O ministro da Administração Interna esteve esta terça-feira no Parlamento e foi confrontado por todos os partidos, sem exceção, com as contrariedades registadas na preparação da próxima época de incêndios. Eduardo Cabrita não esclareceu contornos da demissão de António Paixão, o agora ex-Comandante Nacional Operacional da Proteção Civil (CONAC), deu respostas evasivas sobre os atrasos na contratação de meios aéreos e não esclareceu a situação atual dos Kamov. Deputados queixaram-se muitas vezes da falta de respostas do ministro.

O que motivou a saída de António Paixão?

Foram pelo menos sete as vezes em que Eduardo Cabrita foi desafiado a esclarecer as razões que levaram à demissão de António Paixão. Da esquerda à direita, com PSD e CDS em particular evidência, todos os partidos quiseram perceber o que motivou a exoneração do coronel, que esteve apenas cinco meses no cargo, e que terá saído em divergência com o Governo a menos de um mês do início da época mais sensível em termos de incêndios. O ministro, no entanto, limitou-se a repetir que o responsável saiu por “razões pessoais” e a condenar aqueles que se concentram na “excitação do dia-a-dia”.

Os primeiros a confrontarem Eduardo Cabrita com a saída de António Paixão, anunciada na segunda-feira, foram os sociais-democratas. “Um militar não deserta quando a operação já está montada no terreno. A opacidade em torno deste processo só adensa a intranquilidade das pessoas. Não nascemos ontem. E que São Pedro nos proteja, porque, dependendo do Governo, só podemos esperar o pior”, afirmou Luís Marques Guedes, deputado do PSD.

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Também o Bloco de Esquerda, pela voz da deputada Sandra Cunha, criticou a “instabilidade nas sucessivas substituições de comandante operacionais”, reiterando o desejo de ouvir mais explicações sobre a saída de António Paixão. Eduardo Cabrita voltou a não responder.

Telmo Correia, do CDS, voltou à carga. “Acha normal que, em ano e meio, existam quatro, e agora cinco, comandantes operacionais? É obviamente muito preocupante”, sublinhou o democrata-cristão. O comunista Jorge Machado subscreveria, em parte, as intervenções anteriores: “[A saída de António Paixão] suscita-nos preocupação”, assumiu o deputado do PCP.

Às perguntas e observações dos deputados, Eduardo Cabrita foi repetindo que o agora ex-CONAC saiu por “razões pessoais”, apontando o dedo aos deputados de PSD e CDS, repetindo a crítica: estão presos à “excitação do dia-a-dia”.

De acordo com as notícias que vieram a público, António Paixão terá entrado em confronto aberto com o Governo por discordar estratégia adotada de combate a incêndios. A gota de água terá chegado no último fim-de-semana, quando o responsável foi confrontado com o facto de ter apenas três helicópteros para dar resposta aos 100 incêndios que deflagraram no país.

Mesmo perante a insistência dos deputados de PSD e CDS, Eduardo Cabrita desvalorizou sempre a questão, remetendo sempre para a carta de demissão do ex-comandante da Proteção Civil. “Não se entusiasmem com especulações que não têm qualquer fundamento. Nunca tive qualquer discussão com [António Paixão]”, chegou a dizer o ministro. Resta saber o que dirá o ex-comandante quando for chamado ao Parlamento.

Quando é que os meios aéreos vão estar disponíveis? E quantos?

A saída de António Paixão foi apenas a última contrariedade do Governo na preparação para a época de incêndios que se avizinha. O Governo continua sem assegurar o número de meios aéreos definidos, sendo que neste momento tem apenas três helicópteros ligeiros do Estado operacionais — e devia contar com 20 em maio.

Porquê? Com os atrasos nos concursos, os 14 meios aéreos alugados ainda não receberam o parecer favorável do Tribunal de Contas. Mais: os três helicópteros pesados Kamov continuam parados, em reparação, sem autorização da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) para voar. Contas feitas, só existem três helicópteros ligeiros operacionais.

De acordo com directiva operacional aprovada pelo Governo, a partir de 15 de maio terão de estar disponíveis 35 meios aéreos. No total, o Governo espera contar com 50 meios aéreos na fase mais crítica da época de incêndios, sendo que já terá adjudicado 42 meios aéreos. Acontece que, segundo o jornal Público, o Governo não fechou contrato com a empresa italiana que se comprometeu a fornecer 20 helicópteros ligeiros. E, mesmo com esses 42 meios aéreos assegurados, continua por “fechar” a contratação dos restantes oito meios aéreos e a substituição dos três Kamov inoperacionais — sendo que estes contratos também terão de seguir para o Tribunal de Contas. Tudo somado, o Executivo de António Costa dificilmente terá os 50 meios aéreos previstos disponíveis a 1 de junho, tal como o estipulado.

Confrontado com as questões dos deputados, Eduardo Cabrita foi repetindo que o Estado português já garantiu a contração de 42 meios aéreos, sublinhando, aqui e ali, o facto de os contratos estarem ainda a aguardar o parecer do Tribunal de Contas. “Contamos com uma intervenção célere do Tribunal de Contas”, chegou a dizer o ministro da Administração Interna.

Eduardo Cabrita acabou por deixar uma garantia: existem “dez” aeronaves prontas a voar em situação de emergência, mesmo antes de receberem parecer do Tribunal de Contas — ou seja, em “circunstâncias excepcionais” e já previstas na lei.

Mas quando é que estarão verdadeiramente operacionais os 50 meios aéreos definidos pelo Governo? Eduardo Cabrita não o disse. Isto mesmo depois de PSD e CDS terem desafiado o ministro a assegurar que todas as aeronaves vão estar disponíveis no período mais crítico da época de incêndios.

O que aconteceu aos três Kamov parados?

Em março, a Autoridade Nacional de Proteção Civil encerrou as instalações, em Ponte de Sor, onde os Kamov estavam a ser reparados, e, depois de encerrado o hangar, Eduardo Cabrita assegurou que este ano seria aquele com “o melhor quadro de defesa do país com meios aéreos”.

Em resposta, a Everjets reclamou uma indemnização à ANPC por apenas lhe terem sido entregues três dos seis helicópteros que o Estado tinha, mas o tribunal não lhe deu razão.

Esta terça-feira, no Parlamento, desafiado a explicar o que se passava com os três helicópteros pesados Kamov (são seis, no total) e a esclarecer se o Governo pretendia ou não contratar mais helicópteros pesados, Cabrita não respondeu à primeira pergunta e confirmou a segunda.

Quanto ao que aconteceu aos três Kamov parados em Ponte de Sor, o ministro limitou-se a dizer que houve uma decisão da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) de “retirar a certificação” à empresa que fazia a gestão destes aparelhos, sem acrescentar mais.

Sobre a possibilidade de contratar mais helicópteros pesados, Cabrita confirmou que está a fazer uma consulta de mercado para disponibilização adicional de meios pesados”, mas desmentiu a informação inicialmente avançada: estes helicópteros “serão alugados” e não comprados.