Passaram 327 dias desde o grande incêndio de Pedrógão. Passaram 207 dias desde os fogos de outubro. Passaram 201 dias desde que em Conselho de Ministros Extraordinário depois da morte de mais de 100 pessoas o Governo anunciou as medidas para evitar novas tragédias. E eu passei as últimas horas a ler notícias e a ver debates e intervenções sobre as promessas que continuam por cumprir para chegar a uma conclusão em poucos minutos: pouco ou nada mudou. Quando estamos a pouco mais de um mês de passar um ano sobre aquela longa noite de sábado que me fez sentir impotente e ter vergonha, os erros repetem-se. E só nos resta mesmo ter fé na Natureza. Porque nos homens que nos governam já é impossível acreditar.

Vamos a factos.

Sobre a grande aposta, o reforço dos GIPS (Grupo de Intervenção Proteção e Socorro) da GNR, é revelador ler o mail (divulgado no Público) enviado pelo comandante aos seus operacionais. Ficam só estas passagens: “Passamos a contar com cerca de 1070 militares, mas não temos Equipamento de Protecção Individual”; “Previsivelmente (com alguma sorte à mistura) podemos ter uma farda por militar, botas, cogula, óculos e capacete no dia 20 de Maio. Sublinho que só teremos uma farda… não há tecido em Portugal para mais nesta altura. Esclareço também que nesta altura provavelmente não vai haver luvas (estamos a pensar em soluções ‘imaginativas’ para solucionar este problema. Até agora não vemos a luz ao fundo do túnel)”; “Para complicar mais um bocado a nossa vida falta ainda dizer-vos o ponto de situação sobre material e viaturas. Rádios, telemóveis, computadores, impressoras… Não existem”; “Camas, armários, mesas e cadeiras… não há”; os 96 carros novos estão à espera de autorização, para já só contam com 77 velhos e talvez em “Junho, Julho” possa haver “algumas pickups”; “Só com o fim da formação iremos saber as vagas e colocações”; quanto ao ataque ampliado “só para Agosto”.

Sobre os meios aéreos, ui… Dos 20 que era suposto a Protecção Civil poder contar a 1 de Maio, há apenas três helicópteros ligeiros do Estado operacionais: com os atrasos nos concursos, os 14 alugados ainda não foram aprovados pelo Tribunal de Contas. Quanto às 35 aeronaves que deviam estar disponíveis a 15 de maio, o ministro lá admitiu após uma audição de 7 horas que talvez existam “dez”: mas apenas para voar em “circunstâncias excepcionais”. E dos 50 meios aéreos previstos para 1 de junho, haverá 42 apenas “adjudicados”: no debate quinzenal o primeiro-ministro disse que “estão cá”, mas não revelou nem onde, nem quantos ou quais são.

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Sobre os famosos Kamov, nada de novo. Continuam os três parados, em reparação, sem autorização da Autoridade Nacional de Aviação Civil para voar: e ainda se estão a consultar empresas para contratar os outros oito helicópteros ligeiros prometidos e os três pesados que hão-de substituir os avariados.

Sobre o reforço do papel das Forças Armadas, só dúvidas. Dos próprios: os militares não sabem ao que vão, com que meios e fazer o quê.

Sobre as centrais de biomassa e biorrefinarias, um vazio. As últimas notícias são de junho do ano passado: ainda antes da primeira tragédia.

Sobre as comunicações, quase tudo na mesma e arcaico. No SIRESP, é claro que o Estado não conseguiu entrar no capital da empresa: limitou-se a alterar o contrato com a operadora, investindo 15,6 milhões numa rede que funcione quando a principal falhar. E o sistema informático que permite ver em tempo real todas as ligações continua sem licença de utilização: é preciso fazer desenhos nos quadros e em papel, que são depois apagados ou rasgados (o que dá muito jeito quando é preciso esconder dados, como aconteceu com a auditoria feita em novembro e só agora conhecida).

Sobre a mudança e profissionalização da estrutura de combate aos fogos é bom nem falar. Com a demissão de António Paixão, são já cinco os comandantes da Protecção Civil em ano e meio: depois de no ano passado o Governo ter mudado metade dos comandos em Abril, este ano perde o líder a meio de Maio. Também ninguém sabe o que vai acontecer com os comandantes de agrupamento (CADIS): por agora limitam-se a fazer escalas no centro de Carnaxide. E a nova Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais como vai ser integrada? E a lei orgânica para regular o que está a ser reformulado? Tudo continua por aprovar.

O que resta então?

Umas idas às “zonas afectadas” para distribuir os 500 milhões despejados sobre o drama para o fazer esquecer com a recuperação das casas e as indemnizações às vítimas.

encenação de seis minutos e 47 segundos de Costa de serra na mão para as televisões depois daquele mail ameaçador das Finanças a mandar-nos a todos limpar as matas em redor das nossas casas, ainda que o Estado não cumpra a sua parte e os especialistas considerem esta lei da floresta sem base técnica ou científica.

Uns sms anunciados ontem para alertar os cidadãos em zonas de risco de incêndio (não se sabe se a avisar para fugirem ou para outra coisa, e é preciso que tenham rede e os consigam ler).

Os costumeiros grupos de trabalho ou unidades de missão.

E um rol de boas intenções inconsequentes.

O que aconteceu quase há um ano só surpreendeu infelizmente quem andava distraído. O que se repetiu em Outubro foi fruto de uma incúria que noutro país faria cair com estrondo todo o Governo e não apenas uma ministra incapaz e por pressão presidencial. Mas ninguém parece ter aprendido a lição. Estamos a ver o mesmo filme e ninguém se importa por já saber que tem um final trágico. Se as chuvas tardias desta Primavera tiveram deixado as matas que não arderam em 2017 com a erva tão alta como a que cresce no jardim em frente à minha casa que a Câmara de Sintra não corta, não faltará combustível para que muito arda novamente. Que venha aí mais um Verão negro.

O pior surdo é o que não quer ouvir. E António Costa chegou ao ponto de deslumbramento no poder que nada escuta. Olha para a esquerda e pisca o olho ao Bloco que lhe pode garantir governar se não tiver maioria. Olha para a direita (mais ou menos) e faz o mesmo ao PSD de Rio. Olha para trás e acha que consegue apagar todos os vestígios tóxicos de Sócrates. E só lhe interessa falar de um futuro promissor. Está cego e mouco sobre assuntos que não tenham a ver sobre a sua elogiada habilidade ou tacitismo político. Caso contrário tinha percebido os recados de Marcelo (nos jornais, nas televisões e na Assembleia). E todos os alertas sobre uma nova e bem possível tragédia anunciada, entre as sucessivas manchetes do Público e a guerra de alecrim e manjerona da Proteção Civil com a Liga dos Bombeiros.

Entre aquilo a que o seu ministro chama a “excitação do dia-a-dia”, a informação sobre o combate aos fogos continua a ser de facto “péssima” sr. primeiro-ministro. Mas apenas porque, 327 dias depois, o seu Governo não tem outra para dar.

Só mais duas ou três coisas

  • Nunca o gesto de Manuel Pinho no Parlamento fez tanto sentido. Foi por causa dele (Pinho), que três anos e meio depois, de repente, toda a gente descobriu que tinha sido enganada por Sócrates. Uma vergonha de facto. Sobretudo falta dela. Mas pelo menos ficámos a saber que ou estamos perante um bando de ingénuos ou de hipócritas. Dos que nos governaram aos que os apoiaram.
  • Quase dois terços dos processos por corrupção foram arquivados em 2017. Houve cinco condenações e duas absolvições em 408 processos-crime julgados. Autarquias, polícias e serviços de saúde estão na lista negra. Estes não são meros dados do Conselho de Prevenção da Corrupção. São o retrato do País. Que só duas pessoas tenham falado do tema no 25 de Abril é elucidativo sobre as preocupações dos nossos políticos.