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A cadela já tinha ladrado, mas no apartamento ao lado só se terão apercebido quando a campainha tocou com um pedido de socorro: “Ajuda-me! Fui assaltado”. O vizinho, também polícia, estaria ainda meio adormecido mas apressou-se a ir até ao patamar da escada. Nunca terá entrado no apartamento onde o disparo foi feito, mas apercebeu-se logo da gravidade do que tinha acontecido — lá dentro estava um homem morto. Entre os vizinhos do prédio, onde só vivem agentes da PSP e respetivas famílias — e que só falam sob anonimato –, sabe-se que foi nessa altura que foram chamados reforços e entrou em ação uma equipa da Divisão de Investigação Criminal da PSP. Eram 3h04 de segunda-feira. Daí até à comunicação ao piquete da PJ — que tem competência para investigar homicídios — passaram mais de duas horas.
Se parede com parede ninguém terá dado conta, é ainda mais improvável que os outros vizinhos se tivessem apercebido. Um deles diz mesmo ao Observador que o tiro no peito do alegado assaltante deve ter sido à “queima roupa”. Como polícia, sabe que de outra forma o “som do fumo que sai após o disparo” tinha sido audível em todo o prédio, apesar de as casas, diz, “terem um bom isolamento acústico”. “Mas também não sei se foi isso que aconteceu. Só quem conhece a casa sabe o quão curto é o espaço de manobra. Eu não faço a mínima ideia”, assegura.
Foi só após o prédio, na Rua Actriz Maria Matos, em Benfica, ter sido alertado pelo comportamento pouco habitual do animal, que o polícia, do Corpo de Segurança Pessoal da Unidade Especial, terá tocado à campainha do vizinho do lado, pedindo que chamasse reforços.
O vizinho, segundo apurou o Observador, terá ligado imediatamente para o 112, cerca das 3h01, tendo os polícias de serviço chegado às 3h04. Nesse momento, junto ao prédio continuava, dentro do carro, uma mulher que seria cúmplice do assaltante, de acordo com a versão apresentada pelo autor do disparo. Esta quarta-feira, aliás, esta suspeita ficou em prisão preventiva, por estar fortemente indiciada pelos crimes de sequestro e roubo.
Naquela rua pouco se sabe sobre o que aconteceu ali e muito menos sobre a viagem entre Algés e Benfica — o eixo em que tudo terá acontecido. O que se sabe foi o que a PSP se apressou a dizer na segunda-feira, com muita prudência — inclusivamente com a ressalva de que se tratava da reprodução da versão apresentada pelo agente: “Tendo por base as informações disponíveis de momento e apenas facultadas pelo polícia visado […], um polícia do efetivo da Unidade Especial de Polícia (UEP) da PSP, na zona de Algés, terá sido alvo de roubo com ameaça de arma”. Seria por volta das 2h00.
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“Um suspeito terá entrado na sua viatura e obrigado a vítima a entrar numa outra viatura (conduzida por outro suspeito) e à posteriori a deslocar-se a um multibanco e de seguida à sua residência”, refere a PSP, baseando-se na versão do seu agente. Depois disso, “já no interior da residência, a vítima terá conseguido chegar à sua arma de serviço, tendo usado a mesma, neutralizando o suspeito, que acabou por perder a vida no local”.
As pontas soltas que ainda existem e que são referidas por um dos vizinhos é o que a investigação, a cargo da Polícia Judiciária, tenta agora esclarecer, não descartando para já outras linhas de investigação que não a do sequestro. O Observador sabe que os trabalhos estão numa fase inicial, estando por isso tudo em aberto.
“Emboscada? Ele até disse que tinha a filha em casa para tocar no coração deles”
“Fala-se [nas notícias] numa emboscada. Como assim? A pessoa está a ser assaltada e faz uma emboscada ao assaltante?”, questiona um vizinho do prédio, assegurando que, na versão que conhece da história, o polícia não atraiu os suspeitos até casa para matar um deles.
“Os outros é que o obrigaram a vir para cá”, segundo lhe contaram. “Ele até disse que tinha a filha em casa para ver se lhes tocava no coração, mas eles não quiseram saber”, adianta. A verdade é que tanto a filha, como a mulher do agente estavam de férias. Tinham ido à terra, no norte do país, passar a Páscoa.
“Mas claro que se chega a casa e tem acesso à arma, dispara. O que ele fez, qualquer um fazia, não tenho a menor dúvida. Eu faria, sem hesitar. Portanto, não errou, esteve bem a 100%“, acrescenta o vizinho.
Desde a madrugada de segunda-feira, nunca mais ninguém viu, nem falou com o agente — já antes, aliás, havia pouco contacto com aquele vizinho, apesar de serem todos polícias. Um dos moradores do prédio da Rua Actriz Maria Matos, estava fora quando tudo aconteceu e ainda hoje só sabe o que vê nas notícias. “Estava de férias. Vi tudo pela televisão e perguntei aos outros o que se tinha passado, mas não sabiam de nada além do que era público”, recorda ao Observador.
O mesmo morador admite que, tal como o anterior, ainda não se cruzou com o agente e também que “não o tem visto ou falado com ele”. No entanto, tendo já trabalhado com ele em tempos, avança com uma descrição: é “uma pessoa super tranquila”, que não costuma levar pessoas de fora do seu círculo para casa.
Também outro vizinho descreve o polícia do Corpo de Segurança Pessoal como “uma pessoa muito reservada”, que fala quando necessário, mas que não conversa sobre detalhes da vida privada. “Ele mora aqui há vários anos e eu nem sabia que ele conduzia, quanto mais que tinha carro”, acrescenta, referindo-se ao carro do agente que foi recuperado pela PSP no descampado para onde alegadamente foi levado.
PSP abre processo disciplinar a agente que disparou mortalmente contra suposto assaltante
“Nunca tinha acontecido nada do género por aqui”
A poucos metros do prédio onde tudo aconteceu, no Café Lima, as atenções estão bem longe deste homicídio. “Não, quem morreu foi o velhote Luís”, ouve-se um homem a dizer a outro, numa conversa que nada tem a ver com o alegado sequestro. Ao balcão, a funcionária, que também não quis identificar-se, confirma ao Observador que por ali pouco se tem falado sobre o caso.
“Alguns comentam a dizer que não acreditam que isto tenha acontecido, mas a maior parte não fala sequer sobre o assunto. Também ninguém conhecia o PSP”, garante ao Observador.
E um caso com estes contornos nem sequer é comum naquele bairro, explica, acrescentando que, apesar de “passar pouco tempo no café” – está lá apenas umas horas para substituir o filho antes de entrar num outro trabalho – “nunca tinha ouvido nada do género”.
A mesma memória é partilhada por uma moradora do prédio em frente ao do agente. “Nunca tinha acontecido nada do género por aqui. Nem mesmo com O Companheiro aqui ao lado”, diz, referindo-se à Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) que dá apoio na inclusão socio-profissional de ex-reclusos, que fica na rua paralela à rua Actriz Maria Matos.
Também esta mulher diz não ter ouvido nada do que se passou na segunda-feira, culpando os “comprimidos para dormir” por a terem colocado num sono ferrado. “Mas falei com outros vizinhos aqui do prédio e também não deram por nada“, assegura ao Observador.
PSP chegou ao local e deteve suspeita no carro
Pouco passava das 3h, quando os elementos fardados da PSP chegaram ao prédio da Rua Actriz Maria Matos. A partir desse momento, o que aconteceu já é do conhecimento da polícia. De facto, quando os agentes de serviço — da Divisão de Investigação Criminal da PSP — chegaram, estava dentro do apartamento do agente um cadáver, com sinais de ter sido baleado.
Além disso, como confirmou a PSP logo na segunda-feira, a mulher, suspeita de ser cúmplice do sequestro, foi localizada e detida junto ao local onde tudo aconteceu — estaria, aliás, próximo da entrada do prédio dentro do seu carro, o tal BMW cinzento.
A partir daí, por se tratar de um homicídio, a PSP garantiu a preservação do local da casa e do carro usado — onde se encontrava a mulher. “O local da ocorrência e a viatura usada foram devidamente preservados e entregues à Polícia Judiciária para a consequente investigação”, explicou na segunda-feira a PSP.
Piquete da PJ acionado às 5h10. Não houve informação sobre ida ao Multibanco
O Observador sabe que a comunicação por parte da PSP de Lisboa ao piquete da Polícia Judiciária foi feita pelas 5h10 do dia 1 de abril, dando conta de uma ocorrência que envolveu um agente da PSP. Segundo essa informação inicial tinha havido um disparo fatal sobre um homem suspeito de roubo.
Segundo transmitido pela PSP à Judiciária, o agente teria sido abordado pelo suspeito, que carregava uma pistola, na via pública quando estava no seu carro particular, em Algés.
Nesta comunicação, porém, não há referência a uma qualquer ida ao multibanco antes de se deslocarem para o apartamento, apenas que o agente foi obrigado a ir até um descampado, onde estaria a mulher, que seria cúmplice. A partir daqui a versão bate certo com a da PSP, que dá conta de que o agente foi obrigado a ir até sua casa, onde conseguiu defender-se com uso da arma de serviço.
Foi ainda comunicado ao serviço de prevenção de homicídios da PJ que a mulher ficou no exterior e que acabou detida pelos agentes da PSP que se deslocaram ao local. Esta quarta-feira a suspeita acabaria por ficar em prisão preventiva, a medida de coação mais gravosa, por estar fortemente indiciada dos crimes de sequestro e roubo.
Quanto ao agente, já voltou ao serviço, privado de arma, e já foram abertos dois processos para apurar a sua conduta. Depois de a Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI), esta quarta-feira foi a Direção Nacional da PSP a anunciar a abertura de um processo disciplinar.