Miguel Santos, deputado do PSD e presidente da Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação,. vai ter nos próximos meses dois grandes dossiês em cima da mesa: o novo aeroporto de Lisboa e a nova estratégia para a Habitação desenhada. O social-democrata acredita que o Parlamento vai ser o palco privilegiado para que o Governo consiga encontrar os consensos necessários para aprovar as medidas que querem implementar. “Se forem boas, a responsabilidade dos partidos que as chumbam é maior.”
Em entrevista ao Observador, no programa “O Sofá do Parlamento”, Miguel Santos diz que está em curso uma corrida entre Pedro Nuno Santos e André Ventura pela liderança da oposição ao Governo e não descarta a hipótese de haver um fim abrupto da legislatura. “Se PS ou o Chega acreditarem que têm um maior apoio popular podem ter a tentação de ir a eleições [antecipadas]”.
Na ressaca da tomada de decisão sobre o novo aeroporto de Lisboa, Miguel Santos considera que a ANA não vai ser um entrave: “Só tem que estar de boa fé”. Para o social-democrata, o mais difícil já foi feito — “tomar a decisão” — e encontrar o modelo de financiamento encontrado pelo Governo liderado por Luís Montenegro.
[Ouça aqui o Sofá do Parlamento com o deputado Miguel Santos]
Miguel Santos, do PSD: “Pedro Nuno Santos está em concurso com Ventura”
“A ANA deve estar de boa fé porque só tem a ganhar em todos os níveis”
O Governo anunciou esta semana o novo aeroporto de Lisboa mas só para negociar com a ANA podem ser necessários quatro anos e meio. Isto não deixa as expectativas dos portugueses frustradas?
O processo do aeroporto é um processo difícil e longo. Esta decisão, e isso foi recordado por decisores políticos, tem 50 anos. É curioso que, do anúncio feito ontem, parece-me que existe um consenso bastante alargado relativamente à decisão do Governo. O PS, sendo o principal partido da oposição, também recordou os 50 anos deste processo, sendo que muitos foram de governação do socialista. Inclusive os últimos oito, em que também houve uma indecisão. Penso que não há uma expectativa que o aeroporto apareça de hoje para amanhã. Isso não vai acontecer. Há um processo que vai decorrer daqui para a frente, mas a decisão foi a parte mais difícil.
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E acha que a ANA vai estar de boa fé neste processo, porque tem um prazo até 46 meses para apresentar todos os relatórios?
A ANA deve estar de boa fé porque só tem a ganhar em todos os níveis. Em termos económicos, mas também em termos institucionais, porque tem uma concessão que tem regras, deveres e direitos. A decisão foi tomada por consenso. Existiu bom senso na partilha do processo decisório entre PSD e PS, criando uma comissão técnica para ter uma sustentabilidade para o futuro. Para além disso, por indicação do PSD existia também o objetivo de que as obras na Portela avançassem rapidamente. A verdade é que não avançaram. Agora vão ter mesmo que avançar. O aeroporto vai demorar, no mínimo, dez anos e são precisas soluções mais rápidas. Essas obras já deviam ter começado há um ano e são indispensáveis para conseguir aguentar, e até aumentar, a capacidade do país.
No plano financeiro, o Governo não quer pagar as obras — o aeroporto, o TGV e a travessia sobre o Tejo — através do Orçamento do Estado. O facto de não haver uma estimativa real dos custos não corre o risco destes projetos ficarem no plano das intenções?
Assim tem acontecido no passado e não pode acontecer daqui para a frente, porque é uma descredibilização e um descrédito. O Governo não vai correr esse risco. O modelo financeiro tem que ser ajustado se não queremos onerar o erário público. Não há soluções milagrosas. Não se consegue inventar a roda. Tem que se ir buscar os parceiros, os concessionários e os privados, que estejam na disposição de fazer investimento, substituindo-se ao Estado nesses termos, com o equilíbrio que será necessário para ressarcir esses parceiros. Dentro dos modelos que podem ser seguidos, só mesmo o PSD é consegue avançar com este processo. Os outros partidos teriam alguma renitência em avançar e isso provavelmente levaria a mais 50 anos de indecisão.
“PS e Chega ora votam em conjunto, ora estão a concorrer um com o outro”
Na Habitação, o Governo vai apresentar a estratégia aos partidos esta semana no Parlamento. Convém o Governo mudar a forma como tem procurado consensos? Ser mais proativo?
Os consensos para serem gerados, ou para uma conversa chegar a bom porto, tem que ser feita em dois sentidos. Não pode ser num único sentido. Portanto, acho que sim, o Governo deverá fazer um esforço contínuo. E se não estiver a obter os resultados, deve fazer um esforço suplementar. É uma obrigação que se impõe pelas próprias regras. Por causa dos resultados eleitorais e pela configuração de forças no Parlamento, deve fazer um esforço contínuo. Mas também é preciso que os outros partidos estejam genuinamente com vontade de chegar a esse tipo de consensos.
Não teria sido mais proveitoso fazer como na Justiça: reunir primeiro com os partidos para tentar chegar ao Parlamento já com um pacote mais ou menos consensualizado?
O Parlamento será a casa ideal e privilegiada para se fazer processos de diálogo e de contraposição de diversas ideias. Esta é uma questão em que o Governo é preso por ter cão e por não ter. Se o Governo faz negociações prévias, será acusado eventualmente de andar a ter conversas às escondidas ou à pressa. Se o Governo faz as negociações no Parlamento, também poderá ser chamado à atenção por não ter feito antes e estar a fazer só depois da proposta apresentada. E se forem feitas sem uma proposta em cima da mesa, dir-se-á que o Governo não tem ideias. A casa da democracia é o sítio ideal para se fazer diálogo, negociação, apresentação de propostas, contrapropostas, com a maior transparência.
Mas não dá uma imagem, até porque o PSD já teve algumas derrotas no Parlamento, de que o Governo está a agir como se tivesse maioria absoluta e depois acaba surpreendido, tanto pela posição do PS como pelo Chega?
O PS e o Chega estão num concurso. Um e outro estão a concorrer sobre quem é o líder da oposição, sobre quem é mais afirmativo, quem é que tem o papel principal e primordial no contraponto ao Governo. Ora votam em conjunto, ora estão numa corrida entre um partido e outro para assumir essa posição. Naturalmente que estão a pensar: vai haver eleições mais tarde ou mais cedo e querem estar numa boa posição.
E querem mais tarde ou mais cedo?
Se o PS e o Chega sentirem que estão em condições eleitorais ou de simpatia da opinião pública bastante elevadas, poderão ter a tentação de querer eleições. Caso contrário, se calhar vão ter um bocadinho mais de paciência e de parcimónia.
Mas isso não obriga também o PSD a ter atenção para não ser apanhado desprevenido? Ou, em alternativa, isso não pode levar o Governo para um caminho eleitoralista?
Essa lógica obrigaria o PSD e o Governo a andar de atalaia e de vigia ao que é que os outros partidos estão a fazer. Não, a lógica é diferente. O que o Governo e o PSD têm que fazer é trabalhar e apresentar propostas para a resolução dos problemas dos portugueses no seu dia a dia, para os que estão a viver com dificuldades, e ao mesmo tempo contribuir e construir bases para tomar decisões boas para o futuro estratégico do desenvolvimento do país. Se o PSD e o Governo se concentrarem e conseguirem implementar políticas boas para o quotidiano e implementarem políticas estruturantes, conseguem ganhar causa nestas matérias.
“Não sei se Pedro Nuno Santos é o líder da oposição”
O ministro da Coesão, Manuel Castro Almeida, avisou os partidos da oposição de que o chumbo do Orçamento pode levar a um cenário de eleições antecipadas. Isto não é o Governo a fazer também chantagem política com a oposição?
O Governo tem que lembrar isso, não vá às vezes a oposição esquecer-se ou estar distraída. Essas coisas têm de ser ditas, têm que ser colocadas em cima da mesa, porque são uma realidade. Não é só para lembrar a oposição mas também para afirmar, junto dos portugueses e da opinião pública, que há um grau de responsabilidade muito grande nas decisões que são tomadas e nas posições assumidas pelos partidos que depois têm uma implicação e um efeito direto na vida dos portugueses e no futuro do país. Essas coisas têm que ser ditas no devido tempo para que as pessoas não esqueçam. Recentemente tivemos o processo das SCUT. Se não houver Orçamento, como é que vai entrar em vigor no dia 1 de janeiro de 2025?
Mas o líder da oposição, Pedro Nuno Santos, ofereceu-se para negociar um Orçamento retificativo. Não existiu irresponsabilidade do Governo ao não aceitar a disponibilidade negocial?
Não sei se Pedro Nuno Santos é o líder da oposição, porque está em concurso direto com André Ventura. A questão do retificativo é mais uma questão de avaliação financeira por parte do Governo do que propriamente uma questão política. Querer transformar um Orçamento retificativo numa questão política é só para fazer debate e notícias de jornais. A avaliação sobre a necessidade de fazer uma retificação ao Orçamento em vigor ou não deve ser do Governo e do ministro das Finanças
“Governo de Costa era um Governo avesso a tomar decisões”
O Governo deixou-se ultrapassar neste primeiro mês. Confiou demasiado no estado de graça para fazer aprovar propostas e depois isso não aconteceu?
O Governo não teve estado de graça, ponto final.
E a culpa é de quem?
Não é culpa, mas a responsabilidade foi dos partidos da oposição. O Governo tomou posse há 33 dias e foi imediatamente a seguir, nos dias seguintes, que se lhe começou a exigir um conjunto de decisões. Não tenho memória de um Governo não ter tido um estado de graça. Nesse sentido até foi bom, porque acredito muito neste Governo, no primeiro-ministro e na capacidade e vontade inequívoca de tomar decisões e de executar políticas, é uma diferença completa relativamente ao Governo anterior. O Governo anterior não tomava decisões. Os ministros praticamente não tinham autonomia. O Governo do PS de António Costa era um Governo avesso a tomar decisões. O Governo preferia não tomar decisões não vá incomodar alguém. Este executivo é diametralmente oposto. É preciso é que as decisões sejam boas e isso julgo que está a acontecer.
E há condições para governar quatro anos à procura destes consensos em praticamente todos os diplomas que se apresentam no Parlamento?
Os diplomas, se forem bons e se tiverem um impacto positivo na vida dos portugueses e estratégico no desenvolvimento do país, venham os partidos e chumbem. Será mais difícil. Colocaria as coisas em sentido contrário: se o PSD e o Governo forem competentes e apresentarem boas propostas também há uma vinculação e uma grande responsabilidade se essas propostas não forem assumidas.
Mas vai haver um desgaste grande dos deputados do PSD e do Governo a negociar praticamente todas as alíneas de tudo o que entra na Assembleia da República.
É um trabalho mais maturado, pormenorizado e exigente. Ninguém foi obrigado e quem se dispôs a isso terá que o fazer e o melhor possível.