Circulam nas redes sociais várias versões de uma história supostamente passada no final do século XIX, apresentada como uma reflexão para os dias de hoje, tendo como protagonista o cientista francês Louis Pasteur (1822-1895), responsável por algumas das descobertas mais importantes da ciência moderna — sendo considerado um dos pais da microbiologia e especialmente conhecido por ter inventado o processo de purificação de alguns alimentos, como o leite, hoje batizado como “pasteurização” justamente devido ao apelido do francês.

Segundo a história, um homem idoso (apresentado como tendo 70 anos em algumas versões e 75 noutras) encontrava-se num comboio enquanto lia um livro. Ao seu lado, um jovem universitário lia igualmente um livro. Apercebendo-se de que o idoso estava, na verdade, a ler a Bíblia, o jovem interpela-o, perguntando-lhe se acredita “naquele livro cheio de fábulas e histórias”.

Publicação consultada pelo Observador

Desenvolve-se, então, uma conversa entre os dois. O idoso diz ao jovem que aquela é a palavra de Deus, e o jovem aconselha-o a ler sobre ciência, para desmascarar a “miopia, a estupidez e as mentiras da religião”, na qual só acredita “gente sem cultura” e “fanáticas”. No final, o jovem pede ao idoso que lhe dê o seu cartão de visita, para que lhe possa enviar material científico para que se elucide sobre “as questões que realmente importam para o mundo”.

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Quando o idoso lhe estende o cartão, o jovem fica pálido, já que no cartão surge o nome de Louis Pasteur, o eminente cientista que, com aquela idade, era já um dos maiores nomes da ciência francesa e mundial.

Será este episódio verdadeiro?

Em bom rigor, a resposta é difícil de obter.

Em primeiro lugar, não há qualquer dúvida de que Louis Pasteur, além de cientista, era um católico fervoroso — como, de resto, muitos grandes cientistas dos últimos séculos. Basta pensar em Blaise Pascal, com a sua célebre “noite de fogo” (o seu 400.º aniversário mereceu recentemente uma carta apostólica do Papa Francisco), ou no padre Georges Lemaître, proponente da teoria do Big Bang para a origem do Universo. Conta-se até que, no leito de morte, Louis Pasteur estava agarrado a um terço.

A dupla condição de Pasteur — católico devoto e eminente cientista — tem sido muito usada como exemplo de que fé e ciência não são incompatíveis. Com frequência, isso tem acontecido com recurso a citações e episódios cuja veracidade é difícil de comprovar.

Por exemplo, tem sido frequentemente atribuída a Pasteur a frase: “Um pouco de ciência afasta-nos de Deus; muito, aproxima-nos.” Contudo, essa frase parece estar mal atribuída: já foi também atribuída a Blaise Pascal e a Francis Bacon.

Quanto à história contida na publicação em análise, na verdade trata-se de uma história muito conhecida e há muito atribuída a Pasteur — embora sempre de modo vago, resultando muito provavelmente de um processo gradual de efabulação em torno da figura do cientista católico.

Uma rápida pesquisa permite encontrar referências a esta história em múltiplos meios credíveis, incluindo o portal católico Aleteia, o jornal da diocese de Aveiro e até mesmo o site de notícias oficial do Vaticano (embora, em algumas versões, Pasteur não estivesse a ler a Bíblia, mas a rezar o terço). Um artigo da revista Catholic World Report relata a mesma história, com o autor a dizer que já a ouviu ser dita em homilias — mas a admitir que não tem como comprovar “se a história é autêntica ou apócrifa”. De qualquer modo, a história circula há vários anos como sendo atribuída a Pasteur, embora, em absoluto rigor, não seja possível confirmar se aconteceu mesmo ou não.

Conclusão

Não pode dizer-se, em bom rigor, que se trata de uma publicação falsa, já que contém uma história que há muitos anos circula na Igreja Católica e sobre a qual até o Vaticano já escreveu. Ainda assim, também não se pode considerar totalmente correta esta publicação: não só inclui alguns dados manifestamente errados (Pasteur morreu aos 72 anos, por isso não poderia ter 75 anos, e o nome da instituição a que presidia também está errado), como precisava do contexto apresentado neste artigo para poder ser bem compreendida.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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