É líder parlamentar, vice-presidente e empenhou-se pessoalmente no relançamento do CDS, um partido que conseguiu chegar ao Governo quando muitos diziam que estava em vias de extinção. Fê-lo, todavia, acoplado ao PSD e a Luís Montenegro. Cem dias depois de chegar ao poder, no entanto, defende que a marca do partido é já evidente, reconhecida pelos eleitores, e que os democratas-cristãos estão preparados, como sempre estiveram, para ir a votos sozinhos se e quando o momento chegar.
Em entrevista ao Observador, no programa “Vichyssoise”, Paulo Núncio diz acreditar que o Orçamento do Estado está em condições de ser aprovado. “Estou convencido que com esta abertura que foi manifestada por parte dos partidos da oposição, que há condições para aprovar este Orçamento e é muito importante aprovar este Orçamento”, sugere.
No entanto, o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais vai defendendo que a redução transversal do IRC — uma das linhas vermelhas de Pedro Nuno Santos para — é mesmo para aplicar, com ou sem o ‘sim’ dos socialistas. “O Governo tem um programa para cumprir que prevê a redução transversal do IRC até 15%”, diz. Perante uma posição tão fechada, Núncio acaba por não explicar como é que se convence o líder do PS a abster-se na votação do Orçamento. “Vamos ver. Não quero estar a ser eu a dizer que solução criativa é que pode existir.”
Apesar do relativo otimismo, o democrata-cristão não deixa de enviar alguns recados para oposição. “Tem de ser uma negociação verdadeira, não pode ser um jogo de sombras, uma negociação a fingir. Há agora uma abertura dos partidos da oposição para negociar, mas todas as semanas temos assistido a alianças táticas entre o PS e o Chega para tentarem governar a partir do Parlamento e contra o Governo da Aliança Democrática”, lamenta.
“Só um grande partido é que participa em nove governos constitucionais”
Esta semana foram as jornadas parlamentares do CDS e houve muitos apelos para que antigos militantes regressassem ao partido. O CDS está há cem dias no Governo, mas ainda não se percebeu exatamente qual é a marca distintiva do partido nesta Aliança. Fazia assim tanta falta o CDS ao PSD?
O CDS foi decisivo para que a Aliança Democrática ganhasse as eleições.
Estamos a falar nestes cem dias.
Mas o Governo só está a governar neste momento porque ganhou as eleições e o CDS foi decisivo. Não tenho dúvidas de que muita gente que se considera de direita votou na Aliança Democrática porque tinha o CDS na coligação. E por isso o CDS é parte integrante da vitória e é parte integrante do Governo. Não está a apoiar um Governo, faz parte do Governo e participou ativamente na elaboração do programa eleitoral e depois do Programa de Governo. Muitas das medidas apresentadas pelo Governo foram trabalhadas pelo CDS e o partido está de corpo inteiro nessas medidas.
O que é que o PSD não faria se o CDS não fosse parceiro da governação?
Isso não lhe vou dizer. O que lhe vou dizer é que há um conjunto de medidas que estão no Programa de Governo e que foram trabalhadas entre o PSD e o CDS e o CDS teve uma participação ativa. O CDS sempre foi um partido que defendeu a redução de impostos, do IRS e do IRC. São medidas que foram trabalhadas pelo partido e são medidas que apoia de uma forma muito viva. Recordo que, em 2014, quando se fez a primeira reforma do IRC, o CDS teve uma participação muito ativa nessa reforma. Na altura, eu era secretário de Estado de Assuntos Fiscais, o presidente da comissão de reforma era o António Lobo Xavier e a reforma foi conseguida, aprovada com os votos favoráveis do PSD e do CDS, na altura no Governo, e depois do PS. Uma segunda matéria, para além da redução de impostos, tem que ver com toda a parte da Lei e Ordem. O CDS sempre foi um partido da Lei e da Ordem. Por isso é que um dos ministérios onde tem uma participação ativa é o da Administração Interna. Tem uma participação decisiva, por exemplo, agora no acordo que foi feito com as forças de segurança e com toda a política da Administração Interna.
No debate do Estado da Nação, André Ventura sugeriu que o CDS foi “às cavalitas” do PSD nestas eleições e que é um partido “insignificante” em termos eleitorais. O CDS está a preparar-se para ser uma espécie de Verdes para o PSD?
O CDS é um grande partido. Se não fosse um grande partido, não estaria a participar no nono Governo Constitucional da nossa história. Só um grande partido é que participa em nove governos constitucionais.
Então está perfeitamente disponível para ir a votos, num futuro próximo, sozinho.
O CDS, enquanto partido fundador da democracia e com 50 anos de história – e esta semana comemoramos 50 anos, no dia 19 de Julho – tem que estar sempre preparado para ir a votos sozinho. Isso é algo que tem que estar na mente não só dos dirigentes, como de todos os militantes do partido. O CDS nasceu em 74, mas, do ponto de vista político, nasce de uma forma dinâmica, com o corajoso voto contra a Constituição de 76, que apontava o socialismo como única via para Portugal. Foi o único partido, na altura, que disse “não, não podemos aprovar uma Constituição desta maneira”. Há poucas semanas, o CDS também foi decisivo: fomos nós que propusemos as comemorações anuais do 25 de Novembro, para que o pluralismo político possa ser uma realidade em Portugal.
Também há críticas que são feitas a partir do próprio CDS. Ainda em Abril, Filipe Lobo d’Ávila desfiliou-se do CDS dizendo que deixou de ser um partido “programático, com ideias claras, reconhecidas por todos”. A perceção de que o CDS perdeu de alguma forma a identidade existe e não é só alimentada por André Ventura.
O CDS está a fazer o seu caminho, veio para ficar. É um partido fundador da democracia portuguesa.
Então estranha esta saída de Filipe Lobo d’ Ávila?
Têm entrado muito mais militantes do que têm saído. Aliás, o CDS está num bom momento e as jornadas parlamentares que celebrámos esta semana são prova disso.
Não consegue compreender, então, a saída dele?
Não, mas quer dizer, não tenho de compreender ou não, as pessoas são livres, o CDS é um partido democrático, as pessoas entram e saem conforme entendem. Agora, o CDS é um partido fundador da democracia, é institucionalista, respeita as instituições, representa uma direita de princípios, é um partido seguro, é um partido credível, é um partido que tem uma enorme experiência governativa. E isso, nos tempos de hoje, com os populismos e os radicalismos a crescer em Portugal e no resto da Europa, é um ativo extraordinário. Ter um partido de direita firme na doutrina, na defesa da propriedade, dos baixos impostos, da liberdade, da família, mas ao mesmo tempo um partido com quadros credíveis e com uma experiência governativa grande, é um ativo extraordinário. O CDS faz falta e hoje demonstra-se claramente que faz falta. Temos tido uma excelente participação no Governo e também temos surpreendido muita gente dentro do Parlamento. Há muita gente que não esperava um CDS tão dinâmico, tão determinante em cada um dos debates relevantes, tem mostrado a sua raça, tem mostrado a sua doutrina.
“Governo não está interessado em eleições antecipadas”
O debate do Estado da Nação acabou por servir de alguma forma de antecâmara para a discussão do Orçamento do Estado para 2025. Na mesma semana em que Pedro Nuno Santos manifestou disponibilidade para negociar o Orçamento, Luís Montenegro acusou o PS de “contorcionismo político” e de “deslealdade”. É um bom princípio de conversa?
Desde o início, o Governo e os partidos que o apoiam manifestaram disponibilidade para negociar com a oposição. mas tem de ser uma negociação verdadeira, não pode ser um jogo de sombras, uma negociação a fingir. Por isso, gostaria de saudar o PS por manifestar essa abertura para negociar, não só o Orçamento, mas também o IRC.
A questão é se quando o primeiro-ministro usa este tipo de retórica, quando diz aos partidos da oposição que não têm coragem de o derrubar, não está de alguma forma também a tentar forçar eleições antecipadas?
Penso que não. O que o Governo quer é governar. A retórica dos partidos da oposição tem de responder à prática parlamentar e isso não tem acontecido. Há agora uma abertura dos partidos da oposição para negociar, mas todas as semanas temos assistido a alianças táticas entre o PS e o Chega para tentarem governar a partir do Parlamento e contra o Governo da Aliança Democrática. É importante que as palavras correspondam a atos e que os partidos da oposição percebam que, em primeiro lugar, o PS perdeu as eleições.
Mas o Parlamento não fica congelado.
É importante que haja boa fé negocial e que se perceba que nesta situação, que não é uma situação nova, já aconteceu no passado, é ao Governo que deverá competir a iniciativa de governar. Não faz sentido no nosso sistema constitucional que dois partidos se aliem constantemente, o PS e o Chega, para governar contra a Aliança Democrática, isso é que não faz sentido nenhum.
Mas há um cálculo neste momento, da parte da AD, sobre as vantagens de realizar eleições o mais rápido possível?
Pelo contrário. O Governo da Aliança Democrática quer governar, quer cumprir o seu programa, porque nós percebemos que só cumprindo o nosso programa é que conseguimos transformar o país e nós fomos eleitos para transformar o país.
Mas o Governo da AD também sabe que as condições parlamentares são muito difíceis nesta altura e também sabe que, ainda em 2022, quando foram precipitadas as eleições, o PS teve maioria absoluta. Isto não pesa na vossa equação? Se houvesse agora eleições antecipadas, a Aliança Democrática conseguiria crescer?
Bom, isso compete aos portugueses decidir. Diria que olhando para as sondagens há uma grande maioria que aprova o trabalho do Governo. E se bem percebi também por outras sondagens, neste momento o político mais popular em Portugal é o primeiro-ministro. Os portugueses estão contentes com o trabalho do Governo, consideram que o Governo está a governar bem.
Portanto, se fossem a votos em eleições antecipadas, reforçariam a votação, é isso?
Não sei, cada eleição é uma eleição. O Governo não está interessado nisso. O Governo está interessado em governar porque Portugal tem um problema fundamental de crescimento económico e nós precisamos de tempo para transformar o país e para pôr o país a crescer de uma forma robusta
“É fundamental reduzir o IRC”
Aparentemente existe alguma margem de entendimento entre os dois partidos no IRC. Admite-se que o Governo deixe cair a redução transversal do IRC?
Não. Acho que o Governo tem um programa para cumprir que prevê a redução transversal do IRC até 15%.
Mas o PS não quer.
Vamos ver, vamos esperar. Participei, como disse há pouco, na reforma do IRC de 2014. Inicialmente, também o PS estava muito distante do Governo e foi depois possível chegar ao entendimento através de negociações e cedências recíprocas, e o PS votou favoravelmente.
O líder socialista era o outro, entretanto já houve mais dois líderes, ambos contrários a essa ideia da redução transversal do IRC.
Mas tenho que valorizar os sinais políticos que são dados e o sinal político que o PS deu foi de abertura para a negociação.
O que o PS disse foi que está disponível para revisitar a proposta que o Governo tem em cima da mesa. Não disse que concorda com a redução transversal.
Não sei, vamos ver. O secretário-geral do PS foi mandatado para negociar sem linhas vermelhas.
Ainda esta quarta-feira, numa entrevista ao canal Now, Pedro Nuno Santos reafirmou ser contra uma redução transversal do IRC, dizendo que prefere que essa redução seja modelada em função, por exemplo, do reinvestimento de lucros que as empresas possam fazer.
Isso é uma falsa questão, porque tecnicamente essa questão de reduzir o IRC através do reinvestimento já existe e está sujeita a limites muito baixos, dependente de um conjunto de limitações, por exemplo, ao nível da legislação europeia. Por isso, não é possível reduzir muito o IRC através desses mecanismos e esses mecanismos já existem. É fundamental reduzir o IRC para relançar o crescimento económico e para termos uma década de prosperidade, para robustecer as nossas empresas, mas, sobretudo, é fundamental reduzir o IRC para melhorar os salários dos trabalhadores. Empresas que paguem menos impostos são empresas que podem pagar melhores salários e há inúmeros estudos empíricos que demonstram isto mesmo. Temos mesmo de dar a volta à nossa economia e a redução do IRC é absolutamente decisiva para conseguimos dar a volta à economia.
Tendo em conta a posição de princípio de Pedro Nuno Santos e essa vossa posição de princípio, onde é que as duas partes se podem encontrar?
Vamos ver. Não quero estar a ser eu a dizer que solução criativa é que pode existir. Em primeiro lugar, esta é uma negociação que tem de ser feita pelo Governo, porque é o Governo que vai apresentar a proposta de redução do IRC. Não quero ser eu a limitar a negociação. O que posso dizer é que, de facto, o PS, inicialmente, sinalizou o IRC e o IRS Jovem como duas medidas que tinha alguma dificuldade em acompanhar; a boa notícia é que quer o IRC, quer o IRS Jovem, vão ser aprovados em diplomas autónomos, fora da discussão orçamental.
Mas têm impacto orçamental.
Com certeza, mas fora.
O PS também já explicou que, mesmo que não estejam dentro do Orçamento, o impacto orçamental vai sentir-se e isso também não agrada ao partido.
Certo, mas essa é outra questão e que também pode ser uma boa notícia. Em 2014, quando reduzimos o IRC, o efeito não foi uma redução da receita, mas um aumento — em 2015, em resultado da redução da taxa em dois pontos percentuais em 2014, a receita aumentou 700 milhões de euros. Agora, o Governo foi cauteloso em definir uma redução de receita em função da redução da taxa.
Sentia-se confortável com o PSD deixar cair uma redução transversal?
Penso que isto está no Programa do Governo e essa será necessariamente a proposta que será apresentada pelo Governo.
“Duodécimos? É fundamental haver Orçamento”
Se o Orçamento for chumbado, o Governo deve demitir-se ou pode ir para aquela opção de governar em duodécimos e continuar com o orçamento do Estado de Fernando Medina?
Estou convencido que, com esta abertura que foi manifestada por parte dos partidos da oposição, há condições para aprovar este Orçamento. E é muito importante aprovar o seu Orçamento. Como se sabe, a execução de fundos comunitários, por exemplo, depende do novo Orçamento. O país não vai ter capacidade de executar todos os fundos comunitários se não houver um novo Orçamento aprovado em 2025.
Há muita gente no PS que discorda. Podemos citar Pedro Silva Pereira, que esteve nesse mesmo lugar a dizer que isso é uma falácia.
Não é falácia.
Mas o Governo pode ou não governar por duodécimos?
O Governo pode, o regime legal existe e já aconteceu no passado os governos governarem em duodécimos. Mas considero que é muito importante que o Governo em funções, e que foi investido pelo Parlamento, possa executar a sua política e a sua política tem um instrumento essencial: o Orçamento do Estado.
Portanto, se o Orçamento não for aprovado, deve haver eleições antecipadas.
Não disse isso e não vou dizer. O que lhe digo é que é muito importante aprovar o Orçamento. Não obstante, existe a possibilidade de os governos, em teoria, governarem em duodécimos. Mas é muito importante, é mesmo decisivo, que este Orçamento seja aprovado para que o Governo possa fazer a mudança. Os portugueses votaram maioritariamente na Aliança Democrática para governar e para aplicar uma política diferente dos socialistas. Caso contrário tinham votado no PS para continuar tudo na mesma. Nós precisamos de ter capacidade, de ter instrumentos para mudar o país, para pôr o país a crescer e, nesse sentido, evidentemente que o Orçamento do Estado é um instrumento decisivo.
No final destas contas todas o que é que o CDS preferia: ter o PS ao seu lado a viabilizar o Orçamento ou Chega?
Queremos o orçamento aprovado. Vamos começar negociações, não me peçam para tentar prever o resultado. Não é uma questão de ter preferidos ou não ter preferidos. A questão é: vai haver uma abertura à negociação com todos os partidos e vamos ver como é que os partidos se posicionam e se comportam. O que tem acontecido até agora é uma aliança entre o PS e o Chega contra a AD. A ver vamos como é que as coisas vão evoluir.
“Ventura? Preferia fazer uma placagem a Pedro Nuno”
Vamos agora ao Carne ou Peixe, onde tem de escolher uma de duas opções. Jogou rugby no Centro Desportivo Universitário de Lisboa e foi internacional júnior. A quem gostaria de fazer uma placagem bem feita: a Pedro Nuno de Santos ou a Francisco Rodrigues dos Santos?
A Pedro Nuno de Santos e tentaria fazer uma daquelas placagens em que ele cairia de costas com grande veemência.
Quem é que levaria ao Estádio de Alvalade para assistir a um Sporting Benfica: André Ventura ou Paulo Raimundo?
Não sei, confesso que tenho alguma dificuldade (26:44) em levar benfiquistas ao Estádio de Alvalade.
A quem preferia assinar de novo a ficha de militante do CDS: Adolfo Mesquita Nunes ou António Pires de Lima?
Os dois, se possível, porque gosto muito, eles representam um elemento essencial do CDS, a ala mais liberal, e eu gostaria muito que essa ala mais liberal reforçasse o CDS.
Preferia fazer uma campanha presidencial ao lado de Luís Marques Mendes ou de Paulo Portas?
Paulo Portas, seguramente.