“Receio bastante que a forma irresponsável como foi feita aquela privatização [pelo anterior Governo PSD/CDS-PP] possa dar origem a um novo caso Cimpor, com um novo desmembramento que ponha não só em causa os postos de trabalho, como o futuro da empresa”.

António Costa, no Parlamento, 11 Julho 2017, sobre a Altice

“Espero que a autoridade reguladora [Anacom] olhe com atenção ao que aconteceu com as diferentes operadoras nestes incêndios de Pedrógão Grande. Compreenderá certamente que houve algumas que conseguiram sempre manter as comunicações e houve outra que esteve muito tempo sem conseguir comunicações nenhumas – e isso é muito grave. Por mim, já fiz a minha escolha da companhia que utilizo”.

António Costa, no Parlamento, 11 Julho 2017, sobre as falhas da MEO (PT/Altice) em Pedrógão

“[Se] é necessário corrigir, nós obrigaremos às correções de forma a que tudo funcione a tempo e horas. É um sistema que funciona há onze anos e não foi, com certeza, agora que foram descobertos problemas. Numa zona de grande densidade florestal, onde há elevado risco de incêndio, o sistema de comunicações de uma determinada companhia, que não vou dizer o nome para não me criticarem, assentar em cabos aéreos e nessa rede circular não só a comunicação normal como a de emergência expõe obviamente essa rede a uma fragilidade inadmissível”.

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António Costa, em declarações em Alijó, 17 Julho 2017, sobre a PT (Altice) e o funcionamento do SIRESP

“O colapso do SIRESP resultou do colapso da rede PT. O que falhou foi que grande parte daquela rede de emergência assenta na rede fixa da PT; a rede fixa da PT assenta em cabos aéreos que, obviamente, numa zona florestal que está a arder, ardem. E, portanto, colapsam as comunicações. É inadmissível que as redes de comunicações junto às estradas nacionais que já têm calhas técnicas não estejam enterradas e continuem com os cabos aéreos…”.

António Costa, em entrevista ao Expresso, 11 Agosto 2017, em que recusava intervenções drásticas, como nacionalizar o SIRESP ou “rasgar” o contrato, mas atacava a PT (Altice)

“O Ministério da Administração Interna vai notificar esta semana a SIRESP SA, a empresa que gere a rede de emergência nacional, um ofício a informar que o Estado tem intenção de exigir à empresa o pagamento de multas (as chamadas penalidades) pelas falhas nas comunicações registadas durante o incêndio de Pedrógão Grande e noutros fogos nos últimos meses”.

Notícia do Público sobre as sanções do Governo à empresa do SIRESP, 22 Agosto 2018

“O Governo decidiu tomar uma posição acionista na empresa que gere a rede de comunicação em emergência, a SIRESP, SA. O ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, admitiu ainda (ao contrário de Costa, que foi mais cauteloso) que o executivo possa, no futuro, avançar para a nacionalização, tomando o controlo da empresa. Pedro Marques explicou que o Estado — como a esquerda tinha exigido — quer ter “um papel acrescido no desenvolvimento e gestão desta rede de comunicações de emergência“, acrescentando que, para já, “tomará uma posição acionista que poderá chegar a uma situação de posição de tomada de controlo no futuro”.

Notícia do comunicado do Conselho de Ministros especial de 11 horas sobre os fogos sobre as medidas para o SIRESP, 21 Outubro 2017

“O SIRESP é uma sociedade anónima na qual o Estado vai assumir a maioria do capital. Isso foi decidido no passado sábado. Estão a decorrer trabalhos que visam a reestruturação da estrutura acionista de modo a que o Estado tenha uma palavra decisiva na gestão da empresa SIRESP SA, que passa por assumir 54 por cento do capital social do SIRESP”.

Declarações do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, um dia depois, já assumindo que o Estado passaria a deter a maioria do capital do SIRESP, 22 Outubro 2017

“Altice passa a controlar a Siresp SA. Estado fica com 33% ao adquirir posição da Galilei. Operadora portuguesa passa a deter 52,1% da Siresp SA, a empresa que gere a rede de comunicações de emergência. Estado fica com 33% mas nomeará presidente e outro administrador”.

Notícia sobre o negócio do SIRESP, em que a Altice exerceu o direito de preferência, 1 Agosto 2018

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Este exercício de recuperar o que foi dito no passado para comparar com o que foi feito no presente é muito útil. Expõe facilmente as contradições. Permite rapidamente tirar conclusões sobre o comportamento errático deste Governo e de António Costa. E, no caso em apreço, para usar linguagem política, demonstra não só incoerência, como uma inadmissível falta de transparência para com os portugueses e os contribuintes.

A acrescentar a tudo isto, podemos estar ainda perante um enorme caso de incompetência.

A responsabilidade pela criação do SIRESP não pode ser atribuída a António Costa, é certo. Ela aconteceu nos governos de Durão Barroso e de Pedro Santana Lopes, que lançaram o concurso e o caderno de encargos e conduziram grande parte das negociações com o consórcio liderado pela (famosa pelas piores razões) SLN do BPN. Mas depois Costa teve caminho aberto para impedir a adjudicação de um sistema a quem todos reconhecem falhas. Uma PPP que custa(va) mais de 400 milhões de euros ao Estado por ano. E não o fez.

Portanto, das duas uma. Quando andaram a fazer promessas sobre o controlo do SIRESP, os membros do Governo ou não sabiam nada do que estavam a falar, nem tinham lido sequer o contrato existente, ou fizeram-no apenas para parecer bem, calar os críticos e manter contentinha a esquerda que os apoia. Mas Costa, que esteve por dentro do negócio, tinha pelo menos a obrigação de os ter avisado a tempo… para ficarem calados.

Mas agora, chegados aqui, com o negócio fechado com o resultado que todos já tínhamos adivinhado, não há uma alminha que ache que deva explicações?

Afinal, como é que o Estado, com 33% do capital, vai mandar ou controlar o SIRESP contra quem tem 54%? O primeiro-ministro já está de bem com a malvada da Altice depois do negócio com a TVI ter falhado? Qual vai ser o papel do presidente e do administrador público? E quanto custou a participação? Nem a esse valor temos direito a ter acesso? Mas ele não é pago com os nossos impostos? E quando o contrato acabar em 2021, há direito de preferência? E em que condições?

Estas respostas são um direito nosso e um dever do Governo. Mas a tática é a do costume. Dizer umas coisas sem estudar nada antes, falhar por completo, não explicar, desmentir uma qualquer minudência e culpar alguém. Ou então fingir que todos temos falta de memória e já não nos lembramos. Ou seja, em resumo, tentar tomar-nos por parvos.

Como se não bastasse, no meio deste silêncio confrangedor e insustentável, surgiu Monchique. Mesmo sem SIRESP (ainda) ao barulho, mas já com várias redes a terem falhado (desta vez sem o PM se queixar para já de nenhuma em particular), há um fogo que dura há seis dias. SEIS! Mais que os incêndios de Junho ou de Outubro. No local exacto, como o José Manuel Fernandes explicou no Macroscópio, que especialistas, climatologistas ou universitários anteciparam que ia acontecer.

E temos um primeiro-ministro que aparece primeiro como expert de gabinete, a exibir-se no controlo via Twitter. E depois a mostrar-se como especialista a 200 km de distância, desde Carnaxide, para garantir que o fogo “ainda vai durar vários dias até ser extinto”, mas que é a “exceção que confirmou a regra do sucesso” e até a ironizar que “só a vela de um bolo de aniversário todos nós apagamos com um sopro”.

É claro que todos já percebemos que a ordem foi deixar arder e evitar uma única morte que fosse depois do que se passou o ano passado. Mas fazer ironia no meio do caos e das críticas, com as praias do Algarve cobertas de cinzas e o sol tapado de fumo, é de uma enorme falta de bom senso. E falar em sucesso com pessoas em pânico, a perder tudo o que tinham, é de uma insensibilidade atroz. É não ter aprendido nada num ano. É mau de mais. É não conseguir uma palavrinha, ou uma explicaçãozinha, acertada.