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Bem sei que a questão divide e exalta ânimos em fóruns da internet: afinal, a partir de que dia de janeiro é que nos tornamos uns chatos por continuarmos a desejar um feliz ano novo? Mas, mesmo sabendo que o mês já vai no quinto dia, quero aproveitar a primeira edição de 2022 para desejar aos leitores da Não Imprima Esta Newsletter um excelente ano novo. |
Os sinais que chegam dos cientistas e dos decisores políticos parecem apontar, com um grau de certeza crescente, para a possibilidade de 2022 ser o ano em que nos livramos da pandemia — não necessariamente do coronavírus, que continuará a circular como tantos outros, mas deste estado de sobressalto permanente, que abandonaremos à medida que a gravidade da doença diminui e o mero número de casos positivos deixa de merecer manchetes. |
Por esse motivo, o ano de 2022 será necessariamente um ano de recuperação económica e social, mas também um ano de regresso aos debates que a pandemia obrigou a adiar — e o clima ocupará um lugar central na discussão. Já discuti numa edição anterior desta newsletter os grandes desafios de operar uma recuperação económica e social de grande escala que garanta e promova a sustentabilidade do planeta (e a União Europeia fez saber desde logo que a linha de financiamento que permitirá essa recuperação tem metas ambientais associadas). Agora, começa um ano em que poderão estar reunidas as condições para retomar o debate sobre as políticas públicas climáticas. |
Nos últimos dias de 2021, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou a Lei de Bases do Clima, um extenso documento que formaliza no ordenamento jurídico português as grandes linhas políticas do país no que toca ao combate à “emergência climática” — conceito, aliás, reconhecido nas primeiras linhas da nova lei, que entra em vigor em fevereiro deste ano. |
Com um caderno de encargos longo e relativamente ambicioso, a lei climática aumenta as expectativas para um debate público e político que, nos últimos anos, tem tido dificuldade em descolar da discussão mais superficial (um problema comum num assunto que obriga a pensar a médio e a longo prazo, muito além do tempo dos habituais ciclos políticos). Um exemplo: a lei prevê que o Governo trabalhe no sentido de antecipar a meta da neutralidade climática para, pelo menos, 2045, cinco anos antes do atual objetivo. Trata-se de um desígnio que obrigará a um trabalho intenso por parte do poder executivo já a partir deste ano. |
Antes disso, porém, há eleições legislativas marcadas para 30 de janeiro. Nas semanas de campanha que se avizinham, os partidos políticos deverão esgrimir os argumentos dos seus programas eleitorais — e todos eles, sem exceção, incluem algum tipo de proposta para a política ambiental e climática portuguesa. Conseguirão os temas do clima impor-se na agenda eleitoral? Fiz a pergunta aos responsáveis de duas das principais organizações ambientalistas portuguesas, a Zero e a Quercus, e a resposta foi pouco entusiástica: há a expectativa de que o tema mereça debate, mas dificilmente será o tema central. |
Quando a próxima edição desta newsletter for enviada, já conheceremos a composição do Parlamento para a próxima legislatura e, provavelmente, já teremos uma ideia da solução governativa que conduzirá o país nos próximos anos, durante a materialização dos pressupostos previstos na Lei de Bases do Clima. Mas o período eleitoral é apenas o ponto de partida para um ano em que as questões do ambiente e do clima vão revestir-se de grande importância no plano global: no verão, Lisboa acolhe a conferência das Nações Unidas sobre os oceanos (inicialmente agendada para 2020, mas adiada pela pandemia); em novembro, decorre no Egipto a COP 27, cimeira em que deverão ser assumidos os compromissos que foram adiados na reunião de Glasgow. |
A transição verde é justa? |
Na newsletter de novembro, procurei fazer as contas ao preço da sustentabilidade. Na prática, quanto custa à humanidade assegurar que o planeta se desenvolve de modo sustentável? Um dos principais preços a pagar prende-se com o problema do desemprego. Embora a Organização Internacional do Trabalho calcule que a transição verde contribua de modo líquido para a criação de empregos no planeta, esta oferta não é automática e, muitas vezes, não coincide com a procura (seja na geografia, seja no tempo, seja nas habilitações dos desempregados). |
Calcula-se, na verdade, que a transição energética conduza à extinção de seis milhões de empregos a nível mundial, sobretudo na indústria dos combustíveis fósseis e nas regiões onde essa indústria é vital, como o Médio Oriente e o continente africano. Só dificilmente a totalidade destes seis milhões de desempregados poderão aceder de imediato aos cerca de 24 milhões de empregos que se prevê que venham a ser criados pela transição verde. |
Este não é, contudo, um problema distante, teórico ou exclusivo dos países africanos e orientais. É também um problema em Portugal, como explica este recente artigo do Observador, assinado pela Ana Suspiro. Basta olhar para o que se passou em 2021 no nosso país: num ano, encerram no país as duas últimas centrais elétricas alimentadas a carvão (Sines e Pego) e uma refinaria de petróleo (Matosinhos). No total, estas três unidades empregavam mais de 600 trabalhadores — um número que os sindicatos estimam em cerca de mil postos de trabalho quando se alarga o universo a empresas contratadas, fornecedores e prestadores de serviços. |
O que lhes aconteceu? Há intenções de reintegrar os trabalhadores noutros projetos sustentáveis dentro das empresas, de lhes oferecer formação adicional através do IEFP ou para contratar os desempregados para centrais de produção de energia renovável em substituição das unidades encerradas. Mas os processos demoram e estão repletos de incertezas — o que significa que muitos estão potencialmente desempregados. Pode ler aqui este trabalho, que lança uma pergunta fundamental: a transição energética é verdadeiramente justa? |