As votações na especialidade do Orçamento do Estado para 2025 prometiam ser, este ano, desafiantes. São mais de 2.100 pedidos de alteração, além dos artigos da proposta que o Governo fez chegar ao Parlamento, para serem votadas sem uma maioria de deputados para facilitar a contagem. Joaquim Miranda Sarmento, que há um ano se sentava na bancada do PSD, é agora ministro das Finanças e acabou, mesmo, ao contrário do que é habitual nesta fase do processo, por ficar todo o primeiro dia de votações.
E, assim, viu serem aprovadas, à revelia dos partidos que suportam o Governo (PSD e CDS), 15 propostas de alteração, de um total de 39 que passaram no dia 1 da votação na especialidade do Orçamento para 2025 — 13 do PAN, seis do PSD/CDS e seis do Bloco, cinco do PCP, quatro do Chega, três do Livre e duas da IL.
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As chamadas coligações negativas marcaram logo o arranque das votações, com o Livre a ver aprovadas duas medidas contra os partidos do Governo. Mas seria preciso esperar algumas horas para ser aprovada aquela medida que marcará este dia. Uma decisão do Governo que não passou pelo Orçamento, nem sequer ainda passou à prática, já levou a oposição a unir-se. E para aprovar uma norma que ficará inscrita no Orçamento para 2025 que impede o Governo de tirar publicidade à RTP, conforme tinha anunciado ser a sua pretensão. O Governo já tinha anunciado que queria que a RTP1 deixasse de ter os seis minutos por hora de publicidade que atualmente tem até 2027, ao ritmo de dois minutos por ano.
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Agora, na especialidade, sob proposta do Bloco, determina-se que, “em 2025, durante o período de vigência do presente Orçamento do Estado, o Governo não impõe qualquer redução da publicidade comercial das grelhas da RTP”. Toda a oposição votou a favor. Só os dois partidos que suportam o Governo, PSD e CDS, votaram contra esta medida.
Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares, que tem a tutela da comunicação social, já criticou esta aprovação. No Porto, citado pela Lusa, considerou ser “um pouco inaudito que se tente através do Orçamento do Estado ter proclamações políticas, que são legítimas, mas que não devem ser feitas em sede orçamental. Essa medida em particular não tem qualquer implicação no Orçamento do Estado, não está ainda tomada pelo Governo, é no âmbito do contrato de serviço público a ser celebrado entre o Governo e a RTP e vai ser [efetivada], certamente, nos próximos meses, e ainda vai demorar até chegar a esse momento”, desafiou.
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Também na sua área viu o Bloco aprovar, com os votos contra da AD, a exigência de manutenção dos postos de trabalho por parte dos órgãos de comunicação social que tiverem garantido o serviço da Agência Lusa gratuito. “Qualquer benefício a atribuir a órgãos de comunicação social que contratem serviços da Agência Lusa é condicionado ao cumprimento das obrigações legais de transparência, ao cumprimento do Contrato Coletivo de Trabalho e à manutenção ou incremento do emprego jornalístico durante o período de vigência do benefício”, segundo a norma aprovada.
As coligações negativas continuaram. Do Bloco foram cinco (de um total de seis aprovadas) que passaram à revelia da AD. Além das duas na área dos media, o Bloco garantiu que vão passar a ser comparticipadas na totalidade as bombas de insulina híbrida para diabéticos, mediante prescrição médica. Mas também a obrigação dos centros de saúde promoverem consultas de menopausa destinadas a pessoas em pré-menopausa e a comparticipação de produtos e terapêuticas não-farmacológicas e farmacológicas destinadas a atenuar ou eliminar os sintomas associados à menopausa, desde que prescritos por médico do Serviço Nacional de Saúde. Ainda do Bloco ficou, à revelia do Governo, aprovada a medida que possibilita que os serviços e forças de segurança façam uma avaliação anual da saúde.
Também do PCP, das cinco propostas aprovadas, quatro foram em coligação negativa (explicadas mais abaixo) e o Livre, de três aprovadas, duas foram à revelia. Logo no arranque dos trabalhos, conseguiu que fique determinado que o Governo é obrigado a transferir para os organismos da administração pública as verbas para eliminar as barreiras arquitetónicas e de adaptação do edificado para garantir o acesso às pessoas com mobilidade condicionada e as verbas “destinadas a produzir materiais de comunicação e informação e a assegurar a acessibilidade a conteúdos digitais, de cariz informativo, cultural e lúdico a pessoas com deficiência, através do PRR ou de outros instrumentos financeiros da União Europeia”.
Ainda do Livre, ficou plasmada a possibilidade de o Governo poder determinar verbas para o crédito bonificado à habitação para familiares de pessoas com deficiência, se o projeto de lei do Livre, que está (fora do Orçamento) a ser discutido na especialidade, for aprovado a nível parlamentar. Assim, o partido de Rui Tavares quer salvaguardar a possibilidade de dotação orçamental, uma vez que crédito bonificado implica a assunção por parte do Estado de despesa. O partido viu ainda ser aprovada a proposta para que os orçamentos de todas as entidades administrativas independentes que funcionam junto da Assembleia da República — e não só de algumas — sejam desagregados no âmbito da verba global atribuída à AR — medida conseguida sem ser por coligação negativa, mas com o assentimento da AD (e do PS).
Já o PAN, que foi o partido que mais propostas de alteração conseguir aprovar neste primeiro dia, garantiu que das 13 alcançadas quatro fossem à revelia da AD. Duas dessas propostas têm a ver com o Ministério dos Negócios estrangeiros e implicam mais despesa, não quantificada. Conforme ficou aprovado, durante 2025, o Governo tem de atualizar o abono de habitação para os funcionários dos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, tendo em conta a inflação, a variação cambial entre o euro e as moedas locais, a evolução dos preços dos mercados de arrendamento urbano habitacional, além da atualização do abono de representação. Além disso o MNE tem de aprovar “um código de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho aplicável aos seus serviço”.
PSD e CDS com proposta chumbada
As coligações negativas funcionaram para fazer aprovar propostas da oposição, mas também para chumbar uma das propostas dos dois partidos que suportam o Governo. A abstenção do Chega bastou para que PS conseguisse, ao lado da esquerda, fazer cair a pretensão dos partidos do Governo (a IL também votou a favor, mas não foi suficiente).
PSD/CDS queriam aligeirar declarações para rendimentos sujeitos a taxas liberatórias não englobados quando superiores a 500 euros e de ativos detidos em offshores. Para os partidos que suportam o Governo essa declaração é uma duplicação de informação uma vez que, argumentam, o Fisco já recebe esses dados de terceiros e não têm relevância para pagamento de imposto. A secretária de Estado dos Assuntos Fiscais, Cláudia Reis Duarte, dizia que era uma questão declarativa e que não abrangia, conforme referido pelo PS, a não declaração de rendimentos em offshores. No ano passado tinha sido aprovada a medida que determinada que “são obrigatoriamente reportados, designadamente, os rendimentos sujeitos a taxas liberatórias não englobados e os rendimentos não sujeitos a IRS, quando superiores a 500 euros, bem como os ativos detidos em países, territórios ou regiões com regime fiscal claramente mais favorável”.
Os dois partidos do Governo conseguiram aprovar seis propostas de alteração (algumas de correção ao diploma do Governo — como no caso das garantias para a Madeira). Já o PS nas três propostas que esta sexta-feira levou a votação não viu nenhuma passar: tinha a ver com os imóveis que o Estado pretende vender e que o PS queria garantir que se mantinham na esfera pública aqueles que tenham possibilidades habitacionais. Também ficou já pelo caminho a pretensão socialista de um regime de exclusividade para médicos no SNS.
Função pública com novo programa para poupanças
Os liberais chamam-lhe “Programa Poupar e Premiar”, o “PPP”, e vai substituir o atual programa de incentivos aos funcionários públicos que contribuem para a poupança da despesa, através de propostas previamente aprovadas. A ausência de propostas deverá ser justificada pelos dirigentes das unidades funcionais.
O objetivo é tornar a administração pública mais eficiente. Atualmente já existe um programa de incentivos, mas a Iniciativa Liberal diz que tem tido resultados “residuais”. No “PPP”, o prémio deverá ser proporcional à poupança efetiva gerada no prazo máximo de um ano desde a sua implementação. A proposta dos liberais teve o apoio do Chega e da AD (PAN absteve-se; PS, Livre, PCP e Bloco foram contra).
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A outra proposta dos liberais aprovada foi o programa para cortar nas ações consultivas do Estado. A aprovação deu-se depois de o Chega ter alterado o seu sentido de voto. Com ela, o Governo terá de proceder, até ao final de 2025, à inventariação e publicitação dos organismos da administração consultiva do Estado. Isto para depois avançar para “a eliminação, fusão ou incorporação dos organismos da administração consultiva do Estado” em caso de duplicação, sobreposição ou se estiverem inativos por um período superior a seis meses.
De volta à administração pública, foram aprovadas medidas para algumas carreiras. O Bloco de Esquerda conseguiu aprovar por unanimidade a revisão das carreiras de Inspeção e Auditoria Tributária e Aduaneira, o que deverá acontecer até ao final do primeiro semestre de 2025. O acordo da função pública assinado com os sindicatos no início de novembro prevê a revisão de várias carreiras, mas não estas.
Ainda do Bloco, uma proposta aprovada numa coligação negativa obrigará a que cada profissional dos serviços e forças de segurança tenha uma avaliação da sua saúde anual para prevenir desgaste físico. Também nas forças de segurança, numa coligação negativa, o PCP viu aprovada uma medida para rever o plano de prevenção do suicídio nas forças e serviços de segurança, assim como a criação do regime jurídico de higiene e segurança no trabalho.
Em relação às forças de segurança, outra proposta veio do Chega e não teve oposição de nenhum grupo parlamentar: prevê um plano de formação em prevenção de violência doméstica para as forças de segurança e “intervenientes do foro judicial”.
Também à revelia do CDS e do PSD, os comunistas conseguiram a abertura de concursos para a integração de técnicos superiores na carreira de investigação científica. E na saúde, foi o PAN que viu aprovada a criação de um código de deveres deontológicos para os técnicos auxiliares de saúde integrados no SNS.
Mais profissões na lista de desgaste rápido?
Um grupo de trabalho nomeado pelo anterior governo tem estado a estudar a revisão da lista das profissões de desgaste rápido e o atual Governo já disse que vai apresentar as conclusões de um relatório intercalar aos parceiros sociais em dezembro. Mas isso não impediu a AD de avançar já com propostas específicas sobre duas profissões: os artesãos dos bonecos de Estremoz e as tapeteiras de Arraiolos.
Segundo as propostas de PSD/CDS, o objetivo é que seja estudada a possibilidade de equiparar estas profissões ao regime que já existe para as bordadeiras da Madeira no que toca à idade de acesso à pensão e ao regime contributivo especial. Atualmente, as bordadeiras da Madeira podem reformar-se antes da idade legal se tiverem, pelo menos, 15 anos de descontos na profissão. Isto significaria que estas duas profissões seriam incluídas na lista de desgaste rápido que já inclui 11 profissões. A AD diz que ambas as profissões implicam uma atividade fisicamente exigente face à posição ergonómica. Só a IL se absteve, todos os outros foram favoráveis.
Mas além destas duas propostas foram aprovadas outras duas, para as mesmas profissões, do PCP, à revelia da AD. Isto porque a proposta parece ir mais longe do que apenas estudar o tema porque prevê a criação de regimes de “valorização e proteção social” que devem incluir “medidas específicas” de formação e valorização profissional, de proteção social, incluindo sobre doenças profissionais, saúde e segurança no trabalho e condições de acesso à reforma. Não ficou claro como é que uma proposta se conjuga com a outra.
Há duas medidas com luz verde sobre a certificação da doença. Uma é do Chega, que a AD deixou passar, para que, no âmbito dos certificados de incapacidade temporária, seja feita uma modernização dos meios de pagamento dos pedidos de verificação para que possam ser feitos online.
A outra proposta, neste caso da AD, é para que a prestação social para a inclusão (PSI) seja paga a partir do início do mês em que foi apresentado o requerimento com comprovativo de pedido de junta médica. E não, como prevê a lei atualmente, que seja paga só a partir do momento em que haja a certificação da incapacidade.
PAN arranca na liderança das aprovações (e até consegue unanimidades)
“Fomos o partido que mais propostas conseguiu fazer aprovar no Orçamento do Estado”. Esta terá sido das frases mais repetidas por Inês Sousa Real nos últimos dois anos (por exemplo, nas últimas campanha para as europeias e legislativas) e, com base no resultado do primeiro dia de votações na especialidade, arrisca-se a voltar ao léxico da deputada única do PAN em 2025. O Pessoas Animais Natureza não teve rival no campeonato das aprovações de propostas esta sexta-feira. Foram, ao todo, 13 as medidas que o partido conseguiu integrar no documento.
Duas conseguiram, inclusive, aprovação por unanimidade. Uma autoriza o Governo a “efetuar as alterações orçamentais necessárias” para que as vítimas de violência doméstica possam passar a beneficiar do regime do Porta 65+. A outra foi apenas um dos três pontos de uma proposta, que vai garantir que no próximo ano, o Governo vai prosseguir a adaptação das casas de abrigo de vítimas de violência doméstica e dos albergues de pessoas em situação de sem-abrigo para assegurar o acolhimento de animais de companhia. Em relação à violência doméstica, as aprovações do primeiro dia ainda resultaram na aprovação da proposta do Chega para a formação das forças de segurança em prevenção de violência doméstica e do PCP para o reforço de verbas de proteção às vítimas de violência doméstica e programas dirigidos a agressores.
Voltando ao recordista do primeiro dia, e em temas caros ao PAN, o partido conseguiu aprovar várias outras medidas. Entre elas a adoção das “diligências necessárias” para ser criado um guia de proteção contra o assédio pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e a divulgação de dados sobre violência sexual baseada em imagens, sendo esta um complemento de uma medida do Governo que visa a divulgação de dados oficiais sobre violência doméstica. Para as pessoas sem-abrigo, foi aprovada a medida que dita que o Governo tem de assegurar financiamento para os protocolos assinados pelo Instituto da Segurança Social para que possam avançar os projetos relativos ao “housing first”, que pretende dar resposta às pessoas em situação de sem-abrigo.
Ainda no capítulo dos animais, uma das principais “bandeiras” do PAN, o partido conseguiu aprovar a criação de um CAE específico para associações zoófilas. No apoio às pessoas com deficiência, o PAN viu incluída no OE uma proposta que obriga o Governo a garantir meios humanos, técnicos e financeiros para apoiar as políticas de apoio a estas pessoas, no âmbito do Modelo de Apoio à Vida Independente.
400 técnicos para o INEM?
O INEM aparecia pouco nos Orçamentos. Mas este ano com a recente crise do INEM a dominar a atualidade já há várias propostas ligadas ao Instituto Nacional de Emergência Médica aprovadas. E com um reforço significativo de meios.
O PAN conseguiu colocar pressão para o Governo abrir concursos, em 2025, para a contratação de pelo menos 400 técnicos de emergência pré-hospitalar para o INEM. Neste momento decorre um concurso para entrarem 200. As carências de recursos humanos do INEM vieram a público com as greves que tiveram impacto na sua atividade. Além desta proposta, o PAN garantiu a aprovação generalizada (sem qualquer votos contra e apenas a abstenção do Chega e do PCP) para que em 2025 se estude “a viabilidade de criação de um curso de formação específica para o exercício da profissão de técnico de emergência pré-hospitalar”.
Ainda ligado ao INEM, o Chega fez aprovar a proposta para se rever a carreira especial de técnico de emergência pré-hospitalar, no primeiro trimestre de 2025. Outras propostas no mesmo sentido acabaram chumbadas.
O Chega, neste primeiro dia, garantiu a aprovação de quatro propostas de alteração, possibilitadas pelo PSD e CDS que se abstiveram em três e votaram a favor numa ligada às baixas médicas. O partido de André Ventura que não conseguia nunca ver aprovadas propostas orçamentais neste Orçamento já conseguiu quatro aprovações, incluindo o reforço dos meios técnicos para a proteção dos cabos submarinos que atravessam o território marítimo sob jurisdição portuguesa.
Apesar de 39 propostas dos vários partidos terem sido aprovadas, muitas mais ficaram pelo caminho, como alterações ao subsídio de refeição, ou aumentos dos funcionário públicos. Ainda não foi desta que o Livre conseguiu aprovar um projeto para estudar o rendimento básico incondicional nem a semana de quatro dias na função pública. As gorjetas vão continuar a pagar imposto, não tendo o Chega conseguir ir avante com a sua proposta, nem com a pretensão de dar acesso privilegiado às crianças com ambos os pais empregados às creches públicas, conforme aconteceu nos Açores. E as deduções em sede de IRS continuaram iguais face à proposta do Governo. Os trabalhadores independentes, por seu turno, não tiveram mais do que já tinha sido proposto pelo Governo que fez passar o seu IRS Jovem modificado.
As votações continuam na próxima terça-feira, 26 de novembro, dia em que se votará a proposta para aumentar as pensões do PS e a descida do IRC.