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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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Testes feitos em casa, quarentenas de 7 dias e zero punições para quem as quebra. Como é a vida de um infetado na Suécia

É preciso ter uma app para pedir os testes à Covid, que são feitos pelos próprios doentes. Só no início de dezembro é que a quarentena profilática se estendeu às crianças com menos de 13 anos.

O Observador publica esta semana uma série de seis reportagens feitas na Suécia, o país que desafiou o confinamento contra a Covid-19. A estratégia, que uns consideram um milagre e outros um desastre; os hospitais, agora com maiores dificuldades; o impacto na economia e os erros que o explicam; o dia a dia de um infetado, com testes em casa e nenhuma punição se violar as regras; o escândalo nos lares de idosos; e Anders Tegnell, o epidemiologista que recebe flores e ameaças de morte. Esta é 4.ª parte.

Na primeira fase da pandemia, na Suécia, explica ao Observador a psicóloga clínica Joana Demony, portuguesa de 41 anos a viver em Västerås, a cerca de 100 km de Estocolmo, só eram testados para o SARS-CoV-2 os doentes com necessidade de cuidados hospitalares urgentes — o que, por si só, ajuda a explicar a discrepância entre os números de infetados da primeira para a segunda vaga.

“Tenho uma amiga, que é doente de risco, que começou com sintomas depois de ter voltado de Portugal, onde esteve com a irmã, que, entretanto, tinha testado positivo”, recorda. “Sentiu-se mal e ligou para a Saúde 24 cá do sítio, onde lhe disseram que só a recebiam se precisasse de ir para o hospital de ambulância. Quase de certeza que teve Covid, mas nunca foi testada, portanto não tem como saber.”

Agora, nove meses depois de terem sido confirmados os primeiros casos no país, já não é assim: todas as pessoas que tenham sintomas claros de Covid-19 (a recomendação vai no sentido de se esperarem 24 horas desde as primeiras manifestações da doença, para perceber se são reversíveis ou confundíveis com outros problemas, como alergias ou enxaquecas) são aconselhadas a fazer um teste PCR.

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“Existem kits para as pessoas se testarem a elas próprias, mas tem de ser por marcação. Bochechei com um líquido e fiz a zaragatoa na garganta. Não sei se será muito eficaz e se não dará origem a uma série de falsos negativos, a pessoa quando tem aquele reflexo de vomitar se calhar já não vai mais longe…"
Joana Demony, psicóloga clínica

E isso é válido para adultos, adolescentes e crianças, explica a Agência de Saúde Pública Sueca, que só a partir da passada terça-feira, dia 2 de dezembro, tornou as quarentenas obrigatórias para os menores de 13 anos (já lá iremos).

Sempre que alguém tenha sintomas pode fazer o teste, mediante o pagamento de uma taxa moderadora. O mesmo acontece com os contactos próximos de infetados, identificados pelos médicos de saúde pública encarregues de fazer os inquéritos epidemiológicos que, na Suécia como em Portugal, estão longe de chegar para as encomendas, reconhece ao Observador o investigador finlandês Ville Pimenoff, do Instituto Karolinska. “Se houver recursos, o rastreamento de contactos é uma das medidas que faz sentido para conter a disseminação do vírus, mas chega a uma altura em que não é possível fazer mais — é aí que sabemos que a situação está fora de controlo.”

Joana Demony não chegou a ser contactada, mas, como uma colega do hospital onde trabalha, no serviço de psiquiatria, adoeceu, decidiu fazer o teste. Literalmente, fez o teste: “Existem kits para as pessoas se testarem a elas próprias, mas tem de ser por marcação. Bochechei com um líquido e fiz a zaragatoa na garganta. Não sei se será muito eficaz e se não dará origem a uma série de falsos negativos, a pessoa quando tem aquele reflexo de vomitar se calhar já não vai mais longe… No fim deixei as amostras num caixote, na farmácia, e foi só esperar pelo resultado”.

Sem aplicação no telemóvel não há teste

Como na Suécia a Saúde é gerida localmente, cada uma das 21 regiões tem os seus próprios mecanismos em curso — mas haverá sempre a possibilidade de fazer a análise convencional, com um técnico de saúde, através de marcação no centro de saúde local ou no privado.

Apesar de o site das autoridades suecas de saúde garantir que os testes “faça você mesmo” serão a exceção, em Västmanland, a região onde mora Joana Demony, a maior parte dos testes à Covid-19 serão feitos pelo próprio paciente. Em Skåne, onde vive o português Filipe Pereira, investigador da Universidade de Lund, mais perto de Copenhaga do que Estocolmo, é igual.

Até 2 de dezembro, as crianças abaixo dos 13 anos não tinham de fazer quarentena, mesmo que vivessem com um infetado

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“Acho que, no que diz respeito aos testes, a Suécia foi bastante tardia. Na Dinamarca, as pessoas são testadas e são testadas três vezes; na Suécia, no início, quase não se faziam testes — e, por isso, as pessoas nem acreditavam muito nos números do país. Agora não, mas continua tudo numa perspetiva muito voluntária, há um sistema para encomendar o teste online e um familiar vai buscar à farmácia. É a pessoa que faz em casa”, detalha o professor, a trabalhar na área da investigação em células estaminais e imunoterapia.

Para fazer a marcação, como em quase tudo na Suécia, explica Filipe Pereira, é preciso ter a aplicação BankID instalada no telefone. “É uma app que centraliza toda a informação da pessoa e que também está ligada à conta bancária. Serve para tudo: para assinar contratos, para comprar casa, para fazer uma transferência de dinheiro e agora também para encomendar os testes Covid. A maior parte das pessoas já anda só com o telemóvel, nem usa a carteira.”

Tanto é assim que, há uns meses, quando teve sintomas e quis fazer o teste, o finlandês Ville Pimenoff, que se instalou na capital sueca justamente em fevereiro, mesmo antes de a pandemia começar, primeiro teve de ir abrir conta no banco, só depois pôde fazer a análise. “Na altura ainda não era assim, mas agora o sistema está saturado, os resultados estão a demorar algum tempo. Se estiveres infetado, todas as pessoas que moram contigo têm de ficar em quarentena no mínimo durante cinco dias. No fim desses cinco dias, se não tiverem sintomas e quiserem sair, têm de fazer um teste”, explica o investigador.

“Acho que, no que diz respeito aos testes, a Suécia foi bastante tardia. Na Dinamarca, as pessoas são testadas e são testadas três vezes; na Suécia, no início, quase não se faziam testes — e por isso as pessoas nem acreditavam muito nos números do país. Agora continua tudo numa perspetiva muito voluntária, há um sistema para encomendar o teste online e um familiar vai buscar à farmácia. É a pessoa que faz em casa”
Filipe Pereira, investigador, Universidade de Lund

Esta regra, implementada apenas a partir de 1 de outubro, deixava de fora as crianças abaixo dos 13 anos. “Imaginemos que um pai está infetado e em casa, em isolamento. Os filhos continuam a ter indicação para ir à escola, a Agência de Saúde Pública diz que não é necessário que façam quarentena. Toda a gente concorda que os adolescentes são tão contagiosos como os adultos, mas, no que diz respeito às crianças mais pequenas, não há consenso, porque raramente têm sintomas. Sabemos que raramente têm sintomas e sabemos que podem ser facilmente infetadas, mas não há consenso sobre a capacidade que têm para transmitir o vírus. Este tem sido um dos argumentos usados, tanto na Suécia como noutros países, para manter as crianças pequenas nas escolas”, tinha revelado ao Observador, no final de novembro, a virologista Lena Einhorm, parte do grupo de 22 cientistas que, desde o início da pandemia, tem criticado o governo e exigido medidas mais restritivas.

Dias depois, na terça-feira dia 2 de dezembro, a agência de Anders Tegnell anunciou finalmente a introdução da medida que Einhorn e o grupo de especialistas a que pertence defendem há meses: agora as crianças também têm de fazer quarentena, caso vivam com um infetado.

Um infetado deve ficar em casa durante "pelo menos sete dias", mas as quarentenas não são obrigatórias

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Ainda assim, na conferência de imprensa via Zoom em que revelou a nova restrição, o epidemiologista estatal sueco fez questão de dizer que a Agência de Saúde Pública não tinha mudado de ideias relativamente à transmissão assintomática do novo coronavírus — que, para a estratégia sueca, nunca foi sequer um assunto.

A medida, explicou Tegnell, foi tomada apenas para libertar os professores que estavam a ficar sobrecarregados, por terem de receber à parte os alunos com familiares infetados. Questionado sobre que impacto estima que estas novas quarentenas possam vir a ter no bolo total dos casos de infeção no país, Tegnell respondeu no mesmo tom: “Fará muito pouca diferença”.

O que acontece a um infetado se sair de casa? “Ultraje público”

O português Bruno Simplício vive com a mulher e os dois filhos bebés numa aldeia no meio de nenhures na região de Dalarna, terra do famoso cavalo vermelho que é um dos símbolos da Suécia. Entre março e agosto deste ano, trabalhou num lar de idosos de Gagnef, a cidade mais próxima, como auxiliar. Apesar de todos os cuidados — “Em março tivemos o primeiro caso e começámos logo a usar os equipamentos todos de proteção: máscara, viseira, luvas e bata, era obrigatório” —, no final de abril descobriu que estava infetado com o novo coronavírus. E a mulher, professora de 1.º ciclo, também.

“Só os meus filhos, que na altura tinham 2 meses e um ano, é que não apanharam. De resto, quase todos os meus colegas no lar tiveram, na minha ala só um é que não foi infetado”, recorda. Depois de fazer o teste, da forma convencional, perguntou à enfermeira que o atendeu quando é que devia voltar para fazer a segunda análise. “Disse-me que quando não tivesse sintomas de maior podia voltar a trabalhar, sem necessidade de fazer novo teste. E foi o que fiz. Fiquei sem olfato durante seis meses.”

“Se saíres de casa infetado, não te acontece nada. Mas estás sempre sujeito ao ultraje público, o que, para os países escandinavos, se calhar até pesa mais do que uma multa”
Ville Pimenoff, geneticista, Instituto Karolinska

As indicações da Agência de Saúde Pública são para que, após dois dias sem febre, os infetados retomem a vida normal. O período recomendado de quarentena são “pelo menos sete dias”, dois deles sem sintomas, mas, como é normal na Suécia, trata-se de uma recomendação, não de uma obrigação, pelo que não há nenhum organismo que faça essa fiscalização. “Se saíres de casa infetado, não te acontece nada”, garante o finlandês Ville Pimenoff. “Mas estás sempre sujeito ao ultraje público, o que, para os países escandinavos, se calhar até pesa mais do que uma multa.”

No final, não é necessário voltar a fazer a análise, para garantir que o vírus já não está presente no organismo. Nas contas suecas da pandemia, não existem “recuperados”.

Para poder encomendar o teste à Covid-19, o finlandês teve primeiro de abrir conta no banco

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Numa situação normal, diz Bruno Simplício, 35 anos e há 8 no país, quando um trabalhador adoece na Suécia já é expectável que fique em casa, para não contagiar os colegas. “Se alguém tem dores de barriga, dores no corpo ou se, por algum motivo, não se sente bem, pode ficar em casa. Comunica ao patrão e o primeiro dia é descontado a 100% do salário — o que faz com que não existam abusos”, conta o português, da zona de Sesimbra. “Depois, do segundo ao sétimo dia de doença, o patrão paga 80% do salário, sem ser preciso apresentar atestado médico; só se a situação se prolongar é que é preciso uma declaração, sendo que aí passa a ser o Estado a pagar”, explica Bruno Simplício, atualmente a fazer um curso comparticipado e a gozar parte da licença remunerada de 480 dias que o Estado sueco confere depois do nascimento de um filho. Katarina tem 20 meses, Kristian 8.

Agora, graças à pandemia e para incentivar as pessoas com sintomas a cumprir a quarentena, o governo sueco suspendeu temporariamente as deduções fiscais aplicadas às baixas — com direito a retroativos até 11 de março, basta preencher o formulário online, no site da Segurança Social, e o reembolso é creditado em cinco dias úteis, no máximo. E o primeiro dia de falta ao trabalho também passou a ser pago, como os restantes.

Para apoiar os empregadores, todas as baixas que foram pagas entre abril e julho aos trabalhadores também vão ser devolvidas, através da Autoridade Tributária. A partir de agosto, os patrões já não vão receber o que gastaram com os funcionários doentes a 100%, mas apenas uma percentagem.

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