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Uma solução dual, transitória, e um novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete que no horizonte de uma década poderia substituir a atual infraestrutura na Portela. É uma síntese possível da recomendação feita pela comissão técnica independente (CTI) que foi mandatada para estudar a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa.
A CTI, coordenada por Rosário Partidário, não propôs uma localização, mas uma estratégia que combina duas opções sujeitas a estudo: a primeira passa pela operação conjunta de dois aeroportos — Lisboa e o Campo de Tiro de Alcochete que desempenha numa primeira fase o papel complementar previsto para o Montijo — e a segunda passa por desenvolver a nova infraestrutura para ser a principal e única a prazo. O que implica, desejavelmente, o fecho da Portela. Mas não para já.
A comissão já recomendou investimentos na melhoria da operação do atual aeroporto, como resposta intermédia e no último dia em que estará em plenas funções o conselho de ministros, o último presidido por António Costa, fará aprovar uma resolução que impõe a execução das obras por parte da concessionária ANA, como fez questão de anunciar. Aliás, outra linha de força que sai desta apresentação é o facto de o contrato de concessão assinado por 50 anos com a empresa vendida à Vinci ser dos mais fortes condicionantes à decisão sobre o futuro aeroporto, como reconheceu, aliás, o primeiro-ministro.
Pelo caminho, pelo menos com base no relatório preliminar, ficam Montijo e Santarém, duas localizações que os técnicos concluíram ser inviáveis, tal como nem chegaram a fazer uma análise mais profunda as opções de Poceirão e Rio Frio que caíram, de início, por questões ambientais.
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Vendas Novas/Pegões, a grande novidade que surgiu no rol de alternativas estudadas pela CTI, ficou em segundo lugar na contagem de vantagens e desvantagens e, em tese, poderá ser explorada. Mas mesmo esta perde para Alcochete.
O relatório está em consulta pública até ao dia 19 de janeiro e dos contributos ficará pronto o relatório final que termina o mandato desta comissão. A decisão ficará para o próximo Governo, reconheceu o primeiro-ministro, mas Costa não resistiu a deixar alguns recados. Sublinhou que o decisor político tem o “dever de considerar que o fator A ou B é mais importante que o C ou o D. E em função dessa valorização a decisão política pode alterar. Penso que percebem a minha relativa inveja por não ser eu o decisor político”. E avisou que “nunca haverá qualquer solução que gere unanimidade. Dificilmente qualquer das soluções terá mais de 20% de apoiantes” e, por isso, “terá 80% de opositores”.
E destacou o “teste do algodão” para provar a total independência dada pelo Governo à CTI, também assinalada por Rosário Partidário, remetendo para a primeira decisão que tomou enquanto primeiro-ministro — manter a decisão de construir Portela mais Montijo — que é neste relatório uma das piores classificadas.
Campo de Tiro de Alcochete imbatível quando associado à Portela
A localização que chegou a estar vertida em resolução de conselho de ministros do segundo governo de José Sócrates e a ter uma declaração de impacte ambiental (que caducou em 2020) tem as melhores classificações nos critérios de segurança aeronáutica, nas acessibilidade ferroviária e desenvolvimento urbano, na saúde humana e viabilidade ambiental (só perde nos riscos para Vendas Novas), na expansão da capacidade e na análise custo-benefício. Quando combinada com o aeroporto Humberto Delgado pontua também na conetividade, impacto macroeconómico na componente de investimento e modelo de financiamento e até nos riscos do contrato de concessão.
Sobre os impactos ambientais negativos, o abate de sobreiros que a coordenadora da área dentro da comissão técnica, Teresa Fidelis, estima serem 40.000, poderia ser reduzido para metade no Campo de Tiro de Alcochete com a reconfiguração do layout previsto para o aeroporto. Os técnicos admitem que a primeira pista possa ser construída em sete anos e que a segunda poderá ficar operacional em oito anos, embora este calendário possa ser retardado em função da procura.
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Vendas Novas/Pegões também é viável, mas menos vantajosa por causa das expropriações
A comissão técnica estudou duas opções incluindo esta localização e os resultados são muito próximos aos obtidos para a opção Humberto Delgado mais Campo de Tiro de Alcochete (CTA). Foram essencialmente duas as razões apontadas pelos técnicos da comissão para justificar o favorecimento concedido à solução que inclui o CTA.
Por um lado, uma maior proximidade de Lisboa, o que reforça os impactos macroeconómicos positivos, mas o argumento mais relevante, como detalhou Rosário Macário, é o facto de os terrenos de implantação serem privados, o que implicaria fazer expropriações, onerando os custos, ainda que essa conta não tenha sido apresentada. Além de que esta opção obrigaria na mesma a desativar o campo de tiro de Alcochete (onde também operam aviões militares). Sendo assim, o CTA surge mais bem qualificado porque o terreno é público (militar).
Santarém. Inviável para um aeroporto intercontinental por causa de voos militares
Apesar da expectativa criada pelo aparecimento de um grupo promotor com estudos detalhados a defender esta solução, os técnicos da comissão riscam a localização como sendo inviável para a construção de um aeroporto que tenha a ambição de funcionar como um hub intercontinental. E Santarém não cai por causa do motivo que para muitos seria suficiente — e que valeu algumas notas negativas: a maior distância de Lisboa.
Cai porque um estudo realizado pela NAV (Navegação Aérea) para a comissão técnica concluiu que existia uma proximidade excessiva com o “bloco Monte Real (base aérea militar)”. Segundo Rosário Macário, as restrições associadas a este bloco não são apenas nacionais, mas estão também ligadas às operações da NATO. A configuração proposta para a pista, já condicionada pela serra d’Aires e Candeeiros, coloca problemas de segurança aeronáutica devido ao cruzamento das rotas de aproximação dos dois tipos de tráfego. “É quase impossível porque é muito difícil eliminar o bloco que é muito importante para a nossa ação militar, mas também para a NATO”, diz a coordenadora da parte aeronáutica que admite contudo a viabilidade de um aeroporto de cariz regional. De resto, apesar da nota máxima nos acessos rodoviários, o relatório não valorizou a proximidade à Linha do Norte que está congestionada nem à alta velocidade cujo traçado previsto não serve aquele local, disse Paulo Pinho.
Montijo era a pior opção
Montijo tinha sido escolhido como aeroporto complementar do aeroporto existente de Lisboa (Aeroporto Humberto Delgado) em 2015, ainda governava o país Pedro Passos Coelho. A opção proposta pela ANA foi acolhida por António Costa, mas fruto de uma avaliação ambiental controversa marcou passo e caiu com o chumbo de duas câmaras comunistas. Em 2022 foi recuperada por Pedro Nuno Santos, então ministro das Infraestruturas, que previa esta solução partilhada até que Alcochete ficasse pronto, mas este despacho só durou uma horas. Esta seria uma opção que a comissão técnica considerou que “não se trata de uma alternativa apelativa, porque não compara favoravelmente nem com opções duais em cenários de procura baixa, nem com opções greenfield em cenários de procura alta”. Pedro Nuno Santos teve de dar o dito pelo não dito e a sua decisão foi revertida pelo próprio primeiro-ministro.
Montijo ou Alcochete? Os dois. O que muda com a decisão sobre o novo aeroporto
Agora, a comissão técnica independente deita abaixo essa solução. Montijo ficou mal na fotografia em muitos dos critérios analisados, ainda que ganhasse na proximidade a Lisboa (e como tal na pegada carbónica) e em algumas acessibilidade (para começar seria o único a ter ligação fluvial). A celeridade na concretização é outro ponto a favor, já que estaria pronto mais cedo que qualquer uma das outras opções.
Na segurança aeronáutica (que incluiu uma análise sobre espaço aéreo e territorial; contingências operacionais; e novas tecnologias), Montijo, como solução dual (partilhada com AHD), perde para todas as outras hipóteses, e no caso de se tornar aeroporto único só ganha a Santarém (único) e Portela mais Alcochete. Nas acessibilidades, Montijo não ganha, mas está longe de ser o pior. Desde logo pela ligação fluvial, mas também ganha na redundância multimodal de transportes. Mas perde na acessibilidade rodo e ferroviária.
Mas perde muito, e fica muito longe, na componente de saúde humana e viabilidade ambiental, com prejuízo da população afetada, biodiversidade, recursos naturais e riscos. Aliás, considerando qualquer opção sem o Humberto Delgado, o Montijo é o que mais população expõe por exemplo ao ruído da atividade aeronáutica. E fica atrás na competitividade e desenvolvimento económico, nomeadamente na análise custo-benefício.
Assim, a CTI colocou um risco sobre Montijo (qualquer uma das duas opções, como complementar ou como principal), dizendo mesmo que “não são opções viáveis por razões aeronáuticas e ambientais, bem como por razões económico-financeiras devido à sua capacidade limitada para expandir a conectividade aérea”.
Ao nível do investimento, AHD mais Montijo como complementar custaria, na fase 1, cerca de 1,37 milhões de euros, ficando operacional em 2029, elevando-se a 2,9 mil milhões de euros o Montijo como principal e AHD como complementar. Só que estes valores têm de ser tidos em conta com outro fator. É que o Montijo só conseguiria assegurar a procura até 2038.
Todas as opções são viáveis financeiramente
“Todas as opções são financeiramente viáveis, não sendo necessário investimento público para a construção do novo aeroporto”, realçou Rosário Partidário, presidente da comissão técnica independente, na apresentação do relatório sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa realizada esta terça-feira no LNEC.
Ainda assim, há soluções mais caras do que outras. A versão mais barata seria o Montijo como aeroporto complementar da Portela, o que custaria 1,37 mil milhões de euros. Mas a comissão viu um conjunto de problemas nesta solução, em particular o de ser uma solução que poderia esgotar-se rapidamente. No caso em que viu mais benefícios, o do Campo de Tiro de Alcochete, o seu custo ascenderá a 3,23 mil milhões para a construção de uma pista, a que acrescem 2,87 mil milhões para uma segunda pista, momento a partir do qual poder-se-ia, se assim for decidido, desativar o atual aeroporto. Ou seja, duas pistas custarão, em Alcochete, 6,1 mil milhões de euros, menos do que resultaria acrescentar uma pista no Montijo (cujo custo total ascenderia a 6,6 mil milhões e sem possibilidade de acrescentar mais pistas). Mas duas pistas com Humberto Delgado já ascende aos 7,6 mil milhões.
Santarém com duas pistas custaria, segundo os cálculos da comissão, 6,23 mil milhões, sendo que uma pista em Santarém representa um investimento de 3,48 mil milhões. E Vendas Novas com duas pistas custaria 6 mil milhões de euros.
Se a solução Alcochete e Vendas Novas foi equiparada em termos de custos, a comissão técnica colocou esta última opção um pouco mais atrás pelo facto de Alcochete ser instalado em terrenos públicos e Vendas Novas exigir expropriações (não quantificadas), o que elevaria o investimento.
Ao investimento da infraestrutura, há que juntar custos com acessibilidades e que no relatório atira para o Montijo o maior gasto (226,4 milhões de euros, sendo 209,5 milhões em ferrovia) em três anos. Já Alcochete implica acessos de 193,9 milhões de euros, Santarém 97,3 milhões e Vendas Novas 194,1 milhões de euros. A comissão não incluiu nestas contas investimentos estruturantes na ferrovia como a linha de alta velocidade ou a terceira travessia do Tejo que podem vir a servir o Campo de Tiro de Alcochete.
Quanto ao valor atual líquido, a comissão técnica concluiu que “todas as opções têm um VAL positivo”, pelo que “todas as opções estratégicas são financeiramente viáveis”. As opções duais ganham às soluções construídas de raiz em termos de VAL, numa diferença que varia entre 772 milhões (Santarém) e 986 milhões (Alcochete). “Apenas no cenário de uma procura alta há um maior equilíbrio entre as duas tipologias. Não se verificam diferenças significativas entre o VAL das localizações da mesma tipologia, o que se deve às diferenças de calendário de investimento e de procura não terem um impacto significativo considerando o horizonte temporal longo”, diz ainda a comissão, que acrescenta que no horizonte temporal de 2050, as opções duais apresentam um VAL positivo de cerca de mil milhões e as opções greenfield um VAL negativo de mil milhões. Mas se considerado os anos de 2082 (50 anos) e de 2062 (39 anos, quando termina o atual contrato de concessão com a ANA, “todas as opções estratégicas apresentam um VAL positivo”.
O que fazer à Portela?
A recomendação da comissão técnica independente é para que se inicie o aumento de capacidade aeroportuária de Lisboa por um sistema dual — “inevitável” — mas que vá evoluindo para um aeroporto único. “O Aeroporto Humberto Delgado só pode fechar quando houver pista com capacidade de o substituir, o que vai levar algum tempo”, considerou Rosário Partidário, presidente da comissão técnica independente que ainda assim salientou que, apesar de termos de viver com o AHD nos próximos anos, é importante que se perspetive que essa infraestrutura deve fechar. “É uma decisão que provavelmente não é urgente ser tomada”, mas o encerramento deve ser perspetivado.
Rosário Macário, um dos elementos da comissão técnica, acrescentou, na apresentação, que a desativação do Aeroporto Humberto Delgado poderia acontecer a partir do desenvolvimento da segunda pista, portanto ao fim de oito anos. Sete anos é o tempo que levará a construir a primeira pista. A partir da segunda pista “é possível que o novo aeroporto possa substituir integralmente o aeroporto Humberto Delgado”, diz Rosário Macário, da CTI.
Por outro lado, há outro ponto de interrogação sobre o momento em que se poderá perspetivar o encerramento da Portela: “O quando depende de quando for a decisão”.
De qualquer forma, a comissão vai já aconselhando para, em caso de encerramento do AHD, “as áreas não edificadas, nomeadamente as pistas e áreas de circulação, e as áreas edificadas, sejam objeto de plano de pormenor que preveja a requalificação do solo para espaço verde, com vista à reestruturação da zona para parque urbano e à reutilização dos edifícios existentes”. Assim, se na área não edificada se pretende áreas verdes, admite-se que a área edificada seja alterada a utilização, mas mantendo-se a sua utilização. Mas fica “dependente da elaboração de um plano de pormenor”, além de que “uma eventual alteração simplificada do PDM de Lisboa se revelar complexa para afetar os terrenos em causa a uma subcategoria de uso do solo que viabilize um desenvolvimento urbanístico de maior ambição”. No perímetro que está no concelho de Loures, de menor dimensão, “não vigora uma condicionante à reconversão do uso da infraestrutura aeroportuária nos termos mais restritivos previstos para Lisboa. Por tal motivo, acoplado à circunstância de existirem diversas subcategorias de uso do solo contíguas que podem viabilizar desenvolvimentos urbanístico numa área que é hoje, essencialmente, não edificada”.
Segundo os estudos da comissão, estima-se que o valor de mercado dos terrenos considerados como urbanizáveis do atual AHD é de 509,6 milhões de euros. E que as operações de demolição e renaturalização têm um custo estimado, para as restantes áreas, de 342,1 milhões de euros, “o que, segundo os economistas, significa “para o cenário central, um Valor Atual Líquido (VAL) da operação global de 167,5 milhões de euros”, cálculos que pressupõem a “identificação das parcelas que, à data atual, estão já ocupados por edificações. Daqui resultou uma área urbanizada de 14,7% do total do terreno”. Com urbanização zero, o impacto para o Estado de fechar a Portela seria negativo em 450 milhões, salientou Fernando Alexandre, coordenador da parte económica do estudo, salientando que uma urbanização de 14,7% resultaria num impacto positivo de 230 milhões.
Contrato de concessão é forte condicionante. ANA tem direito de preferência, mas pode perder aeroporto se não chegar a acordo
Numa avaliação muito negativa para a solução defendida pela ANA — Portela mais Montijo — o relatório conclui que o contrato de concessão é uma forte condicionante à decisão e apresenta “uma complexidade” que introduz “riscos significativos para a escolha de uma solução rápida e vantajosa para a sociedade e para a economia”.
A jurista Raquel Carvalho confirma que o Estado terá de negociar qualquer solução com a concessionária que terá sempre direito de preferência. Mas se não houver acordo — a ANA nunca foi defensora de um novo aeroporto de raiz a substituir a Portela — o Estado pode usar a sua prerrogativa para manter a expansão aeroportuária na esfera pública, lançando um concurso internacional para selecionar um novo operador que desenvolva o projeto. Mas isso obrigaria a indemnizar a concessionária pela perda da exploração do principal aeroporto da concessão.
Os técnicos da CTI recomendam ainda a revisão do contrato de concessão, que será inevitável caso em qualquer solução para a expansão aeroportuária, bem como do modelo de regulação económica para que a definição das taxas aeroportuárias passe para o regulador, a ANAC. Outro membro da comissão técnica, Fernando Alexandre, assinalou que a concessionária tem todos os incentivos para manter o tráfego no aeroporto Humberto Delgado. “É uma estrutura super, hiper rentável”, com rentabilidades “muito superiores às cotadas europeias”. A ANA terá assim todo o incentivo de manter o máximo de tráfego no Humberto Delgado. Mesmo na solução dual há interesse em reforçar a transferência de operações para novo aeroporto até por questões de saúde pública, por isso, é um desafio para o Estado ter a capacidade e força para impor um novo aeroporto também à concessionária.