Índice
Índice
A comissão parlamentar de inquérito (CPI) sobre a TAP tomou posse a 22 de fevereiro, já João Galamba ocupava a mesa deixada vaga pela demissão de Pedro Nuno Santos. Quase cinco meses depois os trabalhos terminaram, com um relatório só votado favoravelmente pelo PS. Branqueamento e omissões é o que a oposição vê no relatório. Factos é o que vê o PS.
Cinco meses de trabalhos em que se descobriram vários casos que foram vistos como interferência política na transportadora. Os protagonistas desta história também foram mudando. Mantiveram-se uns, foram entrando outros. E outros foram saindo. Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja foram demitidos. Frederico Pinheiro exonerado. A TAP tem um novo presidente, Luís Rodrigues, que não foi chamado para este filme.
Quem foram os protagonistas desta comissão de inquérito que teve cerca de 200 horas de reuniões, 46 audições a depoentes (num total de 156 horas e 17 minutos) e um acervo documental já disponibilizado ao Ministério Público, IGF e Tribunal de Contas.
Governos
João Galamba, o exonerador
Podia ter ficado para o fim da comissão de inquérito a sua audição, mas acabou por ser antecipada depois dos acontecimentos de 26 de abril no Ministério das Infraestruturas após a exoneração do seu adjunto Frederico Pinheiro. Foi nessa audição que Galamba revelou ter sido o secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro a falar-lhe do SIS e que disse a António Costa que os serviços secretos tinham sido alertados.
Foi também nessa audição que André Ventura tentou ficar (sem sucesso) com o seu telemóvel. Galamba foi ouvido durante várias horas. Normalizou as reuniões entre deputados e gestores de empresas públicas.
Mas boa parte das perguntas a Galamba foram mesmo sobre os acontecimentos de 26 de abril no seu Ministério, depois de ter exonerado o seu adjunto Frederico Pinheiro (que disse ter recebido ameaças físicas de Galamba nesse telefonema de exoneração, mas que Galamba volta a versão: “Afirmo que fui ameaçado por Frederico Pinheiro e não foi pouco”) que foi buscar o computador ao Ministério o que levou à intervenção da PSP e mais tarde do SIS.
A nova versão de Galamba sobre as secretas e o embate com o ex-adjunto
João Galamba foi protagonista desta comissão de inquérito, mas isso não está espelhado na versão final do relatório. Entrou para o ministério das Infraestruturas, para substituir Pedro Nuno Santos, em janeiro e em poucos meses ficou a conhecer a auditoria da IGF, despediu dois gestores da TAP, lançou o novo processo de privatização, exonerou um adjunto (levando aos acontecimentos de 26 de abril) por causa de notas sobre reuniões que tinham de ser entregues à CPI, reuniões em que (num caso) esteve presente e noutro autorizou a ex-CEO a participar. A sua cabeça foi vastamente pedida pela oposição e até pelo Presidente da República. António Costa travou mesmo depois do ministro ter pedido para sair. João Galamba continua a ser ministro das Infraestruturas.
Pedro Nuno Santos, o filho pródigo
Para o chairman da TAP, Manuel Beja, não havia dúvida de que Pedro Nuno Santos era quem decidia o que era importante para a companhia aérea, e apesar da delegação de competências feita no secretário de Estado, Hugo Mendes. O gestor revelou quatro tentativas sem sucesso para chegar à fala com o então ministro das Infraestruturas nas semanas decisivas de negociação do acordo de rescisão com compensação de Alexandra Reis. Sabemos pela sua chefe de gabinete à altura (Maria Araújo) porque estava Pedro Nuno Santos incontactável. O ministro “esteve sempre em campanha eleitoral em Aveiro” e numa das vezes esteve num comício, tendo sido muito difícil de contactar. Pedro Nuno percebe a insatisfação, mas garantiu que atende quando pode.
O ex-ministro, na qualidade de filho pródigo, iniciou a sua reabilitação política numa audição fácil, na comissão de economia, onde atacou a privatização feita pelo PSD e o negócio dos fundos Airbus, e esvaziou o dramatismo da sua inquirição na CPI. Assumiu que o processo Alexandra Reis correu “objetivamente mal”, mas considerou que tirou todas as consequências políticas quando se demitiu e lançou frases de grande efeito: “Há verdades são mais inverosímeis que a mentira, mas não vou passar a mentir porque a mentira parece mais credível que a verdade”.
E na verdade, segundo o próprio, teve intervenções em três momentos. Aceitou a saída de Alexandra Reis pedida por Christine Ourmières-Widener porque lhe quis permitir uma comissão executiva coerente, coesa e na qual a CEO (que não tinha podido escolher a equipa). Depois quando sinalizou que o montante pedido por Alexandra Reis era demasiado elevado e finalmente quando deu a luz verde final aos 500 mil euros, estas duas interações aconteceram por WhatsApp e iMessager e Pedro Nuno Santos não tinha memória delas até as procurar já depois de se ter demitido no final de 2022, no mesmo dia em que Hugo Mendes, o secretário de Estado que acompanhou todo o processo, se demitiu. A descoberta dessas mensagem, com a ajuda da então chefe de gabinete, foi como uma segunda demissão. “Foi uma decisão minha com todo o custo”.
Pedro Nuno Santos negou interferência na gestão da companhia. “Era claro que as coisas tinham de correr bem e eu não percebo nada de aviação”, com uma exceção — a renovação da frota automóvel que a TAP deixou cair devido à enorme repercussão política que teve. O ex-ministro justificou a perceção de interferência com o seu estilo pessoal que, afirmou, não corresponde à realidade. “Entreguei-me de corpo e alma ao dossiê da TAP. Dei o corpo às balas. Mas sabia que a melhor forma de contribuir era não me meter na gestão”.
E ainda mandou alguns recados ao seu sucessor, elogiando o adjunto que deixou no gabinete e que João Galamba demitiu — Frederico Pinheiro — e sublinhando: “Eu não fui demitido, quando decidi demitir-me, demiti-me”.
Hugo Mendes, o comprometido
Hugo Mendes foi atirado à inquirição dos deputados sem nenhum ensaio e depois de ter ficado em silêncio durante meses em que foi alvo de vários ataques e acusações, sobretudo por parte dos ex-gestores da TAP que foram demitidos. O “braço direito” tinha muito menos a perder que Pedro Nuno Santos pela simples razão que já tinha perdido quase tudo ao nível de carreira política. A sua audição foi um misto de culpas assumidas, mas também de contra-ataques bem adjetivados — absurda, grave, ridícula — ideias repetidas pelos deputados — o que levou o presidente Lacerda Sales a admoestá-lo para não “destratar” a comissão de inquérito.
Hugo Mendes descreveu o conselho dado à presidente executiva da TAP para acomodar o pedido de voo do Presidente — com o argumento invocado por escrito (num email) de que ele (Marcelo) era “o nosso maior aliado (da ajuda pública à TAP), mas pode transformar-se no nosso maior inimigo — como uma “opinião sem dúvida infeliz”. Mas negou ter dado instruções até porque a decisão de Christine foi a de não alterar o voo. Quando foi revelado no arranque da CPI, este episódio gerou uma reação forte do primeiro-ministro — teria obrigado Pedro Nuno Santos a demiti-lo. Já o ex-ministro afastou esse cenário, caso tivesse sabido, um testemunho à lealdade que tinha ficado demonstrada um dia antes pelo seu ex-secretário de Estado que nunca o colocou em cheque na inquirição.
O segundo momento em que “esteve menos bem” foi na reunião de 26 de dezembro do ano passado, em que se redigiu um documento com os esclarecimentos que os ministros das Infraestruturas e das Finanças pediram à TAP, na sequência do acordo com Alexandra Reis. Apesar de não ter informações detalhadas sobre o quadro jurídico ou as parcelas para o cálculo da indemnização (não obstante, ter estado envolvido no processo para apurar o valor final), Hugo Mendes justifica o ter participado na preparação da resposta da companhia. “Estive na reunião, porque tendo validado o valor da compensação julguei meu dever saber de viva voz as respostas”, mas reconhece que deveria ter saído quando o consultor que representou a TAP iniciou a redação da resposta.
Hugo Mendes rejeitou ainda tese — “absurda, grave e irresponsável” — de que deu ordens a Christine Ourmières para não falar com mais ninguém do Governo, para além do Ministério das Infraestruturas. E negou conhecer os detalhes da solução jurídica. “Eu pus-me na mão dos advogados”, sublinha. “Não é o Governo que tem de fazer isso. Se não, gerimos a empresa da Barbosa Bocage [rua do ministério das Infraestruturas]. Já agora com os salários deles”. E descreveu a TAP, nos anos em que acompanhou o dossiê entre 2020 e 2022, como uma “história de sacrifícios, suor e lágrimas”, numa referência aos trabalhadores, mas na qual também se identificará.
Fernando Medina, o poupado
O ministro das contas certas foi também um ministro poupado na comissão de inquérito. Em particular no relatório final que só em quatro vezes Fernando Medina é mencionado, sendo duas delas citações da sua inquirição sobre os contratos de gestão da TAP e outra sobre os acordos com trabalhadores. De resto há uma ligeira menção ao ministro das Finanças, mas pouco extensa, sobre a demissão de Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja. Essas demissões foram anunciadas em conferência de imprensa por Fernando Medina, ao lado de João Galamba. Mas pouco resta no relatório, que, no entanto, reforça a falta de informação das Finanças sobre o processo de saída de Alexandra Reis e que resultou no pedido de auditoria à Inspeção Geral das Finanças que, por sua vez, levou à demissão dos gestores.
Esta entidade, tutelada pelas Finanças, foi, até, em alguns momentos, colocada em causa na sua independência. Durante a existência da comissão de inquérito, Medina esteve em várias polémicas, nomeadamente pela existência (ou não) de um parecer jurídico para a demissão dos gestores. Afinal, foi entregue à JurisApp, do Estado, sem que tenha sido pedida assessoria a escritórios de advogados. A centralidade de Medina ainda aconteceu pelo facto de Alexandra Reis ter sido sua secretária de Estado (por pouco tempo) do Tesouro.
O ministro das Finanças não chegou a dizer como tinha aparecido o nome de Alexandra Reis. Poupou nas palavras.
O tabu de Medina. Ministro sob ataque e sem atalhos na última audição da comissão de inquérito à TAP
Miguel Cruz, o centralizador
Se há membro do Governo que se entregou quase na exclusividade à gestão da TAP nos anos críticos de 2020 a 2022, terá sido Miguel Cruz. O pouco conhecido secretário de Estado do Tesouro de João Leão foi o responsável pelas intensas e delicadas negociações com a Comissão Europeia sobre o plano de reestruturação e a ajuda pública de 3,2 mil milhões de euros. Antes dessa missão, Miguel Cruz já conhecia muito bem a TAP porque foi presidente da Parpública durante o primeiro Governo de António Costa quando foi negociada a recompra com os acionistas privados. Foi o seu desempenho nesses anos que motivou a qualificação de ter um “perfil centralizador” feita por um ex-colega na administração da empresa pública para justificar também a falta de respostas para as perguntas que lhe faziam.
Miguel Cruz não sabia da indemnização paga a Alexandra Reis, apesar da interação próxima e frequente com o administrador financeiro. Não comunicar a decisão ao Ministério das Finanças foi uma falha, mas o ex-secretário de Estado defendeu Gonçalo Reis, indicando que quem tinha de fazer esse reporte era a empresa e não o CFO.
Já sobre os 55 milhões de euros pagos pelo Estado, Miguel Cruz era o homem certo para dar explicações, depois de muitos ex-governantes e gestores da TAP terem descartado qualquer conhecimento ou intervenção no processo que determinou esse valor. Ainda que essas explicações, não tenham sido suficientemente esclarecedoras para os deputados que repetiram as mesmas perguntas aos outros decisores políticos — os ex-ministros Pedro Nuno Santos e João Leão que deram as mesmas informações.
Revelando que o consultor jurídico do Estado, a VdA, alertava para o alto risco de o Estado ser processado e obrigado a reembolsar David Neeleman de todo o dinheiro que o empresário tinha posto na TAP (apesar de este dinheiro não ser dele, mas da Airbus, o que na altura não era conhecido). Ou seja, 224 milhões de euros. E o critério para o preço a pagar, “era o valor mínimo que permitisse ao Estado entrar (mandar) na TAP e que permitisse salvar a TAP”. Foi instrução dada aos advogados, tendo depois o valor sido validado pelos ministros das Finanças e Infraestruturas.
Pedro Marques, o pressionado
Para um governante cujo envolvimento nos temas centrais da CPI se limitou ao processo de recompra da TAP, negociado entre 2016 e 2017, a audição a Pedro Marques foi excecionalmente longa e com muita pressão por parte dos partidos, em particular do PSD. Dias antes, na comissão de Economia, o ex-ministro das Infraestruturas tinha acusado o Governo do PSD/CDS de” decisão muito grave” quando em 2015 e para garantir o fecho da venda da TAP, autorizou cartas de conforto aos bancos credores da companhia que, na prática, obrigavam o Estado a assumir toda a dívida da TAP, mesmo aquela que tinha sido contraída na gestão privada (disse), em caso de incumprimento.
Esta operação transformava o “direito do Estado em comprar o capital em uma obrigação incrível para o Estado, mesmo que a TAP estivesse espatifada” e o Estado “era obrigado a comprar”.
Pedro Marques justifica também assim a reversão feita pelos socialistas. Não apenas por razões ideológicas, mas também para corrigir este desequilíbrio e recuperar controlo estratégico já que a exposição financeira estava lá. Esta versão foi muito atacada dentro e fora da comissão de inquérito, com o ex-secretário de Estado das Infraestruturas do PSD que autorizou as cartas, o atual vice-presidente do PSD, Miguel Pinto Luz, a contrariar em comunicado Pedro Marques ainda durante as inquirições.
Os deputados da oposição foram à auditoria do Tribunal de Contas buscar a munição para fragilizar os argumentos do ex-ministro, na qual se conclui que a recompra conduzida por Pedro Marques aumentou as responsabilidades financeiras do Estado na TAP — conclusão que o ex-ministro contrariou — mas que para muitos ficou comprovada com o pagamento de 55 milhões de euros feito pelo Estado para se livrar de Neeleman por causa, reconheceram vários governantes socialistas, das cláusulas do acordo parassocial assinado em 2017.
Pires de Lima, o político
O ex-ministro da Economia que veio do CDS é gestor há vários anos e está afastado da atividade partidária, mas nas duas audições em que respondeu pela privatização da TAP, Pires de Lima não se esqueceu das lições da política… uma das quais é que o ataque é a melhor defesa.
Já depois de ter ido à comissão de Economia justificar as operações associadas privatização da TAP, como as cartas de conforto e os fundos Airbus, Pires de Lima contra-atacou logo na intervenção inicial na CPI as declarações do primeiro ministro socialista das Infraestruturas. Pedro Marques disse que a venda de 2015 como um “modelo em que os lucros iam para os privados e os prejuízos ficavam para o Estado”.
“Não é verdade. Não é verdade. E estou a ser simpático”. Antes pelo contrário, Pires de Lima disse que foi por culpa do acordo revisto pelos socialistas em 2017 (e conduzido por Pedro Marques), que na saída do acionista privado da TAP em 2020 os “lucros foram todos para Neeleman (55 milhões de euros), e os custos ficaram para os portugueses”.
Citando os “pobres ministros Pedro Nuno Santos e João Leão”, argumentou que foi devido a esse acordo que o Estado teve a necessidade de pagar os 55 milhões de euros — já com Pedro Nuno Santos na pasta — ao empresário americano que seriam “totalmente desnecessários” no acordo inicial de 2015, como aliás já afirmado o seu ex-secretário de Estado, Sérgio Monteiro, segundo o qual, o Estado teria de ter pago no máximo os 10 milhões de euros que Neeleman e Pedrosa entregaram em 2015 pelas ações da TAP.
O ex-ministro de Pedro Passos Coelho que agora é presidente da Brisa, deixou ainda uma nota de ironia aos socialistas. “Não há maior sinal de inteligência do que mudar de opinião, dou os parabéns ao Governo do PS por estar empenhado com a privatização no segundo semestre”, lembrando que as condições “vão ser diferentes” da venda de 2015, porque hoje a TAP “tem capital em abundância”.
António Costa, o outsider
Não foi ouvido, não foi testemunha, não lhe foram endereçadas questões. E no relatório nem uma palavra. É o primeiro-ministro de um Governo que viu o ministro das Infraestruturas pedir a demissão por causa da indemnização a Alexandra Reis, que já, antes, se tinha demitido da secretaria de Estado do Tesouro. E que ainda levou à saída de outro secretário de estado, Hugo Mendes. A TAP provocou baixas no Governo. António Costa chamou João Galamba para substituir Pedro Nuno e ainda não pararam os pedidos para que demita este seu governante. António Costa disse que no final da comissão de inquérito tiraria as suas ilações “doa a quem doer”. E é por isso que a oposição acusa a relatora do inquérito de ter escrito um documento que podia iliba João Galamba, o que servirá de desculpa para o primeiro-ministro não tirar as responsabilidades políticas.
Assim, o primeiro-ministro tentou distanciar-se do que se passava na comissão de inquérito. Estes trabalhos terminaram, mesmo na véspera do debate do Estado da Nação.
Frederico Pinheiro, o fotocopiador
“Deslocava-se a horas impróprias ao gabinete e tirava cópias, muitas cópias e impressões. Não sabe muito bem do quê”. A afirmação foi feita por João Galamba, sobre Frederico Pinheiro, o adjunto que exonerou que sustentou essas deslocações pelo facto de ter filhos pequenos e, por isso, para estar com eles ia para casa e voltava ao ministério para trabalhar quando já estavam a dormir.
Mas Frederico Pinheiro acaba por ser central nesta comissão, não pelas fotocópias, mas pela exoneração e consequentes acontecimentos que levaram a PSP ao Ministério e o SIS a contactá-lo para devolver o computador. Um computador que tinha documentos classificados, nomeadamente o plano de reestruturação. A chefe do gabinete de Galamba, Eugénia Correia, disse mesmo que o computador de Frederico era o único com este plano, que não se encontrava no arquivo do ministério. Exonerado Frederico Pinheiro ainda ficou, na comissão, sem o telemóvel que acabou na PJ.
Frederico Pinheiro era um desconhecido da maioria dos portugueses antes da comissão. Passou a ser figura pública e até mereceu longas horas de transmissão da audição cujas versões não coincidiram com a de Eugénia Correia nem com a de João Galamba. Compareceu na comissão de inquérito acompanhado por João Nabais, advogado de crime.
TAP
Alexandra Reis, a profissional
A comissão de inquérito que começou com o caso Alexandra Reis, acabou com com poucas referências a esta protagonista, com alguns inquiridos a questionar até a falta de perguntas sobre a demissão com indemnização da gestora da TAP. O pagamento de meio milhão de euros a Alexandra Reis foi noticiado na véspera de Natal e fez da gestora a primeira vítima pública e política com a demissão do cargo de secretária de Estado, onde estava há poucas semanas. Apesar de sinalizar a ilegalidade do acordo para rescindir feito com um administrador, em termos que violam o estatuto do gestor público, e de afirmar que Alexandra Reis não devolveu uma parte dessa indemnização quando foi para a administração da NAV, como mandava a lei, a auditoria da Inspeção-Geral de Finanças não lhe apontou grandes culpas, limitando-se a recomendar que a TAP exigisse o reembolso da parte ilegal do valor pago à gestora, na prática quase todo.
Alexandra Reis comprometeu-se logo a acatar esta consequência, ainda que discordando dos fundamentos legais e dos valores, e o facto de ter tentado várias vezes devolver o dinheiro, sem que a TAP desse seguimento ao pedido, como contou na sua audição, foi um ponto a favor dela. Só no final de maio, as contas ficaram saldadas com o reembolso do valor líquido exigido pela TAP de 266,4 mil euros…. mais juros de mora (a indemnização tinha sido paga em fevereiro de 2022) de 10 mil euros.
Sobre a saída da TAP, a gestora confessou não ter uma “perceção muito efetiva” sobre os motivos que levaram à sua saída, para além da vontade da presidente executiva. “Li no relatório da IGF que seriam divergências irreconciliáveis. Ontem ouvi que seria uma questão de perfil. Não consegui entender. Eu também poderia dizer que a CEO poderia não ter o perfil ,mas não vou dizer. Não consigo identificar razões especificas”, uma versão que acabou por ficar plasmada no relatório final apresentado pela deputada Ana Paula Bernardo.
Afirmando que aceitou negociar porque não queria criar um problema institucional na empresa. revelou vários braços de ferro com a ex-CEO da TAP motivados por planos de Christine que iriam custar dinheiro — a mudança de sede, a renovação da frota automóvel e contratações de chefias feitas no estrangeiro, Alexandra Reis confirmou também que deu ordem para o seu departamento travar a análise à proposta comercial feita pelo marido da então CEO à TAP, “porque havia um conflito subjacente”, sem todavia a relacionar diretamente com a sua demissão.
Ao longo das audições, Alexandra Reis foi quase sempre elogiada pelo seu profissionalismo, dedicação e empenho à TAP. Desde os membros do Governo — Miguel Cruz, Pedro Nuno Santos, Fernando Medina, Hugo Mendes (que a convidou para a presidência da NAV) — passando por ex-gestores da TAP. “Era competente, trabalhadora e inteligentíssima”, disse Pedro Nuno Santos.
Apenas Fernando Pinto assinalou que a gestora tinha “um perfil algo conflituoso”, ainda que extremamente focada e com um bom desempenho. Os maiores elogios vieram de Humberto Pedrosa, o ex-acionista privado que a levou para a TAP e a promoveu à comissão executiva e depois de toda polémica a contratou como consultora.
Christine Ourmières-Widener, o bode expiatório
Foi uma das protagonistas do drama que em três meses fez rolar duas cabeças na chefia da TAP, incluindo a dela que quando estava em funções foi comparada a Maria Antonieta, e três membros do Governo incluindo todo poderoso ministro da TAP e a sua antiga rival na TAP.
Christine que se queixou de não ter sido ouvida presencialmente pela Inspeção-Geral das Finanças na auditoria que atribuiu a maior culpa da decisão “ilegal” de pagar para despedir uma colega da administração, teve duas audições ao vivo no Parlamento para dar os seus argumentos. E foi por causa da primeira audição que a segunda atingiu um momento de grande dramatismo — e que viria a ser o rastilho para uma série de acontecimentos inesperados. Quando se vira para o coordenador dos socialistas e identifica num inglês com sotaque francês Carlos Pe rei ra como o deputado que esteve presente numa reunião que antecedeu a sua primeira ida ao Parlamento para dar explicações, promovida pelo Ministério das Infraestruturas de João Galamba.
Houve mais momentos dramáticos na sua audição, como quando revelou a conversa que teve na véspera do anuncio das conclusões da IGF (e das suas consequências) com Fernando Medina que a convidou a demitir-se (o que recusou), mas que, segundo Christine nunca a avisou de que seria demitida com justa causa (sem direito a indemnização).
Christine tentou comprometer todos na decisão de afastar Alexandra Reis, sobretudo os membros (ainda que demitidos) do Governo que decidiu despedi-la por ter-se limitado a avançar com um processo, de acordo com o conselho de juristas respeitados, e com a autorização expressa da tutela. E queixou-se de enormes pressões políticas na sua gestão da TAP, das quais aliás havia provas nos documentos já na posse dos deputados. Outro dos momentos altos da sua audição foi quando Bernardo Blanco da Iniciativa Liberal leu um mail de Hugo Mendes a aconselhar a então CEO da TAP mudar de dia um voo de Moçambique para acomodar uma viagem do Presidente da República, a que não cedeu. Já a ex-chefe gabinete de Pedro Nuno Santos, Maria Araújo, deu outra versão, dizendo que a gestora francesa “pedia muito conforto e validação à tutela”.
A ex-CEO da TAP, que entretanto arranjou emprego, deixou no ar a ameaça de processar o Estado para pedir uma reparação financeira (ainda por concretizar) e sugeriu ter direito a receber bónus pelo desempenho económico e financeiro da TAP, cujos resultados de 2022 ultrapassaram as metas do plano. Uma reivindicação que fez junto de Pedro Nuno Santos. O ex-ministro confirma que estava contente com os resultados, mas garante que nunca lhe prometeu pagar qualquer bónus, até porque Christine não chegou a assinar um contrato de gestão e os indicadores da TAP que iriam determinar o direito a prémio não chegaram a ser fixados.
E se perdeu o cargo, os salários e os prémios previstos e a reputação (profissional), Christine sai da CPI mais como vítima dos excessos do Governo na TAP — cuja responsabilização foi apenas de natureza política — a demissão (e nem assim com efeitos duradouros no caso de Pedro Nuno Santos.) Isto apesar de alguns episódios pessoais menos simpáticos — como o uso de carros da empresa para fins pessoais (e que fez o chairman Manuel Beja perder a paciência e criar regras) e a proposta comercial feita pela empresa do marido à TAP quando Christine Ourmières era presidente. Terá sido esta a razão para demitir Alexandra Reis (que deu ordens ao seu departamento para recusar a proposta)? Christine desvalorizou o tema e justificou a sua decisão de afastar a gestora com o desalinhamento face à execução do plano de reestruturação e uma falta de perfil para um novo cargo que queria criar na equipa executiva.
O resultado no papel do relatório da comissão de inquérito foi o mesmo que estava na auditoria da IGF e que aponta o dedo à ex-CEO da TAP que se queixou de ter sido sido usada como “bode expiatório” pelos políticos. Mas Christine acaba por sair desta CPI com alguns trunfos e até ouviu na última audição o ministro que a despediu, Fernando Medina, a elogiar os resultados da sua gestão na TAP e a reconhecer que a gestora (como os outros envolvidos) atuou de boa fé.
Manuel Beja, o executante involuntário
O discreto chairman da TAP sofreu a mesma sanção que a presidente executiva, o despedimento dito por justa causa, apesar de o seu envolvimento no processo que resultou na saída de Alexandra Reis se ter limitado a assinar o acordo e, mesmo assim contrariado. Manuel Beja relatou que estava contra a saída da administradora (apesar de reconhecer as divergências crescentes com a CEO), tendo feito esforços para a evitar, mas que não foram bem sucedidos, em parte porque os seus pedidos para reunir com o ministro das Infraestruturas, o “decisor” não foram atendidos. O acordo não foi ao conselho de administração da TAP e era a imprescindível uma segunda assinatura para ter força legal, daí a pressão feita por Christine sobre Manuel Beja para assinar rapidamente, o que este fez porque era evidente que o acordo tinha o aval da tutela e não ia desafiar uma orientação do acionista.
Não ficou claro porque é que não tentou contactar com a tutela financeira da TAP, tanto mais que ficou evidente que fez muitos contactos com o Ministério das Finanças por causa dos contratos de gestão que ficaram por assinar com os gestores da TAP e o problema do seguro corporativo que os administradores pediam e que não estavam abrangido pelos estatutos do gestor público.
Manuel Beja foi mais uma voz da TAP a denunciar “ingerência” do Governo na TAP cuja tutela política da gestão pública até começou bem com o empenho de Pedro Nuno Santos e Miguel Cruz em intervir para salvar a TAP e negociar com a Comissão Europeia, mas que “perdeu o norte” com o “princípio da não interferência” a ser “progressivamente substituído pela prática de controlo” (mais apontada a Pedro Nuno Santos) que perante a repercussão mediática da ajuda à TAP passou a querer controlar até os comunicados de imprensa.
Gonçalo Pires, o ilibado
Foi uma das primeiras audições e durante as primeiras semanas, o administrador financeiro da TAP que sobreviveu às demissões na cúpula executiva da transportadora pareceria ser um forte candidato a mais uma saída. A demissão de Gonçalo Pires foi pedida por alguns partidos da oposição, com o argumento de que o gestor teria sido cúmplice do processo de saída de Alexandra Reis, ou que teria tido conhecimento dos termos do acordo sem o ter comunicado à tutela financeira, já que respondia ao Ministério das Finanças.
O gestor confirmou um conhecimento tardio da decisão — mas não do valor, nem dos contornos do acordo, tal como dizia a IGF no relatório que o ilibou de responsabilidades. Esse desconhecimento alegado, que não foi contrariado de forma convincente por outros testemunhos ou documentos, também não permitiu concluir de forma inequívoca de que tinha mentido quando assinou o comunicado à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários a anunciar a renúncia de Alexandra Reis. Gonçalo Reis desvalorizou o seu envolvimento em todo o processo, afirmando ainda que a indemnização de meio milhão de euros não teria exigido a sua aprovação expressa por estar enquadrada no montante previsto para indemnizações, nem uma comunicação à tutela financeira por não ter impacto financeiro na TAP.
Com o tempo e o desviar das audições para outros temas, o papel de Gonçalo Pires perdeu ainda mais relevância nos trabalhos da CPI.
20 perguntas para testar os seus conhecimentos sobre as várias polémicas ligadas à TAP
Fernando Pinto, o gestor consultor
Já não estava em funções há cinco anos, depois de 18 anos à frente da TAP, mas ainda foi um nomes mais citados no CPI. Fernando Pinto não foi chamado para uma audição — devido à dupla nacionalidade e ao facto de não ter residência em Portugal. A comissão de 1,6 milhões de euros que recebeu por consultoria à administração privada durante dois anos foi um dos exemplos mais citados à esquerda das benesses que a TAP privatizada distribuiu pelos gestores — entre prémios sem ligação direta aos resultados, indemnizações por saída e uma pré-reforma “ilegal” — com a conivência do Estado. Nas respostas por escrito, o ex-presidente da TAP justifica o contrato com cláusulas de não concorrência e exclusividade (para não aceitar convites da concorrência direta).
Esta consultoria foi muito valorizada por Lacerda Machado, ex-representante do Estado no conselho, e por Antonaldo Neves, o presidente executivo que lhe sucedeu no cargo. Para a história da comissão, ficam também as estória menor de um nome que ficamos a conhecer: Threy Urbahn, o gestor americano que veio com Neeleman, foi contratado como diretor enquanto era administrador e saiu com uma pré-reforma de 1,3 milhões de euros, depois de três anos de casa para voltar um ano depois como administrador não executivo.
Pinto foi ainda muito referido por ter sido o gestor que decidiu avançar com a compra da VEM Brasil e comprometer ao longo dos anos da sua gestões centenas de milhões de euros a esta operação que a TAP fechou com muitos prejuízos em 2020. Não vai tão longe na defesa do negócio como o sócio privado — a Geocapital de Lacerda Machado — que saiu antes da VEM se tornar num assadouro de dinheiro, mas o gestor brasileiro defendeu que à época (em 2004) a compra foi um bom negócio, porque a manutenção dava dinheiro e porque foi determinante para abrir mais as portas do Brasil que é hoje o principal mercado da TAP.
Lacerda Machado, o visionário
Nem Fernando Pinto defendeu de forma tão convicta e isolada, a compra da VEM que, para Lacerda Machado foi mesmo o melhor negócio feito pela TAP em 50 anos. Para o ex-sócio da TAP nesta operação, que mais tarde viria a ser consultor do Governo para a TAP e administrador em nome do Estado na TAP, o sucesso da companhia aérea portuguesa no mercado brasileiro, nomeadamente face às concorrentes europeia, é totalmente explicada pela aquisição da VEM. O advogado também desvalorizou as perdas — entre 600 a mil milhões de euros que a empresa brasileira trouxe à TAP (e que justificaram quase um terço da ajuda pública) — referindo que muitas eram contingências contabilísticas que seriam apagadas à medida que a VEM e a TAP ganhassem ou não perdessem os processos.
Praticamente ninguém concordou com ele… apesar do grande conhecimento sobre a aviação que todos lhe reconheceram e que Pedro Nuno Santos invocou, para humildemente discordar da visão de Lacerda Machado.
A intervenção de Lacerda Machado nesta CPI fica ainda marcada por mais dois momentos importantes.
Foi o primeiro ator informado — à data era administrador não executivo da empresa — a por em causa a necessidade de pagar e o valor do pagamento (55 milhões de euros) feito pelo Estado a David Neeleman para sair da TAP em 2020. Lacerda Machado defendeu que a pandemia era um evento extraordinário que dava argumento legal ao Estado para saltar fora do acordo parassocial que obrigava a devolver as prestações colocadas pelo acionista privado no caso da TAP voltar a ser pública. Esta interpretação foi contestada pelos membros do Governo que negociaram o acordo com Neeelmam, tendo como base o parecer do consultor jurídico do Estado para a TAP, a VdA.
E foi praticamente o único ator próximo dos socialistas (amigo de António Costa e nomeado pelos governos do PS) a defender a operação conhecidas pelos fundos Airbus, com argumentos que lhe foram dados pelo então presidente da companhia Fernando Pinto. Lacerda Machado não só sabia que Neeleman tinha usado dinheiro da Airbus para cumprir a sua fatia na capitalização da TAP, como destacou os efeitos positivos que a troca de aviões (Os A350 pelos A33o) negociada pelo americano tinha permitido valorizar e transformar a TAP. A operação “virou a mesa do jogo” contribuindo para a valorização da TAP e o principal beneficiário foi o Estado, afirmou na comissão de Economia, antes de ir à CPI onde este tema não lhe foi perguntado.
David Neeleman, o elefante fora da sala
Foi talvez o ausente mais presente desta comissão parlamentar de inquérito. O nome do empresário americano estava colado a todas as polémicas financeiras desde a privatização de 2015, passando pelos bónus e regalias pagas aos gestores e (mais recentemente) e as contas das consultorias que contratou — tudo faturas pagas pela TAP — até aos 55 milhões de euros que recebeu em 2020 para sair da TAP (um feito que mais nenhum investidor da aviação terá conseguido em pandemia).
Nas respostas por escrito, longas e com muitos anexos, David Neeleman não desiludiu, o que mostra que apesar de não ter negócios cá (conhecidos) continua muito bem assessorado sobre Portugal. Aliás fez publicar uma opinião no Observador na semana em foram ouvidos os principais protagonistas políticos. Contestou com pareceres e contas as acusações de que teria prejudicado a TAP com os fundos Airbus, a que chama de “tese insólita” veiculada por um papel que ninguém conhece. Porque iria prejudicar uma empresa que acaba de comprar (e queria vender bem). Garantiu que o Estado tinha de lhe pagar uma compensação pela sua saída porque tinha violado os termos do acordo passocial, até já antes da pandemia. A alternativa seria uma penalidade. E foi quem mais denunciou várias “pressões” do Governo (e em particular do ex-ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos) na gestão privada da TAP.
Humberto Pedrosa, o sócio silencioso
O partidos chamaram Humberto Pedrosa, o acionista português que foi sócio de David Neeleman entre 2015 e 2020 e não o filho. David Pedrosa exerceu funções executivas na TAP durante a gestão privada e foi um dos gestores privados que recebeu o salário sob a forma de comissão de gestão paga pela TAP à acionista privada, a Atlantic Gateway. Este contrato de gestão de 4,3 milhões de euros suscitou suspeitas de esquema para evitar pagar impostos e contribuições para a Segurança Social e, por iniciativa do PCP, foi objeto de um destaque no relatório final para o Ministério Público investigar.
O empresário português afirmou que até teria aplicado mil milhões de euros na TAP em 2020 (se os tivesse) e garantiu que perdeu todo o dinheiro que investiu (apesar da sua fatia na capitalização ter sido muito inferior à de David Neeleman). Pedrosa acabou por ceder o seu quinhão das prestações acessórias feitas na TAP privada por um euro ao Estado, mas não chorou o dinheiro que ficou na TAP, ficou porque teve de ficar, perdi porque tive de perder. Foi uma opção minha”.
Pedrosa empurrou para o sócio americano algumas decisões da gestão privada mais questionadas, sobretudo no que toca ao pagamento de prémios que eram compromissos assumidos por Neeleman para com a sua equipa. E referiu que a polémica operação com os fundos Airbus, a qual descreveu à falta de melhor termo como uma “doação” foi negociada apenas pelo sócio americano. “Quando fui convidado para entrar, Neeleman tinha o projeto todo feito, eu fiscalizava o que o Neeleman ia fazer. Há pormenores sobre os quais eu não pedia explicação porque acreditava, não tenho queixa que houvesse fuga de alguma coisa feita pelo senhor Neeleman”.
Os advogados, os ausentes presentes
Muito citados nas primeiras audições, forma incontornáveis nas justificações dadas pelos intervenientes do acordo que veio a ser considerado ilegal, ao abrigo do estatuto do gestor público, que afinal muito sabiam aplicar-se à TAP. Os representantes da SRS legal, assessora legal da TAP que apoiou a juridicamente a presidente executiva, e da Morais Leitão que representou Alexandra Reis, foram chamados ao Parlamento, mas invocaram sigilo profissional. O mesmo argumento foi usado pela diretora jurídica da TAP, Manuela Simões, para faltar à chamada, tendo estas justificações sido validada pelo Supremo Tribunal.
Manuela Simões até esteve numa audição, a acompanhar o administrador da TAP — Ramiro Sequeira foi o único dos inquiridos da empresa a usar o seguro corporativo para riscos legais durante o desempenho de funções. Mas não foram autorizadas perguntas. A sua antecessora no cargo, Stéphanie Sá Silva, que à data do acordo de saída de Alexandra Reis estava de licença de maternidade, chegou a estar na lista dos inquiridos (pelo seu casamento ao ministro das Finanças, Fernando Medina), mas o nome caiu.
Os advogados tiveram também em destaque pelo envolvimento da VdA enquanto assessor jurídico da Parpública na privatização da TAP em 2015 e na validação da legalidade (hoje questionada) da capitalização feita com recurso aos fundos Airbus. Mas também por ter sido os negociadores, em nome dos clientes, que fecharam o acordo de venda da participação de David Neeleman na TAP ao Estado em 2020.
Para a história dos efeitos colaterais desta CPI e do caso que lhe deu origem fica a constatação de que a SRS já não é consultor da TAP, a Morais Leitão não se manteve na assessoria a Alexandra Reis e a VdA deixou de ser assessora da Parpública para ir dar apoio jurídico a um concorrente à TAP.
Parlamento
António Lacerda Sales, o diplomata
Chegou como substituto, primeiro de um deputado socialista (para ocupar o lugar que Carlos Pereira tinha deixado em aberto), e depois da presidência da própria comissão. Conhecido dos portugueses por causa da luta contra a pandemia da Covid-19 (foi secretário de Estado da Saúde), Lacerda Sales assumia, de arranque, estar a aprender os procedimentos. E logo o estilo se desligou do antecessor, Seguro Sanches, que tinha saído da comissão em confronto em particular com o PSD.
Lacerda Sales foi, ao longo dos trabalhos, um diplomata, tentando acordos entre grupos parlamentares em questões processuais. E até pediu contenção nas palavras a alguns dos inquiridos, em particular ao ex-secretário de estado das Infraestruturas, Hugo Mendes. Também saltou a terreiro, no final dos trabalhos, perante as críticas à comissão de um membro do Governo. Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura, que chamou os deputados de inquérito à TAP de “procuradores de cinema americano de série B”. Lacerda Sales reclamou um pedido de desculpas a Adão e Silva, que não chegou.
“Isto parece-me uma falta de respeito pelo trabalho dos senhores deputados, da comissão e do próprio Parlamento. Relembro que o Governo responde ao Parlamento. Nenhum político está isento de respeitar as instituições, por maioria de razão o Parlamento, especialmente os ministros”, reagiu Lacerda Sales, que foi aplaudido da direta à esquerda pelos deputados da comissão, que deixaram, no final, vários elogios à forma como o ex-secretário da Saúde conduziu os trabalhos e fez a sua defesa. A CPI “não resolveu problemas da TAP”, mas “não venham dizer que não valeu a pena porque o esclarecimento de quem nos elege vale sempre a pena”, concluiu no dia em que o relatório foi apreciado em Plenário e que coloca mais esta comissão no seu currículo parlamentar, com aplausos de uma ponta a outra.
Jorge Seguro Sanches, o sensível
Saiu por não ter gostado dos ataques do PSD que, no seu entender, colocarem em causa a sua seriedade.
Numa discussão mais inflamada sobre tempos de inquirição (a chamada grelha de tempos), antes da audição de Humberto Pedrosa, Seguro Sanches saiu da sala, para apresentar, de seguida, a sua demissão da presidência do inquérito. “O papel do presidente da comissão de inquérito tem de lhe permitir gerar confiança, os consensos necessários para o bom trabalho dos deputados e da comissão”, mas, explicou, “a forma como foi questionado o meu papel no cumprimento do mandato da comissão, por alguns deputados — nomeadamente e especialmente sobre a minha seriedade — leva-me a considerar não ter as condições mínimas para continuar a desempenhar esta função de equilíbrio entre as partes. Considero que na política não vale tudo. E não vale seguramente, mesmo quando divergimos, atacar pessoalmente os outros na sua seriedade”. E assim bateu com a porta, assumindo a necessidade de o inquérito ser rápido, aliás como se pretendia dentro do Governo e do PS.
Os trabalhos acabaram por ser prolongados, mas terminaram antes do fim da sessão legislativa. Terminaram com a apreciação do relatório final esta quarta-feira, em Plenário. Seguro Sanches não ficou quando as audições “quentes” sobre o Ministério das Infraestruturas aconteceram – uma semana depois de se ter demitido. Entrou Lacerda Sales que mudou os procedimentos das inquirições e deixou de se ouvir: “para perguntar…. Para responder”.
Bruno Dias, o focado
“Quero falar da TAP”. E assim Bruno Dias, o deputado comunista, tentava nunca desviar-se do seu caminho, preocupado em perceber o que se tinha passado na transportadora ao longo dos últimos anos. O PCP tinha, aliás, proposto que a comissão de inquérito não se ficasse pelo período entre 2020 e 2022, mas analisasse tempos mais atrás. Não conseguiu ver a sua proposta aprovada, mas acabou, ao longo dos trabalhos, por ter o que sempre quis.
Os trabalhos foram muito para lá de 2020 a 2022. E até chegaram a 2023. Foi o partido que viu serem incorporadas mais propostas de alteração na versão final, mas mesmo assim não foi suficiente para se associar ao PS na aprovação. Chumbou mas Bruno Dias mostrou orgulho pelo “contributo que [o PCP] deu para o funcionamento da CPI e mesmo para as suas conclusões”. Há uma linha que separa claramente o PCP do partido que apoio um Governo que vai avançar para nova privatização da transportadora e, por isso, viu no relatório um texto a tentar justificar essa venda. Bruno Dias defendeu a TAP pública, indicando, várias vezes, casos com a gestão privada. E foi pela voz do PCP que mais informação se foi descobrindo sobre os pagamentos a consultores, nomeadamente a Fernando Pinto, depois deste ter deixado de ser presidente da TAP, e aos acionistas privados, família Pedrosa e David Neeleman. Bruno Dias não largou os inquiridos por causa do plano de reestruturação que diz foi uma sentença para os trabalhadores. Também por não se ter retirado mais conclusões sobre o impacto desse plano, o PCP votou contra.
Bruno Dias perguntou sobre quase tudo, mas a cada inquirido voltava sempre ao foco: falar sobre a TAP.
Ana Paula Bernardo, a mensageira
Deputada socialista cuja atividade profissional esteve, antes, ligada aos sindicatos foi a relatora do inquérito sobre a TAP e isso rendeu-lhe exposição pública e críticas. E foram as discordâncias que levaram a deputada (e na declaração de voto o seu colega de bancada Bruno Aragão) a dizer que até tinha, em alguns casos, resvalado para ataques de carácter. Ana Paulo Bernardo garante que o relatório, que acabaria aprovado apenas com os votos do PS, é da sua autoria e só a ela vincula, mas logo se ouviram vozes de conclusões “à medida”, que podiam ter sido escritas por António Costa.
Ana Paula Bernardo decidiu retirar do relatório análise aos episódios de 26 de abril no Ministério das Infraestruturas. A menção a João Galamba é parca, mesmo nos assuntos que dizem respeito direto à TAP como a demissão de Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja. Também aí Fernando Medina é quase “escondido”. No final acabou por incorporar algumas das propostas (poucas) da oposição.
As conclusões foram, como se esperava, benignas para os Governos do PS liderados por António Costa, e apontam o dedo ao do PSD/CDS que decidiu privatizar a companhia, entregando-a a David Neeleman e Humberto Pedrosa. O testemunho (escrito) de Neeleman não surge uma única vez mencionado no relatório final, nem os de Frederico Pinheiro, Eugénia Correia, Maria Araújo. E, no final, à pergunta que levou ao inquérito parlamentar ficou a conclusão de Ana Paula Bernando: “Não se registam situações com relevância material que evidenciem uma prática de interferência na gestão corrente da empresa por parte das tutelas”.
Bruno Aragão, o substituto
Com um perfil menos político, coube a Bruno Aragão substituir, na coordenação do PS na comissão de inquérito, Carlos Pereira que foi vítima de uma das primeiras revelações destes trabalhos. Carlos Pereira saiu cedo do inquérito, depois de ter sido revelado que tinha estado numa reunião de preparação com Chrsitine Ourmières-Widener, aquando da audição (na Comissão de Economia, que aconteceu em janeiro), e que teria combinado perguntas e respostas.
O episódio também fica de relance no relatório final. Carlos Pereira, mais político e experiente no Parlamento, deu lugar a Bruno Aragão, o discreto socialista que acabaria a comissão a bater na mesa, apontando o que diz ser o “registo acusatório e pressionante” que por vezes diz ter ter havido ao longo das inquirições, mas também acusando a oposição de “assunções à partida” e de ter “a expectativa, sem base documental ou depoimentos anteriores, de confirmar interpretações prévias”. E acrescentou: “Sobre isso, e sobre matérias que talvez tenham ultrapassado as prerrogativas desta Assembleia, não poderemos deixar de refletir, mesmo que a conclusão dos trabalhos arrefeça o interesse público sobre a matéria. Há fronteiras que não poderiam ter sido ultrapassadas”.
Coordenador do PS defende-se atacando: “Há fronteiras que não podiam ter sido ultrapassadas”
O PS não quis avançar no tema da intervenção das secretas para recuperar o computador de Frederico Pinheiro. Chumbou vários requerimentos nesse sentido, dizendo que não fazia parte do objeto da comissão. Ainda assim, e disso foi acusado pela oposição, não se coibiu de colocar questões aos intervenientes desse caso.
Bruno Aragão deu o rosto por essas decisões e pela defesa do relatório final, aprovado apenas com os votos do PS, dizendo que em apenas 18 das 79 conclusões foram votadas apenas pelo PS, virando o bico ao prego para acusar “o rolo compressor da minoria”. E é isso que, no final, ficará. Em tom calmo (talvez recorrendo à sua carreira ligada à psicologia), Bruno Aragão é o oposto, no estilo, a Carlos Pereira. Preocupou-se, ao longo das inquirições, com a linha do tempo e por várias vezes foi sua a questão: “qual foi o momento zero” do caso Alexandra Reis.
Bernardo Blanco, a revelação
Tem 27 anos. Faz parte do grupo parlamentar da Iniciativa Liberal e foi o escolhido para coordenar os trabalhos do partido na comissão parlamentar (foi substituído poucas vezes nas inquirições por Carlos Guimarães Pinto que até é autor de um livro sobre a TAP). Formado em gestão ainda ouviu Pedro Nuno Santos a dar-lhe lições de finanças empresariais – “não sei qual é a formação do senhor deputado”, atirou o ex-ministro. Bernardo Blanco é de gestão; Pedro Nuno Santos de economia.
Esperava-se que houvesse nesta comissão de inquérito um deputado revelação à semelhança do que acontecera nas anteriores, em que Mariana Mortágua, do Bloco, sobressaiu.
Bernardo Blanco, um “fenómeno Mortágua” que deixa a IL a suspirar por um “líder de futuro”
Logo nas primeiras inquirições estava encontrado o deputado revelação — Bernardo Blanco, cujo protagonismo foi esmorecendo ao longo dos trabalhos. Ainda assim foi das suas intervenções que se ficou a saber da reunião entre um deputado do PS e Christine; do email de Hugo Mendes a pedir a Christine que mudasse um voo do Presidente da República; foi a uma insistência sua que Galamba confessou que Mendonça Mendes, secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, é que lhe tinha sugerido o “reporte” dos acontecimentos no Ministério das Infraestruturas aos serviços secretos. E foi também sua a revelação de que Hugo Mendes tinha estado envolvido na preparação dos esclarecimentos da TAP aos ministérios sobre a saída de Alexandra Reis.
No final, a IL optou, à semelhança do PSD, por não apresentar propostas de alteração ao relatório pelas insuficiências e para não compactuar com as conclusões extraídas. “Este relatório confirma que os portugueses assistiram a uma comissão de inquérito e o Partido Socialista assistiu a outra, bastante distinta, tendo o mesmo sido elaborado de modo a que o primeiro-ministro não possa retirar qualquer tipo de consequência política, nomeadamente a demissão do ministro das Infraestruturas João Galamba”, declarou no final, deixando a pergunta: “O que seria preciso para dizer que houve interferência política?. Perante os muitos casos, seria preciso Pedro Nuno Santos tomar um avião de assalto para ir de férias?”.
Pedro Filipe Soares, o número dois
Mariana Mortágua lançou a sua candidatura à liderança do Bloco de Esquerda cinco dias depois da comissão de inquérito tomar posse. E acabou por ser escolhida para o cargo já os trabalhos iam avançados (28 de maio). Quando assumiu a liderança já o seu lugar no inquérito tinha sido ocupado por Pedro Filipe Soares, líder parlamentar bloquista, que teve de assimilar muita informação em menos tempo.
Não deixou cair o tema do SIS e os acontecimentos do dia 26 de abril no Ministério das Finanças e insistiu na demissão de João Galamba. “O PS impediu que a CPI TAP demonstrasse a incapacidade de João Galamba permanecer no Governo, expusesse o recurso indevido ao SIS e a sua atuação ilegal, forçasse o sr. primeiro-ministro a tirar consequências políticas”, assumiu na declaração de voto (no final votou contra o relatório). Para concluir: “Não nos resignamos à maioria absoluta, não ficamos refém do seu rolo compressor e do seu viés partidário. A democracia exige que não se cale a verdade, foram centenas de horas de audições que não podem ser amputadas”.
Horas de audições em que já assumiu a liderança do Bloco na comissão, mas sem manter as queixas pelo ar condicionado de Mariana Mortágua.
BE. Mortágua é candidata contra um governo que “desistiu” e que se esconde atrás de um “espantalho”
Paulo Moniz, o provocador
O PSD escolheu como coordenador do partido no inquérito o deputado açoriano que tinha já na sua marca a premonição de que a TAP ia ser a incineradora política de Pedro Nuno Santos. E foi. Não foi preciso passar um ano inteiro para que Pedro Nuno se demitisse.
Com a premonição no bolso, Paulo Moniz voltou a confrontar Pedro Nuno no inquérito à TAP, depois de ter reaparecido uma semana antes na comissão de economia para falar também sobre a TAP. “Tiveram saudades minhas, podem admitir”.. Atirou nessa comissão de Economia o ex-ministro que voltou, entretanto, como deputado ao Parlamento. “Está com bom ar… o descanso fez-lhe bem”, atirou Paulo Moniz que depois, no inquérito, acabaria por tecer um paralelismo entre Pedro Nuno e José Sócrates, caracterizando-os como “ambicioso, grisalho, jovem, carismático, menino de ouro do seu partido” em que “as aparências iludem e iludem quem quer”. Sem merecer comentários do ex-ministro, agradecendo apenas o carismático, acabou por fechar o assunto:“É melhor não comentar a primeira parte da sua intervenção. Diz mais sobre si do que sobre mim”.
Foi com Paulo Moniz que Seguro Sanches teve também o confronto que apontou como razão para sair da comissão. E foi o deputado coordenador do PSD que apresentou as razões para o partido não levar à votação qualquer proposta de alteração ao relatório – mas optava por tirar as suas conclusões na declaração de voto que chegaria ao Ministério Público e evitavam o chumbo do PS.
Filipe Melo, o VAR
O deputado do Chega, que viu em audições mais mediáticas o seu lugar ser ocupado por André Ventura, “o melhor parlamentar que temos nos 230”, foi uma espécie de VAR da comissão de inquérito, sempre com decisões a seu favor. Em quase todas as audições conseguiu prolongar os seus tempos de perguntas com a indicação de que algumas das suas questões não tinham sido respondidas, ou mesmo com interpelações à mesa.
Subiu o tom quando Manuel Beja, ex-chairman da TAP, atirou ao deputado dizendo que estaria a mentir sobre um almoço com um trabalhador.
Apesar de ser o coordenador do Chega no inquérito e o deputado efetivo foi mesmo André Ventura quem apareceu nas notícias quando, na inquirição a Frederico Pinheiro, pediu que o telemóvel do adjunto exonerado por João Galamba fosse entregue. E essa é uma das memórias que fica da comissão – no final da inquirição, Frederico Pinheiro entrega o telemóvel para ser enviado à Polícia Judiciária. Ventura tentaria o mesmo com João Galamba, mas sem sucesso.
A nova versão de Galamba sobre as secretas e o embate com o ex-adjunto
Eurico Brilhante Dias, o acusador
Depois de terem saído notícias relatando mensagens que estavam na posse da comissão de inquérito, a suspeição recaiu nos deputados. E pela voz de Eurico Brilhante Dias, líder parlamentar do PS, que apontou o dedo. “Apesar de todos os esforços do presidente e dos serviços da CPI, estes não foram suficientemente eficazes para que o conjunto de deputados — e equipas de assessoria de deputados — não fizesse o que é um crime”.
As fugas de informação foram investigadas pela comissão de transparência do Parlamento que concluiu que essas informações não teriam saído do Parlamento e ilibou deputados, assessores e técnicos. Eurico Brilhante Dias foi sendo sempre nomeado na comissão por ter acusado os deputados ilibados depois.
Acabou com um sinalizar de pedido de desculpas. “Qualquer análise, qualquer interpretação de que eu acusaria os deputados à direita de terem perpetrado essa fuga, se a interpretação é essa, peço naturalmente desculpa”.
Brilhante Dias pediu desculpas, mas só pela metade e com cinco minutos prévios de contexto