguentaria cortes significativos no abastecimento do gás russo, ainda que com algumas dores: reduzindo a procura industrial (com a suspensão da produção por parte de grandes produtores) ou a procura por parte do setor elétrico.

Portugal está pouco exposto ao gás russo e tem assegurado o abastecimento que necessita, pelo menos para já, como afirmou ao Observador o secretário de Estado da Energia. João Galamba reconhece contudo que a economia não pode fugir ao risco do preço mais alto que irá afetar não só o gás, mas também a eletricidade que é gerada a partir do gás e que tem sido a grande responsável pelas cotações recorde atingidas no mercado grossista ainda antes da crise ucraniana.

João Galamba sobre a crise do gás. “Estamos protegidos no volume, o principal risco é o preço” e vai chegar à eletricidade

A exposição da economia portuguesa ao preço do gás natural pode ser ainda agravada por causa da seca que se vive e que está a condicionar a produção de eletricidade a partir das barragens, obrigando a usar mais centrais térmicas o que no caso nacional pode significar a necessidade de maior consumo de gás. Deixando Portugal de ter centrais a carvão — e a Rússia também é grande fornecedor deste minério — e em caso de falta de gás poderá sempre em tese recorrer a um derivado do petróleo para operar centrais térmicas, o que nunca aconteceu.

Já este ano, o Governo aprovou o reforço das reservas estratégicas de gás natural para o consumo industrial e doméstico e para o setor elétrico.

Agricultura. O “celeiro da Europa” a quem Portugal compra 18% dos cereais que consome

A lista dos principais produtos exportados pela Ucrânia ajuda a explicar por que razão o país ganhou a alcunha, ao longo da última década, de “celeiro da Europa”. Segundo dados do Observatório de Complexidade Económica (criado no MIT, nos EUA), o milho é o principal produto exportado pelo país (em 2019, num volume equivalente a 4,77 mil milhões de dólares), com os óleos de sementes a aparecer em segundo lugar e o trigo em quarto.

A iminência de um conflito já estava a deixar os mercados nervosos e os sinais começam já a ser evidentes também no caso dos cereais. De acordo com a Bloomberg, os contratos futuros de trigo duro vermelho de inverno, no mercado de Chicago, atingiram máximos de 2012, subindo 2,3% esta quarta-feira depois de um salto de 6% na terça-feira. Tudo pelo agudizar da tensão e a preocupação quanto a possíveis constrangimentos nos mercados ucraniano e russo, que agora será mais premente com a escalada do conflito. Aliás, os dois países representam praticamente um quarto das exportações globais de trigo.

Com possíveis constrangimentos a trocar as voltas aos importadores, “o preço pode facilmente duplicar”, disse Carlos Mera, do holandês Rabobank, ao The Wall Street Journal. Mas mesmo um conflito menor, que não passe muito além da fronteira, pode fazer escalar os preços, já por si pressionados pela pandemia.

O problema agrava-se porque as regiões ucranianas que mais trigo produzem, assim como os portos que transportam os cereais para alguns dos principais destinos, estão localizadas perto das zonas separatistas pró-russas. O The Wall Street Journal lembra, a propósito, que quando a Rússia anexou a Crimeia em 2014, os preços do trigo dispararam cerca de 25% em dois meses perante as preocupações de possíveis interrupções no fornecimento com origem no Mar Negro.

Acontece que, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA, 95% das exportações de trigo da Ucrânia são transportadas através do Mar Negro, cuja atividade pode ficar condicionada com um conflito na região. Os principais importadores dos cereais ucranianos — o Egito (15%), a China (11,3%) e Espanha (9,81%), em 2019 — podem acabar por ter de procurar alternativas, assim como muitos países do Médio Oriente e norte de África que dependem dos cereais importados para alimentar a população.

O problema para Portugal — que apenas recebe 1,74% dos cereais exportados pela Ucrânia, mas que tem na Ucrânia a principal fonte de milho — será se essas alternativas forem algumas das fontes de abastecimento do mercado português. A consequência pode, também aqui, ser o aumento dos preços. Segundo os dados do Observatório, a Ucrânia é o segundo principal país a abastecer Portugal com cereais (18,4%), depois de França (20,7%) e antes do Brasil (14,6%).

No caso do milho, o problema poderá ser mais grave. É que Portugal tem na Ucrânia o principal fornecedor de milho, comprando àquele país 40,1% do milho importado que consome. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam, aliás, que Portugal importou mais de 152 milhões de euros em cereais da Ucrânia em 2021.

Ao Observador, o secretário-geral da Associação Nacional de Armazenistas, Comerciantes e Importadores de Cereais e Oleaginosas (ACICO), José Miguel Ascensão, defendeu que, a verificar-se um conflito, aliado a um agravamento das sanções do Ocidente, no setor dos cereais os mercados mais afetados em Portugal serão, precisamente, do trigo e do milho.

“Naturalmente, a interrupção das importações do Mar Negro vai ter uma repercussão imediata nos preços e na disponibilidade destes produtos e de outros desta origem, como cevada, girassol, etc.”, observa.

O efeito pode, por arrasto, chegar aos preços do pão, da carne, do leite e dos ovos. “Esta interrupção das importações desta origem, aliada a todos os problemas logísticos que se verificam desde 2020 e 2021 a nível mundial, disponibilidade de navios e custo dos fretes, vai ter um impacto profundo nos preços e disponibilidade das matérias-primas com a correlativa repercussão nos preços do pão, carne, leite e ovos”, afirma.

A ACICO não prevê, ainda assim, para já, que se chegue a um ponto de escassez de cereais em Portugal. José Miguel Ascensão nota, porém, que os cereais comprados à Ucrânia e à Rússia têm como principal destino a alimentação animal. As fontes alternativas seriam outros países exportadores como os EUA, Brasil, Argentina, África do Sul e Austrália.

Não só os compradores da Ucrânia podem sentir os estilhaços de um conflito. A Rússia completa o top 5 das suas exportações, precisamente, com o trigo. No início dos anos 80, em conjunto com o milho, o trigo representava dois terços das exportações dos EUA para a URSS (União Soviética). Com o colapso do bloco soviético, o país removeu barreiras aos negócios permitindo aos produtores entrar nos mercados internacionais e investir em tecnologia. Agora, é a Rússia a principal exportadora mundial de trigo (a Ucrânia, segundo o Observatório, é a quinta).

E para quem exporta a Rússia o trigo? Sobretudo para o Egito (31,3%), a Turquia (17%) e o Bangladesh (6,44%). Especificamente na Europa, é a Letónia que mais beneficia das exportações russas de trigo, antes da Bielorrúsia e da Grécia.

No caso português, os cereais são apenas o 11.º produto mais importado da Rússia. Em primeiro lugar aparecem os “combustíveis minerais, óleos minerais e produtos da sua destilação; matérias betuminosas; ceras minerais”, assim como o “ferro fundido, ferro e aço” e “peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos”. As exportações de Portugal, por sua vez, não deverão ser fortemente afetadas por eventuais disrupções na Ucrânia e na Rússia, de forma geral. Os dois países não estão no top 10 de parceiros de negócio.

Sistema financeiro. Exposição direta não é grande, mas SWIFT pode ser um problema

As relações do sistema financeiro internacional com a Rússia reduziram-se nos últimos anos, com a generalidade dos bancos do Ocidente a baixar a exposição ao país e às suas empresas, no contexto das sanções que lhe foram aplicadas após a anexação da Crimeia (em 2014). Desde essa altura, os EUA e a Europa procuraram limitar o acesso dos bancos e empresas russas ao sistema financeiro ocidental – bem como alguns indivíduos que foram colocados em “lista negra” – o que levou a que hoje as ligações diretas não sejam muito significativas.

Segundo dados do Banco de Pagamentos Internacionais (mais conhecido pela sigla anglo-saxónica BIS), os bancos de Itália, França e Áustria são aqueles que têm maior exposição à Rússia, com os bancos dos dois primeiros com uma exposição equivalente a 25 mil milhões de dólares (cada um) e os austríacos 17,5 mil milhões.

Todos estes países têm bancos com presença na Rússia (incluindo o UniCredit e o Société Générale), o que explica que concentrem boa parte da exposição mundial ao país – que, segundo o BIS, equivale a 121,5 mil milhões de dólares. Os bancos portugueses, de acordo com os mesmos dados, têm uma exposição de 149 milhões.

O Observador questionou os principais bancos em Portugal sobre o grau de exposição à Rússia (e à Ucrânia). O BPI respondeu que “o banco não tem qualquer exposição direta ou indireta a ativos russos e/ou ucranianos”, na mesma linha do que disse a Caixa Geral de Depósitos. Já o MillenniumBCP, que tem uma importante presença na Polónia, indicou que “o grupo Millennium não tem exposição relevante às geografias referidas”, isto é, Rússia e Ucrânia. O Novo Banco não respondeu até à publicação deste trabalho.

Banca nacional tem 132 milhões de euros na Rússia

Esta quarta-feira, a agência Bloomberg noticiou que o BCE está a pedir aos bancos da zona euro para fazerem uma espécie de “teste de stress” – ou seja, os bancos que têm exposição à Rússia devem escrutinar os próprios balanços para estimar que impacto podem ter eventuais cenários diplomáticos ou, mesmo, militares.

Para já, as novas sanções aplicadas pela União Europeia esta quarta-feira incluem limitações ao acesso de empresas e bancos russos aos mercados de capitais da Europa – seja para participação no mercado primário (emissão ou compra de novos títulos) seja para o mercado secundário (transação de títulos existentes). Mas as sanções podem agravar-se e o conflito trazer novos problemas.

E aí, o principal receio está relacionado com o impacto que pode haver nos sistemas de pagamentos mundiais. O líder do Financial Stability Board, uma espécie de supra-regulador financeiro criado pelo G20, avisou no final da semana passada que o Ocidente tem de “pensar duas vezes” antes de impor sanções mais duras à Rússia, mas já se fala nessa hipótese.

Citado pelo Financial Times, Klaas Knot sublinhou que se a Rússia for vetada do SWIFT, o sistema que é o “coração” dos pagamentos mundiais, isso “poderá resultar numa disrupção grave nos fluxos de pagamentos – temos sempre de pensar duas vezes e estar conscientes das consequências”.

Klaas Knot, líder do Financial Stability Board, alerta para aquilo que pode acontecer se for bloqueado o acesso da Rússia ao sistema de pagamentos SWIFT.

AFP/Getty Images

Bloquear o acesso das empresas e bancos da Rússia ao SWIFT (sigla de Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) é uma das possíveis sanções que têm sido admitidas pelos EUA. “É óbvio que isto poderá ter algumas ramificações financeiras e lanço um repto aos responsáveis políticos para que tenham estas ramificações em consideração”, avisou Klaas Knot, que também é governador do banco central dos Países Baixos e, por isso, integra o Conselho do BCE.

O responsável lembrou que já houve no passado conflitos militares que, ao contrário do temido, acabaram por não ter um grande impacto nos sistemas financeiros – mas alertou que, se o conflito assumir proporções maiores, há um risco de repercussões “muito, muito difíceis de prever” porque não é possível antecipar “o grau de perda de confiança que teremos nos mercados, quanto irá aumentar a aversão ao risco, quantos investidores vão começar a fugir de certos mercados, etc”.

O risco para a inflação. O timing não podia ser pior para os bancos centrais

Os economistas tendem a achar que o impacto direto do conflito nas economias e no sistema financeiro pode ser gerível, a menos que se esteja a falar de um confronto armado de larga escala. Mas bastará que o conflito se arraste por algumas semanas ou meses para agravar as pressões inflacionistas que já têm atormentado o Ocidente nos últimos meses (e que têm tirado o sono aos responsáveis dos bancos centrais).

Além das prováveis subidas de alguns bens alimentares, a consultora Capital Economics estima que, no pior cenário, o preço do petróleo poderá subir para entre 120 e 140 dólares. Algo que, a acontecer, iria acrescentar até dois pontos percentuais às taxas de inflação que estão previstas para as economias desenvolvidas, especialmente na Europa (que já está com índices de preços no consumidor acima de 5%).

“Em tempos normais, os bancos centrais teriam a tendência de ignorar um aumento da inflação que fosse causado por tal subida dos preços da energia, mas tendo em conta as elevadas taxas que já existem – que geram receios de que se enraízem nas expectativas de inflação – é possível que isto seja mais um motivo de preocupação para os responsáveis dos bancos centrais, pressionando-os mais a subir as taxas de juro”.

Por outro lado, o BCE já veio incluir os riscos geopolíticos entre aqueles que justificam que a autoridade monetária tenha mais cautelas na normalização da sua política. Ou seja, é um fator que cria instabilidade nas economias e nos mercados financeiros, por isso, o BCE poderá ter ainda mais receio de avançar para uma subida mais rápida das taxas de juro ou uma retirada dos outros estímulos que o banco central tem em curso, incluindo as compras de dívida soberana.

Juros ameaçam bolso dos portugueses. Euribor pode subir acima de zero já em junho

Em antecipação à próxima (e decisiva) reunião do banco central, marcada para 10 de março, um dos mais influentes membros do BCE – o francês François Villeroy de Galhau – afirmou esta quarta-feira que os riscos associados ao conflito na Ucrânia serão analisados nessa reunião da cúpula do banco central, incluindo as possíveis consequências indiretas para a zona euro.

Este conflito, defendeu, mostra que nesta fase – “mais do que nunca” – o BCE deve manter uma grande “flexibilidade” e “opcionalidade” na forma como conduz a política monetária. “Vamos avaliar no Conselho de março as consequências mais indiretas para a inflação e para o crescimento – e iremos guiar-nos pelos factos“, afirmou.

Mas se na Europa a inflação persistente tem consequências imprevisíveis, pressionando os orçamentos familiares um pouco por todo o continente, este aumento das matérias-primas pode ser socialmente explosivo em países como o Egito e a Turquia, uma região do globo que importa a maioria destes cereais da Rússia e Ucrânia e que já tem vivido tempos de instabilidade cambial e económica.

Mercado de capitais. Bolsas ainda não estão a refletir (todas) as possíveis más notícias

As principais bolsas mundiais estão a ter um péssimo início de 2022, com a bolsa dos EUA (medida pelo índice S&P 500) a derrapar mais de 10% e, por isso, a entrar no que se chama de “terreno de correção“. Esta correção deve ser lida à luz do facto de o mesmo índice ter disparado quase 27% no ano de 2021, porém, é uma evidência que as bolsas entraram no novo ano mais nervosas sobretudo pelo facto de a inflação mais elevada e persistente do que o previsto gerar receios de aperto monetário mais rápido (por parte dos bancos centrais).

A instabilidade geopolítica, neste contexto, está a atirar mais achas para a fogueira, agravadas pelo escalar do conflito. As bolsas europeias tiveram uma sessão “negra” na segunda-feira, reagindo à notícia de que a Rússia tinha reconhecido os territórios de Donetsk e Lugansk (e enviado para lá forças de “manutenção de paz”). Foi na manhã de terça-feira que os preços do petróleo escalaram até muito perto da fasquia dos 100 dólares, em máximos desde setembro de 2014, tendo esta quinta-feira voltado a tocar esse território, no qual deverá permanecer agora que um dos principais exportadores de ouro negro está em conflito armado e a sofrer sanções económicas que ainda não chegaram a estes produtos.

Depois da segunda-feira negativa, desde meio da manhã de terça-feira os receios dos investidores pareciam ter diminuído um pouco, com a recuperação de algum terreno das bolsas e até o preço do ouro tinha corrigiu um pouco dos ganhos obtidos graças ao movimento de refúgio e aversão ao risco entre os investidores – que levaram o metal precioso a superar os 1.900 dólares por onça. Só que o início da operação militar pela Rússia esta quinta-feira fez já os mercados reagirem em baixa.

Esta quinta-feira as bolsas europeias abriram em forte baixa e a bolsa de Moscovo arrancou com uma queda histórica de mais de 30%, depois de já ter perdido um valor semelhante numa semana.

Zelensky: Rússia “querer destruir a Ucrânia politicamente destruindo o chefe de Estado”

“A maior parte da correção que as bolsas têm tido desde o início do ano podem ser atribuída à perspetiva de subida de taxas de juro por parte dos bancos centrais mais importantes do mundo”, afirma o Capital Economics, acrescentando que “isto sugere que, se o conflito se agravar, ainda existe um potencial de queda significativo para os mercados acionistas globais”, e um aumento do apetite por ativos de refúgio como a dívida do Tesouro americano ou o ouro.

"Se o conflito se agravar, ainda existe um potencial de queda significativo para os mercados acionistas globais”, avisa o Capital Economics.

JUSTIN LANE/EPA

Além disso, poderia levar a uma inversão da tendência que se tinha verificado até ao momento nas bolsas, este ano, que tem sido de as praças europeias terem um desempenho melhor do que as bolsas dos EUA, remata a Capital Economics. Na mesma linha, o Goldman Sachs estimou que num cenário de guerra a bolsa dos EUA pode cair 6% e as ações europeias mais de 9%.

epa09653538 EU Commissioner for Economy Paolo Gentiloni gives a press conference on global corporate taxation and shell entities at the Berlaymont, in Brussels, Belgium, 22 December 2021.  EPA/STEPHANIE LECOCQ

Paolo Gentiloni, comissário europeu, já alertou para os preços da energia

STEPHANIE LECOCQ/EPA

PIB. Recuperação económica ameaçada?

A Comissão Europeia reviu em baixa as estimativas para o crescimento europeu este ano. Fê-lo já em fevereiro, cortando a perspetiva de crescimento da Zona Euro e da União Europeia de 4,3% para 4% em 2022. E advertia, desde logo, que os riscos nas projeções de crescimento são agravados com as tensões geopolíticas. Nas projeções de inverno a Comissão Europeia não referia abertamente o conflito Rússia/Ucrânia, mas era nele que todos estavam a pensar, e nunca falou num cenário de guerra.

No mesmo sentido foi a análise dos Banco Central Europeu que no boletim económico realçava que “embora as incertezas relativamente à pandemia tenham diminuído, as tensões geopolíticas aumentaram”, salientando mesmo que “os custos de energia persistentemente elevados podem ter um impacto mais forte do que o esperado no consumo e no investimento”.

Apesar da reduzida interligação económica a nível comercial (como um todo) da Rússia com a União Europeia, certo é que há os combustíveis que baralham as contas, até porque o impacto no aumento de preços pode colocar um ponto de interrogação sobre a recuperação económica, deixando mais espaço para discussão dentro dos bancos centrais, em particular no BCE.

Metade das exportações da Rússia vão para a União Europeia (em particular para os vizinhos a Leste) – que tem na China o seu segundo maior parceiro comercial, com um peso de 14%. No movimento contrário, a União Europeia importa 5% dos bens da Rússia. Segundo assinada o think tank Brugel, “a Rússia está muito mais vulnerável a choques comerciais do que a UE”.

Só que, conforme salienta, citado pelo The News York Times, Jason Furman, economista de Harvard que foi conselheiro do presidente Barack Obama, a “Rússia é um interveniente surpreendente pouco importante na economia global, à exceção do setor do petróleo e gás”, o que o leva a definir o país de Putin como “basicamente um grande posto de combustíveis”. A Europa obtém da Rússia quase 40% do seu gás natural, além de 25% do petróleo e derivados. E é aqui que as tensões na Rússia/Ucrânia levam a interrogações sobre o futuro económico europeu e até mundial.

Nos últimos dias, petróleo, gás natural, milho, trigo, alumínio e níquel — algumas das principais exportações da Rússia para o mundo — subiram de preço e andam com ganhos, desde o início do ano, em média em cerca de 20%. Os preços podem vir a subir mais não apenas ao nível dos combustíveis como também dos bens alimentares e outras matérias-primas.

Ainda a sair da pandemia e as economias a recuperarem de confinamentos agressivos, o mundo estava já a assimilar a subida dos preços e as disrupções nas cadeias de abastecimento, dois impactos que, agora, são exacerbados com as tensões a leste. E que podem ser mais ou menos gravosos consoante a evolução do conflito e das sanções.

Vítor Constâncio, ex-governador do Banco de Portugal, serviu-se do Twitter para fazer a sua análise: “O pacote completo de sanções prejudicará a economia da Rússia, mas prejudicará muito as economias ocidentais, principalmente na Europa”.

A economia russa já vinha a ser penalizada pelas sanções decretadas desde 2014 quando anexou a Crimeia. O FMI estimou, em 2015, uma perda de 1% a 1,5% no PIB russo, a curto prazo, com as sanções aplicadas, acrescentando, no entanto, que sanções mais prolongadas poderiam levar a uma redução no produto da Rússia de 9%, assim como menor acumulação de capital e transferência tecnológica. A Capital Economics avança, agora, que as sanções relativamente brandas que têm vindo a ser anunciadas poderão retirar cerca de 1% ao Produto Interno Bruto (PIB), mas o choque económico pode ser muito maior se houver sanções mais duras – o corte do acesso ao sistema SWIFT pode tirar 5% ao PIB russo. As perspetivas económicas a longo prazo da Rússia “já são bastante fracas, com um envelhecimento rápido da população e uma economia que depende da extração de combustíveis fósseis e com pouca integração nas cadeias de valor globais”, nota o Bruegel, acrescentando que “o vasto leque de sanções que está a ser discutido, bem como possíveis contra-sanções russas, irá enfraquecer ainda mais estas perspetivas”.

Isto para a Rússia. Para a economia europeia, ainda não há valores revistos desde que em fevereiro o conflito escalou. Holger Schmieding, economista do banco Berenberg, acreditava no cenário central em que possa existir uma tensão potencialmente duradoura mas sem um conflito aberto. Numa segunda fase é, pois, expectável alguma recuperação, se houver uma maior clareza sobre como o evoluir da situação. Mas isso não irá livrar a Europa de um “revés temporário na confiança dos empresários e dos consumidores” que irá atrasar a retoma das economias após a recente onda pandémica (causada pela variante Ómicron). Porém, é “improvável” que haja uma recessão técnica (dois trimestres consecutivos de crescimentos negativos), confia o economista do Berenberg, mesmo num cenário mais gravoso.

“A zona euro está mais exposta do que os EUA e outras economias avançadas, mas mesmo assim o impacto económico deverá ser pequeno”, afirma a Capital Economics. Entre os maiores países da Europa, a Alemanha tem as ligações comerciais mais significativas mas a Rússia só representa, mesmo assim, 2% das exportações alemãs. Nos últimos dados que chegaram da Alemanha, a confiança dos empresários não se deteriorou. Pelo contrário, nos dados de fevereiro o sentimento económico no motor europeu melhorou, com a melhoria das expectativas de negócio, ainda assim o instituto que mede a confiança (Ifo) alerta que a escalada da crise na Ucrânia continua a ser um fator de risco.

Em Portugal, as perspetivas económicas também ainda não foram penalizadas. Aliás, a Comissão Europeia até reviu em alta o crescimento para 2022 de Portugal, depois do PIB ter subido em 2021 mais do que o previsto — 4,9%. Isto antes das sanções e da escalada do petróleo.

Bruxelas melhora previsões de crescimento económico em Portugal: 5,5% em 2022 e 2,6% em 2023

António Costa já fez saber que o Orçamento do Estado para este ano, que só deverá entrar em vigor em julho, terá reformuladas previsões económicas. No orçamento chumbado, a média para o custo do petróleo no ano de 2022 era de cerca de 68 dólares. O petróleo está neste momento perto dos 100 dólares. Mas os 68 dólares por barril é uma média anual. Também as taxas de juro deverão subir e, como tal, é outra das componentes que deve ser revista. Além de que 2021 terá ficado, em termos económicos, melhor do que o previsto, o que tem implicações igualmente para o futuro. Agora novas nuvens pairam sobre a economia.

(Notícia atualizada dia 24 de fevereiro às 9h15)

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